Era tarde da noite. O brilho do fogo na lareira tremulava no reflexo do copo de whisky sobre a mesinha de centro. Em uma das poltronas, atirado, um homem de meia idade deixava queimar seu charuto tímido, cujas cinzas caíam em sua camiseta branca amarrotada. Ao seu lado, aquela antiga banquetinha de madeira, que tanto usara para pegar os potes na prateleira alta, hoje aguardava seu último pisar. E, em cima dela, sem balançar nenhum centímetro, uma corda esperava sortunamente, presa à viga de madeira daquela velha casa.
Chovia muito, mas mesmo com o som pesado sobre o telhado, o homem pareceu ouvir um suave bater na porta. “Maldição! Quem pode ser a essa hora? Logo hoje?”, ele pensou. Levantou-se e foi arrastando os passos até a entrada. “Quem é?”, perguntou, mas o silêncio foi a única resposta. Então, vagarosamente, ele girou a chave e abriu a porta, que rangia as dobradiças como se fosse um antigo portão de ferro. “Pois não?”, ele disse, quase engasgando quando, com o brilho de um relâmpago que correu os céus, ele pode ver no clarão o rosto de uma jovem mulher que se escondia sob um guarda-chuva preto.
Sem falar nada, a mulher forçou sua entrada pela porta, deixando o homem, ainda em choque, observando a cena, enquanto ela fechava seu guarda-chuva e se sentava na outra poltrona, em frente à lareira. “Quanta chuva!” ela disse, com uma voz suave e aveludada. O homem, sem saber o que acontecia, questionou quem era a moça e por que ela estava na rua, na chuva, àquela hora da noite. Mas ela sorriu e apenas respondeu: “Ora, já estive aqui”. Ele, sem entender nada, sentou-se na poltrona onde antes estava e a olhou com calma. Não a conhecia, nunca a vira. Não era filha do vizinho, que morava alguns quilômetros dali e também não parecia ser nenhuma parente de que se lembrasse. “Você nunca veio aqui, mocinha”, ele disse.
A jovem, ajeitando-se na poltrona, pegou o copo de whisky e tomou um gole, olhou para a corda, sorriu e disse: “Onde eu ando não tem ar, é escuro, é frio, e tem sempre gente chorando, pedindo ajuda. E sempre que alguém aqui prepara a porta para entrar nesse lugar, eu posso, por um momento, subir e respirar. Não é sempre, mas que bom que você vai junto comigo hoje”, encerrou sorrindo. O homem olhou a corda, e a olhou novamente. Seu coração disparou; começou a suar frio. “Vou junto?”, ele gaguejou. “Claro”, ela sorriu novamente, “É bom ter companhia. Para onde vamos a tristeza, a solidão e o medo penetram a gente tão profundamente que esquecemos como é ter alguém com quem conversar. E lá não há como se redimir, como aqui. Lá é o caminho perdido, do eterno círculo de dor e de amargura, para onde não há salvação. Por isso fico feliz de levar você de companhia”.
O homem se levantou rapidamente. “Eu… não quero”, gaguejou de novo. “Não é mais uma escolha. Já está feito e eu já vim buscá-lo”, ela sorriu. “Não! Não!”, o homem se desesperou e, de súbito, acordou na sua poltrona, com a brasa do charuto que havia caído sobre seu peito. Aliviado, suspirou, apenas para tremer ao ver as pegadas molhadas em frente à outra poltrona.