Está na Bíblia, no livro de Eclesiastes, capítulo 3: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar…”. Se as sagradas escrituras fossem reescritas hoje, em meio à pandemia de coronavírus, provavelmente os autores adicionariam mais um item: “há tempo de gastar o dinheiro público e tempo de economizá-lo”. Porém, não é preciso ter fé para seguir a norma. Este é também um dos pressupostos da boa gestão e mandamento número um do bom senso. Que por esses dias parece andar em falta na Administração Municipal de Montenegro, ao confirmar a compra de uma caminhonete Mitsubishi Triton de R$ 165 mil para uso pela Guarda. O assunto praticamente monopolizou os debates na Câmara de Vereadores na sessão de quinta-feira, com os argumentos contrários ao investimento goleando os favoráveis por 7 X 1.
Forte – Dos oito vereadores que estavam na sessão, apenas um tentou defender o governo. Joel Kerber, do Progressistas, explicou que a aquisição é necessária porque a Guarda Municipal precisa de um veículo “forte e imponente”, à altura dos que são empregados pela Brigada Militar em suas operações de combate ao crime. Quanto ao valor, o líder do governo no legislativo ressaltou que estão incluídos equipamentos extras, como giroflex e adesivagem. E encerrou dizendo que a Administração “tem condições” de comprar um veículo top de linha.
Hora errada – A manifestação do líder do governo foi rechaçada de forma dura pelos colegas. Cristiano Braatz (MDB) chegou a chamá-lo de elitista ao defender um investimento tão alto em algo que poderia esperar, uma vez que há muita gente perdendo o emprego e até passando fome. Este também foi o ponto defendido por outros vereadores, como Talis Ferreira (que, por sinal, é do partido do prefeito), Felipe Kinn (MDB) e Juarez Vieira da Silva (PTB). Para eles, não é hora de gastar com isso.
Seis meses – O processo de compra foi iniciado em 13 de março, dias antes da eclosão da pandemia, quando a Prefeitura aderiu a um pregão eletrônico realizado pelo governo do Estado. De acordo com a secretaria da Fazenda, nesse sistema, o Município economiza tempo e reduz a burocracia, pois não há elaboração de novo edital. A empresa vencedora é a HPE Automotores do Brasil Ltda, com sede em Catalão, Goiás, e a entrega será feita pela concessionária Ramada, situada em Porto Alegre, em até… 180 dias. Isso mesmo, SEIS MESES.
Naufrágio – O prazo de entrega do veículo já mostra que a aquisição não era emergencial e, como ela ainda não ocorreu, o prefeito poderia desistir do negócio. Contudo, isso não deve acontecer. Ao contrário, há rumores de que outra caminhonete será comprada para a secretaria de Viação e Serviços Urbanos. Não é à toa que mesmo vereadores da base de apoio do governo estejam deixando o barco. No leme, a falta de bom senso diante do iceberg que representa o coronavírus tem um naufrágio como destino.
Prioridades – A princípio, ninguém é contra oferecer melhores condições de trabalho à Guarda Municipal. De fato, os agentes não cuidam apenas dos prédios públicos, como muita gente imagina. Seguidamente, são recrutados para acompanhar o Conselho Tutelar e a própria Brigada nas mais diferentes ações. Também são a retaguarda dos fiscais na apreensão de mercadorias vendidas irregularmente. Se tiverem uma caminhonete, podem fazer a coleta na hora e o transporte até o depósito, sem a necessidade de acionar outro veículo. E, sim, quem atua na segurança, ainda que de forma auxiliar, deve impor “respeito” e até “medo” naqueles que estão do lado errado das leis. O problema é que, agora, há outras prioridades.
Novo papel – Antes de dotar a Guarda Municipal de veículos de primeira linha, a Administração deveria ampliar as suas atribuições. Primeiro, permitir que os agentes atuem armados e façam a fiscalização do trânsito, tarefa para a qual, há muitos anos, a Brigada Militar não possui efetivo suficiente. Assim, as ruas seriam mais seguras também para condutores e pedestres e os salários pagos à categoria, que estão entre os melhores do funcionalismo, trariam um retorno direto em arrecadação. Porque aqueles que não obedecem regras devem pagar por isso.
