Por mais alguns dias ainda será Outono. Mas o friozinho já deu suas caras, enfraqueceu e voltou. E digo “inho” porque nós gaúchos não nos assustamos com 10° ou 11° graus, mas só quando o termômetro fica negativo. Quando tivemos 3º ou 4º graus, em meados de maio, sentimos um gostinho do que junho, julho e agosto poderão trazer. O fato é que sim, já temos um clima de Inverno no ambiente. E isso muda o nosso jeito de viver e, principalmente, de se alimentar.
Ainda em abril, comi sopa. Podem me chamar de fresca. Adoro! E faço já nas primeiras quedas de temperatura. Elas se tornarão bem comuns no jantares dos próximos meses. As delícias de um café colonial são mais gostosas no frio, certo? As primeiras remeças de pinhão já foram cozidas em muitas casas. Há semanas ouço comentários de “marcar um fondue” e até de fazer mocotó fiquei sabendo de planos. Desse último, aliás, dispenso participar. Mas, é claro, cada um com seus gostos e preferências. O Inverno é uma delícia, né?
Mas então eu me lembro do quanto tudo isso que escrevi até aqui é restrito apenas a uma parcela da população. E, no conforto que uma casa quente e dispensa lotada, isso passa facilmente despercebido.
Quando falamos na crise financeira aprofundada pela pandemia, precisamos dividir a população em três grupos. O primeiro é o dos que têm renda e não sentiram redução alguma nela, além daqueles que lucraram ainda mais. O segundo é a classe média, muito impactada pelo desemprego e pela redução da renda. Em alguns lares, mesmo que não falte o que comer, não haverá final de semana na Serra para curtir o hotel com lareira. Algo que se permitiam em anos anteriores, mesmo que exigisse alguma economia em casa. Há lares de trabalhadores onde, antes da crise, o churrasco no final de semana era certo, mas agora é preciso fazer macarronada em alguns domingos porque a carne está cara e um integrante da família perdeu o emprego. Mas nenhum integrante destas famílias vai dormir com fome.
O terceiro grupo não tem o básico para comer. E essa parte da população é cada vez maior. Quem circula por Montenegro sabe que nunca vimos tantas pessoas pedindo dinheiro através de manifestações artísticas em semáforos, na frente de mercados, ou vendendo coisas pelas ruas. Quando digo que falta alimento, não estou falando de “fondue”, cuja maior parte da população brasileira que vive em comunidades pobres nunca chegou perto para saber que gosto tem. Pinhão também é algo que está bem acima das possibilidades financeiras de muitos. Há dias frios de Inverno que nem mesmo uma sopa de legumes ferve no fogão para aquecer algumas famílias. Arroz, feijão e um pedaço de carne? Para muitos é luxo.
Eu gosto muito do Inverno. É a minha estação favorita no ano. Entendo, porém, que enquanto aproveitamos das delícias, devemos nos lembrar dos que não têm o básico para oferecer aos filhos. É natural que cada família pense primeiro nos seus, para depois lembrar-se do outro. Mas, na situação atual, quem tem condições de oferecer fondue aos familiares, deve sim pensar em trocar por um cardápio mais simples se isso significar poder oferecer uma cesta básica ou um botijão de gás a um lar onde a fome e o frio imperam. Sim, tirar de si mesmo para dar ao outro. E não apenas doar o que não lhe faz falta. Por que não? Tenho fé que a crise irá passar e teremos muitos Invernos de fartura. Mas, neste momento, é, mais do que nunca, necessário nos unirmos na solidariedade.