Sempre fui crítica a pensamentos muito negativos ao Brasil e, principalmente, ao povo brasileiro que, diante das dificuldades, faz malabarismos para sobreviver. Algumas coisas me soavam como uma vontade de nos desmerecer enquanto nação. Mas, dessa vez, preciso reconhecer, nos superamos em dar mau exemplo. Me refiro aos “fura fila” que já começaram a surgir neste início de vacinação. Sim, o mesmo já ocorreu com o auxílio emergencial pago pelo governo federal para pessoas sem renda – ou assim deveria ser, pelo menos. Mas aqui vou me ater às vacinas, que já é fato grave demais.
Estão pipocando casos similares por todo o Brasil e, possivelmente também ocorrem em outros países. Mas, se somos – e não há como negar – bairristas para festejar nossas façanhas, temos de ser também para fiscalizar nosso próprio quintal, por isso, é bom questionar os casos já registrados aqui no Rio Grande do Sul. Bastou as doses chegarem para começar a surgir fotos em redes sociais de pessoas fora do grupo que teria direito ao primeiro lote. Explicações? Muitas. Bastante variadas, inclusive. Mas, mesmo que elas sejam 100% verdadeira – e eu não coloco minha mão no fogo por isso – ainda carecem de bom senso.
No caso de Alvorada, por exemplo, onde funcionários da farmácia pública do município, foram imunizados sem atuar na chamada “linha de frente contra a Covid-19”, a explicação da Administração municipal foi de que já tinham vacinado os prioritários e, portanto, avançaram para outro grupo. Mas a população tem o direito de saber quais os critérios utilizados, não? Fato similar ocorreu em Piratini, zona sul do RS. Lá, funcionários de uma farmácia particular foram vacinados sobre a alegação de que aplicam testes de Covid-19. Só que isto não consta no Plano Nacional de Imunização. Já a prefeitura de São Leopoldo afastou funcionários de serviço administrativo que, sem ter direito algum, se imunizaram e não se preocuparam em fazer sigilo algum.
Todos estes casos, felizmente nenhum sem justificatica convincente no Vale do Caí até o momento, revelam dois fatos preocupantes. Primeiro o descontrole do Estado frente a algo tão precioso quanto esta vacina. Se não conseguimos organizar / restringir à cada grupo prioritário o acesso a algo tão valioso e esperado, o que conseguiremos organizar neste País? É este caso ainda mais grave que no episódio do auxílio emergencial porque aqui não se trata de um golpe praticado por estelionatários que se faziam passar por quem, de direito, deveria receber a ajuda do governo. Aqui, o poder público está errando porque é detentor das doses e as aplica em quem não tem direito neste momento.
Mas, deixando esta questão um pouco de lado, o que me preocupa realmente é a falta de vergonha na cara de algumas pessoas. Quem deseja ser vacinado é alguém esclarecido. Não é um negacionista, nem ninguém enganado pelas fake news que desestimulam imunizações. Portanto, são pessoas que sabem a importância de cada dose aplicada. Sabem que os idosos e os profissionais em linha de frente estão muito mais vulneráveis.
E, mesmo assim, preferem ignorar questões mínimas de cidadania para ter a alegria não de se proteger – porque isso todos os com bom senso querem – mas de estar entre os primeiros e poder se vangloriar nas redes sociais. Quantas pessoas que são grupo de risco e convivem há meses com o medo da Covid, como por exemplo os diabéticos, os com problemas respiratórios ou os transplantados, seguem aguardando na fila? Porque, simplesmente por seus “bons contatos” alguns devem ser privilegiados? É triste ver tanta falta de senso de comunidade nas pessoas. E mais triste ainda pensarmos que, ao contrário do que chegamos a pensar no início da pandemia, a sociedade não aprendeu tanto assim com este vírus.