Você reconhece essas mulheres? São tão diferentes que nem parece, mas uma ficou aprisionada dentro da outra por 46 anos. Os cabelos longos não podiam se mostrar. Faltavam motivos para o sorriso se abrir. Os alhos eram impossibilitados de brilhar. Até que ela libertou-se e, enfim, fez surgir quem é de verdade.
A mulher em ambas as fotos é Madalena Gordiano, tem 46 anos, e passou os últimos 38 trabalhando em situação análoga à escravidão na cidade de Patos de Minas, em Minas Gerais. O drama da mulher retratada à direita começou ainda menina quando bateu à porta de uma família para pedir comida. Foi posta para dentro de casa, mas, ao invés de alimento, recebeu trabalho. Lhe tomaram a infância sem oferecer nada em troca. Sem brinquedos nem educação, foi mantida na casa como empregada doméstica. Anos depois, a dona da casa “presenteou” sua emprega ao filho, um professor universitário que junto da esposa deu continuidade ao crime. Carteira assinada e direitos trabalhistas, Madalena nunca viu. Abusos sim, sofreu vários. Vivia num quartinho sem janelas e sem ventilação. Foi em novembro de 2020 que ela foi resgatada por agentes do Ministério Público do Trabalho, após décadas de sofrimento.
Foi então que veio à tona outra parte dessa crueldade. Há 20 anos Madalena oficialmente se casou com um parente da “patroa”. Dois anos depois este homem, então aos 80 anos, morreu, deixando uma pensão de R$ 8,4 mensais. Só que eram os donos da casa que ficavam com o dinheiro. Enquanto Madalena trabalhava e pedia aos vizinhos doações de produtos básicos de higiene, sua pensão custeava a faculdade de medicina da filha do casal.
Já a Madalena da esquerda é uma mulher livre, dona do seu dinheiro, das suas vontades e prioridades. Por isso ela tem este sorriso largo. Até parece ter rejuvenescido, né? Se pudesse, aliás, esta seria uma justa retribuição da vida. Afinal, a juventude de Madalena lhe foi tomada. E, infelizmente, não retornará. Alguns podem olhar para esta foto e pensar que “dinheiro” fez toda a diferença. Sim, fez. Dinheiro dela por direito. E que fez, ilegalmente, a diferença na vida de outras pessoas por mais de 17 anos. Mas, não é apenas dinheiro que fez esta transformação. Também não é o alongamento – lindíssimo – dos cabelos, a roupa ou a maquiagem. É poder escolher que cabelos ter, qual maquiagem usar e qual roupa vestir.
Analise bem a Madalena de ontem e a Madalena de hoje. A primeira olha pra baixo, no sentimento de humildade exagerada que algumas pessoas carregam por terem tirado delas o direito de encarar a vida de cabeça erguida. Esta primeira imagem representa muitos brasileiros, que caminham do trabalho pra casa de cabeça baixa, pensando em simplesmente cumprir ordens e obedecer. Por que, desde a infância, lhes tomaram o direito de sonhar. A Madalena da segunda imagem encara a vida de frente porque, enfim, está podendo vivê-la. E sorri! Porque agora tem motivos. Ou porque simplesmente não precisa deles. Sorri por sorrir…como todos devemos ter o direito. A história de Madalena é revoltante, mas também é uma lição de renascimento e de esperança. A justiça tarda, às vezes mais do que o aceitável, mas ela chega. E com ela vem um sorriso como o de Madalena.