Já era noite, e quanto mais Felipe corria, mais os fortes pingos de chuva batiam em seu rosto, obrigando-o a fechar os olhos. Precisava se apressar para não perder o último ônibus para casa. “Droga de chuva!” ele resmungava, pisoteando velozmente as poças d’água que se multiplicavam à sua frente, iluminadas apenas pela fraca luz dos postes nelas refletidas. E, mesmo com aquele brilho, uma escuridão densa se erguia pelos cantos das paredes frias dos prédios velhos e dos becos que serpenteavam aquela antiga cidade.
De braços à frente do rosto, para se proteger da torrente que descia dos céus, Felipe mal teve tempo de desviar dos outros passos rápidos que vinham ao seu encontro. E, com o choque, ambos rolaram pelo chão ensopado. “Perdão!” gritou Felipe o mais rápido que pode. Encarando-o, de olhos sinistramente arregalados, um senhor de meia idade, de rosto desesperado, fazia toda a força que podia para se por de pé velozmente e seguir seu caminho. “Velho maluco” resmungou Felipe, frustrado com a atitude daquele homem apressado.
Já de pé, por entre o brilho refletido da luz na poça, ele percebeu que o homem havia deixado cair um envelope pequeno, certamente de carta. Porém, ao pegá-lo, percebeu que ele estava manchado, não apenas pelos borrões que a água havia feito na tinta da caneta, mas por algo vermelho que parecia sangue. E, compenetrado naquele sangue, Felipe ouviu os gritos de dois homens dizendo “Acho que foi por ali, atrás dele!”. Então, assustado com aquela situação confusa, ele se escondeu em um dos becos, deixando os homens passarem, seguindo na direção para onde o velho havia ido. E, sem saber o que fazer, entre a escuridão do beco e um feixe de luz que cintilava do poste, tomado pela curiosidade, ele leu o conteúdo daquele envelope. Era uma breve carta, que dizia:
“Caro irmão C.F.S, é verdade o que dizem. Nessa cidade há uma sociedade que se reúne às escondidas. Eles não são como os Rosacruzes, nem como os Maçons, mas em sua aura parece ter algo dos dois; todavia estão sob a égide de uma ordem centenas de anos mais antiga. O ramo que está nessa cidade dá a si mesmo o nome de ‘Loja 77’, e são daqueles que possuem os tão bem guardados segredos alquímicos, da transmutação e da vida eterna. Descobri onde estes se reúnem e, agora, corro perigo, pois outros me perseguem. Envio-lhe essa carta para que encontre a ‘Loja 77’ e logre ser iniciado nos seus segredos. Assim, talvez, estejamos a salvo. Do seu irmão, P.V.D”. O texto continuava, descrevendo o endereço da secreta “Loja 77”.
“Ali! Aquele moleque está com a carta!” Felipe ouviu os homens que retornavam e, desesperado, pôs-se a correr pelo beco. Agora, ainda que não fosse o tal destinatário C.F.S, Felipe entendia que daquele momento em diante, ele mesmo corria perigo e que aquele sangue, que era de outro homem, poderia dar lugar ao seu a qualquer momento. Assim, mesmo sem saber no que havia se metido, ele sabia que havia estado no lugar errado, na hora errada e, agora, precisava correr para salvar sua vida. Será que aqueles homens, da tal “Loja 77”, como dizia a carta, poderiam ajudá-lo? (Continua…)