Não estou contestando as promessas e o comprometimento das falas dos políticos, mas como diria meu avô, “não podemos contar com o ovo apenas pelo cacarejo da galinha”…
Isso pois:
Não é o prefeito, nem os vereadores, em suas vontades pessoais, quem decidem se o aterro vem ou não vem. Eles não têm esse poder, mas sim a FEPAM e ela só o pode fazer com base no que a legislação determina, dentro do processo de licenciamento ambiental;
As leis sim, se assim o dispuserem, possuem esse poder de impedir. A população também – se disser não no plebiscito – pois a Lei Orgânica possibilita isso a ela;
Ao prefeito cabe apenas emitir a Certidão Ambiental. Essa deve ser emitida, não sendo possível se negar a isso. Não se trata de uma licença, mas sim de um documento, com itens obrigatórios, que orienta a FEPAM sobre as possibilidades e restrições – que ela deverá observar – para a instalação do tipo de empreendimento pretendido (no caso aterro de resíduos industriais perigosos) conforme legislação e zoneamento territorial vigentes no município. O motivo da nulidade (e necessidade de revogação) da Certidão original, emitida pelo prefeito Kadu, foi justamente o fato dela não ter mencionado que a Lei Orgânica e que o Plano Diretor possuem restrições e condicionantes para esse aterro de resíduos industriais perigosos;
Se não houvesse nenhuma legislação que impedisse e se fossem cumpridos e atendidos todos os critérios técnicos e exigências legais do licenciamento o aterro seria instalado, por mais que a população não o quisesse. E é com isso que a empresa conta;
A FEPAM, obviamente, deseja a instalação de aterros dessa natureza na Região Metropolitana para atender a demanda das atividades industriais. Então, uma vez atendidas todas as leis e normas no processo de licenciamento e se não houvesse previsão legal de plebiscito, o fato de a população montenegrina não querer tenderia a ser apelo ignorado, apenas tratado como um simples efeito ou contratempo colateral já esperado e ainda assim admissível. Tal tendência inclusive geralmente ocorre nos municípios onde alguma dessas centrais venha a se instalar e que não possuem vedações em leis locais – pois o licenciamento ambiental não se dá com base em vontades econômicas ou políticas, mas em critérios técnicos e legais, não sendo, em princípio, o “clamor popular” um deles;
Todas as vezes em que alguém, em algum lugar, consegue impedir a instalação de algum empreendimento junto ao órgão licenciador ou mesmo na Justiça, isso não se dá por vontade de A ou B, mas sempre porque alguma lei foi desrespeitada e foi possível demonstrar tal irregularidade nas instituições competentes;
A lei municipal, aprovada em novembro de 2022, que proíbe aterros de resíduos, ainda não é de conhecimento da FEPAM e é esse órgão quem vai analisar se essa é aplicável ao projeto da PROAMB ou não. Dessa forma as brechas que existem nessa lei podem ser usadas para tentar relativizar a vontade do legislador por eventuais entendimentos de quem queira o aterro;
O plebiscito, previsto no Artigo 207 de nossa Lei Orgânica, é técnica e legalmente aplicável ao projeto do aterro e a legislação federal diz que ele deve ser realizado “antes do ato administrativo”. Se a população decidir nele que não quer aterro de resíduos industriais perigosos em Montenegro não haverá instalação, cabendo à FEPAM acatar a decisão e indeferir o processo de licenciamento hoje em curso;
Sem a realização do plebiscito o processo administrativo de licenciamento do aterro não pode ser feito, é nulo à luz da Lei Orgânica de Montenegro. Então, enquanto houver continuidade nesse licenciamento, e com vistas à sua adequação legal, o plebiscito precisa ser feito;
Embora o prefeito reitere, em manifestações nas redes e em visitas à comunidade, que não há interesse no projeto, a fala da representante da SMMA – realizada na reunião do COMDEMA do dia 03 de agosto de 2022 – dando a entender a possibilidade de apenas se citar o Artigo 207 da Lei Orgânica em nova Certidão Ambiental (e até agora não desautorizada ou retificada pelos superiores) demonstra que há uma corrente na Prefeitura que entende que caberia à FEPAM e não aos vereadores decidir se e quando o plebiscito deve ser feito;
Caso transferidos para a FEPAM essa análise e decisão sobre o plebiscito se estaria tirando o papel dos vereadores. Da mesma forma, uma versão que circula, de que os vereadores não podem realizar plebiscito agora – enquanto não houver novo processo administrativo tramitando na Prefeitura (protocolado pela PROAMB pedindo nova Certidão Ambiental), ou enquanto essa não solicitar ao poder Legislativo que o faça – pode estar tirando um tempo precioso e estratégico para a comunidade – que já poderia ter encerrado toda a questão caso já realizada essa “consulta formulada ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância”;
É importante os gestores municipais avaliarem as motivações dessa linha de relativização, pois ela não atende ao interesse coletivo e à normalidade da Administração Pública, uma vez que há clara previsão legal de competência da Câmara para atuar;
Mesmo não havendo processo administrativo aberto em Montenegro, o da FEPAM continua tramitando. Então existe sim um processo em curso, analisando um projeto para ser instalado em Montenegro;
