O vazio refletido no espelho negro

As grandes corporações possuem os dados de todo mundo, seus nomes, documentos e preferências. O que você faz na escuridão e na solidão do seu lar é observado e computado nos infinitos servidores dessas empresas. A liberdade de expressão é uma ilusão; ela é controlada através do medo da repreensão e dos ataques de milícias sob controle de alguns figurões e de um estado inchado e corrupto, que é dominado pelas grandes corporações que, a ele, pagam enormes quantias de dinheiro para que seu poder se perpetue e seus tentáculos alcancem cada vez mais longe, sem medo da justiça, esta cega, surda e muda para eles.

A polícia, que antes mantinha a ordem, hoje divide a população que, hora a teme, hora a adora. Desgastada por um trabalho cansativo de luta diária para manter suas fileiras limpas de corrupção. Um trabalho hercúleo que às vezes, devido ao grande número de material que circula pelos becos escuros das cidades, mostrando a violência e o abuso de poder de alguns membros dessa corporação, parece ir perdendo dia a dia sua força. Mas a esperança é a última que morre. A última… mas morre.

Os olhos atentos e os dedos ávidos da população que não leva um segundo para julgar e linchar seus iguais, entregando-os às mega corporações e delatando até mesmo o mais próximo familiar por sua ideologia, parece crescer diariamente. O mundo foi tomado pelo medo de se expressar. Conversas acontecem em segredo dentro de casa, em becos escuros, temendo que seu teor possa despertar o ódio dos cidadãos que, prontos para jogar seus iguais aos leões, ficam à espreita, como cães do estado. O mundo é medo e desordem. Esse é o mundo de 2146!

O texto acima é uma sinopse de um livro de ficção distópica que se passa num futuro próximo. Distopias cyberpunk geralmente trazem conteúdos e conceitos que expressam esse medo das grandes corporações dominando os estados, e até mesmo tendo sua própria polícia ou milícia. Um medo de perder sua liberdade de expressão e de estar sendo constantemente vigiado por quem detém o poder.

Nos futuros Cyberpunks, geralmente o herói é, de fato, um criminoso, pois ele anda na margem desse controle, lutando contra esse sistema abusivo e autoritário, não para salvar as pessoas, mas para sobreviver a ele, mantendo de uma forma ou outra a sua liberdade de expressão. E, se pensar no que define o Cyberpunk, que é “Alta Tecnologia e Baixa Qualidade de Vida”, é de esperar que minorias sejam cada vez mais afetadas por esse controle e opressão por parte de quem detém muito poder, poder suficiente para se manter acima da justiça.

Histórias distópicas Cyberpunk são, mais do que entretenimento, avisos. São pequenos vislumbres de um futuro que está cada vez mais próximo e que nós teremos que enfrentar em algum momento. Futuro esse que quando chegar, vai dividir mais e mais os que possuem algum recurso, daqueles que terão que lutar por esse recurso para sobreviver. Cyberpunk é um ótimo entretenimento, mas um horrível cenário para se viver se você não é rico.

E o que podemos fazer para evitar isso tudo? Nada. O futuro distópico já está aí. Pois, como dizem alguns amigos: “o futuro é agora”. E nós já estamos num mundo distópico. Porém, estamos tão bem inseridos nele que não nos damos conta. E, dia após dia, vamos perdendo nossa humanidade, enquanto nossos olhos ficam vidrados nos espelhos negros das telas de nossos celulares.

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