O processo de doação de órgãos é complexo e multifatorial. Dentre todas as suas etapas, talvez a entrevista familiar seja a mais determinante para a continuidade do processo. É um momento muito delicado, no qual o preparo do profissional de saúde que atenderá a família é de suma importância para a efetividade do processo. Do mesmo ponto de vista, o preparo do profissional não está atrelado somente às competências em saber oferecer a possibilidade de doação, mas possuir habilidades de comunicação e, essencialmente, amparar as famílias enlutadas.
Conforme os dados publicados pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, no primeiro semestre desse ano, das 3.151 entrevistas familiares para doação de órgãos realizadas no Brasil, 43% não consentiram a doação, sendo esta a principal causa para não efetivação da doação de órgãos. Essa expressiva taxa contempla diversos motivos contados pelos familiares, que justificam o motivo da não autorização, por exemplo: quando o falecido relata em vida o desejo de não doar, o não entendimento que a morte encefálica é a morte propriamente dita, motivos relacionados às crenças religiosas, entre outros. As causas de negativa podem ser modificadas se o profissional de saúde estiver preparado para esclarecer todas as dúvidas em relação ao processo de doação e conduzir a entrevista dentro de um contexto de ajuda e apoio emocional às famílias.
Autorizar a doação de órgãos de um familiar não é uma atitude fácil, tampouco tranquila. É um momento de dor e sofrimento e, talvez, seja a decisão mais importante a ser tomada. É um ato de desprendimento, no qual é impossível mensurar o tamanho da generosidade das famílias, onde, na pior ocasião de suas vidas, conseguem pensar no próximo, seja para salvar uma vida ou melhorar a qualidade de vida de quem está na lista de espera para transplante.
Além da responsabilidade das equipes de saúde em acolher, certamente conversar sobre doação de órgãos torna a decisão mais confortável para os familiares de potenciais doadores. Na mesma perspectiva, a democratização desse tipo de informação é fundamental, pois a importância da doação de órgãos e a desmitificação de mitos e tabus deve chegar de forma simples e clara à população. Com isso, toda a complexidade desse processo será melhor entendida e, essencialmente, a percepção de que doação promove benefícios não só para quem recebe um órgão, mas para quem doa também.
Dagoberto Rocha
Enfermeiro da Organização de Procura do Hospital São Lucas da PUCRS – OPO 2