A legislação não diz que os vereadores somente devem realizar plebiscito para processos administrativos que tramitam na Prefeitura. Ou seja, eles devem realizar plebiscito em qualquer tramitação que envolva esse tipo de atividade que pretenda se instalar aqui, incluindo então se ela estiver tramitando na FEPAM;
A legislação também não diz que os vereadores devem esperar serem oficiados pela Prefeitura ou pela FEPAM para realizar o plebiscito. A lei apenas diz que esse tipo de atividade deve ter plebiscito, que ele deve ser prévio (no início do processo – ou, no caso específico do projeto do Pesqueiro, o quanto antes então), e que é a Câmara quem o chama;
Como a Prefeitura já está ciente da legislação envolvida (pelos processos administrativos anteriores da PROAMB) e vem acompanhando toda a tramitação, sendo o mesmo objeto de reiterado debate, há condições de emissão de uma Certidão Ambiental (repito, seu dever) inclusive eventualmente no mesmo dia em que seu pedido der entrada, via abertura de novo Processo Administrativo pela empresa;
Como a Certidão Ambiental é um dos primeiros itens de tramitação do licenciamento na FEPAM e a Audiência Pública (que já foi realizada) um dos últimos, mesmo estando o licenciamento parado pela anulação da certidão original, pode ocorrer que se uma nova for anexada ao processo administrativo essa Licença Prévia seja emitida em muito pouco tempo depois disso, pois eventualmente pode estar faltando apenas isso para a emissão ou não da licença;
Se for transferido para a FEPAM decidir (tirando dos vereadores) se cabe um plebiscito (ver item 10) ela pode entender eventualmente que esse não se aplica (pois o aterro pretendido pela PROAMB é de resíduos “perigosos” e a Lei Orgânica usa o termo “tóxicos” – embora já tenhamos demonstrado que são, pelas normas ABNT, um a característica do outro);
Da mesma forma, ficando com a FEPAM a decisão do quando fazer o plebiscito (caso ela confirme que cabe sim a realização), ela pode entender que esse seja realizado depois da licença prévia (LP), alegando que o ato administrativo ao qual a lei se refere não é específico e, então, poderia aplicar-se apenas à licença de instalação (LI) ou mesmo a de operação (LO) – usando, eventualmente, para reforçar o argumento, a justificativa que o processo de licenciamento já estava em curso e a empresa ter seu direito cerceado quando a Prefeitura se omitiu ao mencionar esse lá na Certidão Ambiental do prefeito Kadu;
Barrar o aterro depois da Licença Prévia é mais trabalhoso e demandaria possível ação na Justiça;
Não passa nem perto dos planos da PROAMB desistir de Montenegro. Ao menos não simplesmente desistindo de pedir nova Certidão Ambiental, muito menos perdendo o prazo limite para apresentá-la (ver itens 16 e 17) em tempo hábil junto a FEPAM. Dado o correr do tempo e o consequente encurtar do prazo final, o fato da empresa não ter pedido nova Certidão Ambiental até agora (e essa Certidão não demandar nenhum novo estudo ambiental prévio) faz surgir a hipótese de que a “demora” seja eventual estratégia, eventualmente até de desmobilização ou de encurtamento de tempo de reação contrária pela comunidade conforme seu conteúdo;
Reforçam esse entendimento informações que nos chegaram quanto aos altos valores já investidos pela empresa no projeto e de que inclusive a central que pretendem instalar aqui já constar como aparente fato dado em publicação (livro) comemorativa recentemente lançada pela PROAMB;
A referida notícia da Central de Resíduos menciona inclusive sonho de ampliação para resíduos sólidos urbanos;
Mesmo em possível negativa pela população (em plebiscito) para a instalação do aterro de resíduos industriais perigosos, pode ser alegado ainda, pelos interessados no projeto, que essa restrição não se aplica a instalação de um aterro de resíduos sólidos urbanos (com impacto potencial menor) no Pesqueiro – enquanto alternativa então para aproveitamento do investimento já realizado pela empresa no local;
A hipótese do item anterior (24) reforça a necessidade de urgente adequação e aprimoramento na lei municipal, no sentido de suprir lacunas técnico-legais que possam ser exploradas na tentativa de viabilizar o atual projeto de aterro ou eventual alteração de sua tipologia;
Isso reforça o questionamento quanto a existência ou não de um parecer elaborado pela SMMA – na ocasião da tramitação no Executivo com vistas à sanção – da lei aprovada na Câmara em novembro de 2022 que veda os aterros, já que houve informações ao COMDEMA de que ela estava em análise nessa secretaria. Lembrando que após a expiração de prazo a lei não teve nenhuma manifestação do prefeito, fazendo com que ela tivesse sanção tácita pela Câmara;
Na hipótese de eventual instalação do aterro, com possível perda de qualidade ambiental, padrões de sossego e de vida das propriedades lindeiras, e consequente desvalorização imobiliária dessas, uma tendência que poderia se verificar seria a da aquisição paulatina dessas propriedades (dado moradores desolados) pelo empreendimento (após o início de sua operação) ou congêneres, com vistas a eventual futura ampliação e ou instalação de atividades similares no entorno. Isso, caso viesse a ocorrer, ampliaria assim o raio de influência e impactos para vizinhos mais distantes.
Rafael José Altenhofen
Coordenador da União Protetora do Ambiente Natural – UPAN