Desabafo

Sentada na cadeira alta em frente ao bar, Raquel dava mais uma tragada no seu cigarro e, observando os arredores, lembrava do que sua primeira cafetina havia lhe dito: “os homens são iguais em dois momentos: perante a lei e na zona”. “Por quê?”, ela havia questionado. “Minha filha, isso se dá porque perante um juiz todos alegam inocência e aqui todos desejam ser culpados pelo pecado original”, riu a cafetina.

De fato, aquela regra mostrava-se verdadeira noite após noite. Girando na cadeira e se escorando no balcão, ela viu Sandrinha rir no colo de um advogado quando ele lhe disse uma bobagem qualquer ao pé do ouvido. Na mesa ao lado, Paulinha se insinuava para um pedreiro com quem dividia um uísque com energético. E pela porta entrava a exceção que confirmava a regra.

Com uma cara preocupada, o homem se sentou num canto mais escuro. Buscando faturar mais um cliente, Raquel apagou seu cigarro e foi até aquela mesa reclusa. Lançando um sorriso encantador, ela se sentou ao lado de sua nova presa e cruzou as pernas antes de perguntar se ele queria dividir uma bebida. Ao ouvir a resposta negativa, ela sorriu maliciosamente.

– Então quer subir logo para o quarto, safadinho? – questionou e se inclinou para cima do homem.

Com um sorriso triste estampado no rosto o homem recusou o convite e explicou.

– Não vim aqui para comprar um pouco de amor. Pelo contrário, eu vim falar de amor.

– Como assim? Quer falar sacanagem? É disso que gosta? – indagou Raquel.

– Você não está me entendendo. Quero apenas desabafar.

– Se é só isso, porque não o faz com teus amigos?

– Amigos…eles são ótimas companhias para beber e jogar conversa fora, mas não entenderiam do que quero falar.

– E eu entenderia?

– Talvez…mas, com certeza, ao menos me ouviria.

Assim, Raquel ficou quieta e ouviu o desabafo do homem. Religiosamente, quase como se tivesse horário marcado, o sujeito retornava nas outras quintas-feiras para desabafar. Logo aceitou pagar o valor do quarto e do programa apenas para falar de suas mágoas. Já pelo sétimo encontro, na despedida, Raquel perguntou o que o homem fazia da vida.

– O mesmo que você. Sou um psicólogo. – sorriu e complementou: – alguns precisam do meu serviço para desabafar, outros o fazem no fundo de um copo e eu escolhi o fazer com você.

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