Não cale a imprensa

“Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”. Essa frase é atribuída ao escritor, ensaísta e filósofo iluminista François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, na França do início do século XVIII. Embora haja controvérsias históricas de que ela foi, de fato, citada pelo pensador, a frase sintetiza o pensamento voltairiano de comprometimento com a liberdade de expressão. Esse era um dos pilares do Iluminismo, movimento cultural desenvolvido na Inglaterra, Holanda e França nos séculos XVII e XVIII, após a Idade Média. Ele tinha como base a razão, a luz do pensamento crítico e maior liberdade econômica e política.
Já nessa época, anos 1600 e 1700, sabia-se da necessidade em defender a liberdade de expressão e trazer à luz as questões sociais. Sabia-se também, que essa liberdade seria acompanhada de um ônus: a discordância e a crítica, sobretudo ao status quo. E, mesmo assim, essa era uma prática defendida. Nesse período, o jornalismo já era praticado na Europa, embora no Brasil a imprensa tenha chegado só em 1808, e atrelada aos interesses do governo (a imprensa livre surge por aqui na mesma época, porém, como ato criminoso de um exilado que imprimia e enviava da Europa os exemplares para serem distribuídos na surdina em nosso País). E, mais de 200 anos após os primeiros movimentos pela liberdade de imprensa no Brasil, ainda há esforços para tentar calar o trabalho dos jornalistas, sobretudo quando vêm atrelados a críticas a quem estiver no poder naquele instante. As tentativas em desmerecer o trabalho da imprensa ocorrem em qualquer governo, como forma de desacreditar o profissional e defender quem está sendo criticado.
O que não pode ser normalizado, no entanto, são ataques contra a democracia, através da hostilização de profissionais do jornalismo e, até mesmo, atitudes violentas como as que usaram contra o professor Felipe Boff, do curso de Jornalismo da Unisinos, no último final de semana. É inadmissível que um professor de jornalismo precise ser escoltado por seguranças em uma formatura universitária, por divulgar os ataques sofridos pela imprensa por apoiadores do governo e pelo próprio presidente que, recentemente, colocou um humorista fantasiado para responder a questões relacionadas ao governo em seu lugar. Atitude desrespeitosa não só com os profissionais que ali trabalhavam, mas também ao próprio povo brasileiro, que merece transparência nas questões ligadas ao governo.
E sim. A imprensa cobra, critica e pressiona. Afinal, se não forem os jornais, quem mais elucidará aquilo que é feito nos poderes municipais, estaduais e nacional? As coisas boas são rapidamente divulgadas pelos políticos. Essas fazem parte da publicidade eleitoral. Mas as dignas de cobrança, cabem aos jornais.
Se queremos uma democracia de fato e não apenas de direito, um dos principais pilares a serem defendidos é o jornalismo livre. Somente com a garantia de liberdade de imprensa é que se pode ter a certeza de que o acesso à informação é real, sem filtros ou censura, como ocorre em governos totalitários (sejam eles de esquerda ou direita). E, se você, caro leitor, pensa que não havia corrupção durante a ditadura brasileira, pasme, mas essa impressão ocorre porque os atos corruptos não podiam ser publicados ou sequer investigados pela imprensa. Trazer à luz os problemas e cobrar posturas dos governantes é o trabalho da imprensa, assim como provocar debates e garantir a circulação de opiniões contrárias.
No caso do que ocorreu na formatura da semana passada, ninguém queria que todos os presentes concordassem com o discurso do professor Felipe Boff. Inclusive, discordar dele é natural. Mas isso não deveria ter quase o impedido de proferir suas palavras – tão importantes para um grupo de jornalistas que entra no mercado de trabalho em um ambiente incerto para esses profissionais. Suas palavras foram duras sim. Porém, elas não foram duras para a platéia, elas eram direcionadas aos novos profissionais e traçavam um panorama do que ocorre em nosso país no último ano. Aliás, peço emprestada parte do discurso de Boff para reproduzir aqui: “quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece.” São, realmente, tempos difíceis para os jornalistas que têm como objetivo informar seu leitor sem se curvar aos desmandos dos poderosos.

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