Bandido bom é bandido morto

Essa frase é batida por muitas pessoas desde que me conheço por gente. E é natural que sintamos essa indignação quando vemos um crime e nos sentimos impossibilitados de reagir, de fazer alguma coisa. Quando nos sentimos impotentes. Esse sentimento de liberdade tomada, de impedimento.

Tudo bem, bandido bom então é bandido morto. Mas, quem define quem é ou não é bandido? Todo bandido deve morrer? O que é um bandido? É quem rouba uma galinha? É quem financia um triplex com dinheiro público? É quem dá pedalada fiscal?É quem nega o perigo de uma pandemia, onde tantos morrem? É quem faz rachadinha com salário de servidor fantasma? Ou então quem assalta a mão armada? Todos são bandidos? Ou só alguns? Todos devem morrer, ou só alguns?

Na prática, para quem repete essa frase como papagaio de pirata, ela se refere ao bandido pobre, comum, chinelão, que anda por aí, como você e eu. Esse é o bandido matável; porque tendemos a dissociar o bandido do carinha engravatado. O cara sorridente, de terno e gravata, que aperta sua mão direita e segura seu cotovelo com a esquerda, pode levar sua carteira em seguida, que continua sendo o cara sorridente, classe A. Afinal ele é uma pessoa importante de “chapéu engraçado”.

Muitos que estão lendo esse texto, com certeza estão pensando “não, mesmo esse engravatado é bandido, e bandido bom é bandido morto”. Tudo bem, dizer isso é fácil. Entretanto existe uma frase da Aneela, que vocês não conhecem, que diz “palavras são lindas, mas a ação é perpétua”. Em trocadilhos ela quer dizer que “falar é fácil”. É tão fácil que, mesmo pensando que bandido bom é bandido morto, essas mesmas pessoas mantêm bandidos no poder e até cultuam-nos como heróis ou messias salvadores.

Sempre que uma vida é perdida, um pedaço da nossa humanidade se vai com ela. Não importa se essa pessoa que morreu era boa ou ruim. Se for necessário tirar uma vida humana, algo está errado e, sendo assim, não há como consertar cometendo o mesmo erro. Isto é, não se corrige uma morte com outra morte. E, sim, eu entendo que pode ser necessário, para se defender, tirar uma vida. Entretanto, necessário não é sinônimo de correto, nunca foi. Continua sendo errado. A correção não vai acontecer matando o bandido, isso é só um péssimo paliativo para a sociedade. E, não, não me refiro a prender ele ao invés de matar. Isso também é um paliativo. Caso você, que defende isso, não tenha entendido, o buraco é bem mais embaixo.

O bandido deve desaparecer e, para isso, é necessário parar de nascer bandidos. E como isso acontece? Ora, sabemos muito bem como isso acontece: educação sucateada, abandono do estado em periferias e locais mais pobres, falta de oportunidade, discriminação e racismo estruturalizados. É fácil dizer bandido bom é bandido morto, difícil é ter uma pauta e um estudo que viabilize condições iguais para todos. O cidadão de bem quer se armar, para se proteger, mas não quer levar igualdade, para não precisar se proteger. Existem tantas bolhas, tantos universos particulares dentro da sociedade que uns não conhecem os outros (mas julgam como se conhecem). E, enquanto uns não possuem oportunidades de ter uma vida mais digna, outros acham acreditam no conto de fadas da meritocracia.

Abra os olhos. Fure a bolha. Não é fácil, mas é possível. Cresça, evolua, seja mais humano.

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