Outras opções – Com o dinheiro que será gasto na Mitsubishi, seria possível adquirir duas caminhonetes Renault Duster Oroch (e ainda sobraria dinheiro). Inclusive, são estes os veículos usados pela Brigada Militar. O mesmo recurso permitiria a aquisição de pelo menos três respiradores, que certamente farão falta de nossos hospitais mais à frente. Não há como esperar que a população apóie esta negociação.
Risco maior – Ao mesmo tempo em que transitar num veículo “robusto” impõe um certo respeito em relação aos agentes da Guarda, eles correrão maiores riscos. Poderão ser confundidos com policiais e ser recebidos a bala em áreas mais conflagradas. Como não têm autorização para trabalhar armados, se revidarem e causarem a morte de alguém com suas próprias pistolas ou revólveres, terão de responder a processos na esfera administrativa e penal. Isso se sobreviverem.
Passo a passo – Do ponto de vista da gestão, a compra de equipamentos e acessórios é o último passo de um processo, que inicia pela definição do papel a ser desempenhado. Se a Guarda passar a cuidar do trânsito, deve ser autorizado o uso de armas letais e, aí, sim, dotada dos melhores veículos para perseguir e enquadrar os infratores. Depois, claro, da recuperação da arrecadação e do fim da pandemia. Afinal, há tempo para tudo. Está na Bíblia e nos livros de gestão.
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Rapidinhas
O povo quer saber: pré-candidato a vereador pode fazer distribuição de alimentos, ainda que tenham sido adquiridos com recursos de doações? Pelo sim, pelo não, é melhor passar a tarefa a terceiros para evitar uma impugnação depois.
As vereadoras Josi Paz e Rose Almeida, do PSB, faltaram à sessão de quinta, na Câmara. Josi cumpria quarentena porque um familiar apresentava sintomas semelhantes aos da Covid-19 e Rose estava sob o efeito de uma forte crise de rinite alérgica.
O prefeito Kadu Müller baixou decreto que permite a atuação de servidores no cargo de auxiliar de serviços escolares na limpeza dos prédios municipais. Pelo menos no período em que as aulas estiverem suspensas em razão da pandemia de coronavírus.
Vereador Cristiano Braatz (MDB) apresenta projeto de lei que obriga os estabelecimentos comerciais a disponibilizar aos clientes, dispensadores ou recipientes com álcool em gel, ou outro produto recomendado pela Vigilância Sanitária. Precisa lei se a medida já está prevista nos decretos do prefeito?
O prefeito Kadu proibiu o transporte de passageiros em pé nos ônibus urbanos de Montenegro. A medida seria correta se houvesse mais opções de horários e itinerários, reduzidos no início da pandemia. Os coletivos lotam porque ainda são poucos e deixar as pessoas nas paradas é desumano.
O modelo de gestão da pandemia anunciado sábado pelo governador, que dividiu o Estado por regiões e estabelece critérios para maior ou menor liberdade de circulação, será copiado em várias partes do país. Se todos seguirem as regras e usarem as máscaras, seremos os primeiros a voltar à “normalidade”.
A Câmara aprovou a destinação de R$ 834 mil para a conclusão da Escola Municipal Centenário. A obra deveria ter sido entregue em março de 2017.
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Impeachment
A Câmara de Vereadores ainda não definiu quando será retormado o processo de Impeachment do prefeito Kadu Müller. O prazo legal de 90 dias para as apurações encerrou na sexta-feira, dia 8 de maio. A pandemia de coronavírus impediu a realização dos trabalhos quando ainda restavam 50 dias. Em tese, as investigações sobre a denúncia de pagamento de propina pela empresa que faz a coleta do lixo reiniciam com a tomada dos últimos depoimentos. Contudo, existem regras de distanciamento pessoal que ainda precisam ser observadas na sede do legislativo e não há certeza de que o espaço disponível permita reuniões com até mais de quinze pessoas.
Suspensão – Na manhã de ontem, havia uma reunião agendada entre os componentes da comissão processante, Josi Paz (PSB), Joel Kerber (Progressistas) e Felipe Kinn da Silva (MDB), mas o encontro foi cancelado. No Executivo, há quem esteja disposto a defender o encerramento do processo pelo não cumprimento do prazo, mas a opinião pública ficaria contra o prefeito, considerando-o culpado mesmo que não houvessem provas. A comissão deve se manifestar hoje ou amanhã.