A senhora grisalha

Como grande parte das pessoas que trabalham fora de casa, é no sábado que eu dou atenção às atividades domésticas. Isso inclui abastecer os armários e a geladeira com aquilo que está nos planos de consumo. Esta é uma rotina monótona, mas sua repetição às vezes é cortada pelo surgimento de pessoas especiais, cuja luz irradia bons sentimentos. No último sábado, encontrei alguém assim. Uma senhora de cabelos grisalhos estava fazendo suas compras enquanto ia conversando, animadamente, com um conhecido e outro que encontrava pelo caminho. Ela me chamou a atenção logo que cheguei ao estabelecimento, quando a vi na porta cumprimentando uma amiga. Ofereceu o cotovelo para a outra encostar, no cumprimento que se tornou símbolo da pandemia. E de trás de sua máscara disse: é assim porque a gente tem que se cuidar. De cara, gostei dela.

Segui buscando os itens da minha lista de compras. Alho e cebola são essenciais, sempre. As frutinhas preferidas. Tomates e couve. Depois, passei na padaria e pedi aqueles pães fresquinhos que eu não deveria comer, mas adoro, e segui rumo ao açougue. Lá, como sempre, a fila estava longa. Sou daquele tipo de pessoa que não se estressa com as filas. Sei que elas existem e que a minha irritação não fará o atendimento ser mais rápido. Passo o tempo pensando no que pedirei ao atendente, considerando o que está exposto e os preços. Mas, no último sábado, a senhora grisalha levou toda a minha atenção.

Enquanto não chegava sua vez de ser atendida, ela puxou conversa com outro cliente. Era véspera do 20 de setembro e o balcão estava especialmente atrativo para quem gosta de uma costela gorda assada na brasa. Minha personagem, no entanto, alertava aos demais: aquilo ali é ótimo para quem quer ficar doente. Na hora, eu pensei que fosse exagero. Logo depois, eu fiz meu pedido. E ela ainda estava por ali, aguardando o açougueiro retornar com a peça de carne escolhida. Então a senhora grisalha me olhou e disse: eu me cuido. Escolho me alimentar do que faz bem pra gente. É a cabeça da gente que manda. Não pode deixar o corpo mandar. Quando o açougueiro retornou e entregou seu pacote, ela agradeceu, desejou-lhe um ótimo final de semana e ainda emendou com: te cuida e usa máscara! Junto de sorrisos escondidos por trás da proteção, ela distribuiu sensatos ensinamentos.

Esta senhora saiu sem que eu tivesse perguntado seu nome, infelizmente. Também não sei sua idade. Mas desta informação não sinto falta. Independente dos números, ela mostra que é capaz de nos ensinar muita coisa. Principalmente sobre ter amor próprio e zelar pelo próprio bem-estar físico e emocional. Basta andar pela rua pra ver muita gente com pensamento oposto.

E eu não estou falando de Covid-19, não. Quem bebe e sai dirigindo não dá o devido valor à própria vida. E existe, ainda, uma série de “desleixos” com o que mais importa que são praticados de forma quase imperceptível. Quando a gente desconta o estresse do trabalho, a briga com o namorado ou o saldo bancário negativo no maior pote de sorvete que conseguir aguentar, não estamos exatamente cuidando de nós mesmos. E, definitivamente, não é a mente que está no comando destas escolhas. Quando se abdica de todo e qualquer momento de lazer em família ou amigos, sob o argumento de que o trabalho e as obrigações sempre vêm antes, não estamos valorizando a própria felicidade ou a saúde mental. Fato é que aquela senhora grisalha e cheia de energia me mostrou como eu quero estar daqui a 30 ou 40 anos e me deu dicas de como alcançar este longevo objetivo.

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