A Loja 77 – Final

Havia chegado o dia. Felipe, de manto negro, parado dentro do templo da Loja 77, esperava que iniciassem o ritual, onde finalmente conheceria todos os segredos daquelas pessoas e tomaria sua decisão de entregá-los ou, quem sabe, unir-se a eles definitivamente. Não era pouca a vontade que tinha, vindo de uma vida difícil, de ter todos seus sonhos realizados. Ele mesmo não faria nada que não quisesse. A menos que…

Iniciado o ritual sinistro naquele templo escuro, iluminado apenas com poucas velas em alguns candelabros, muitas palavras foram proferidas, repletas de conjurações, juramentos e obrigações. Em determinado momento, Felipe pode jurar que, por entre a fumaça do incenso que inundava o local, uma figura medonha, quase etérea, parecia circular entre eles, como se os observasse. E, no ápice daquela cerimônia, uma porta se abriu e um dos chefes entrou, trazendo um jovem vendado, de mãos amarradas pelas costas.

“O que é isso?”, perguntou Felipe, assustado, pensando no que poderiam exigir dele. “Você já tem o segredo mais profundo da vida; mas isso é o que lhe separa de uma vida de riquezas, poder e sucesso”, disse o homem que trazia o jovem. E seguiram a cerimônia deitando-o em um altar. Felipe, temeroso, prosseguiu com os dizeres e os movimentos dentro do templo, até que lhe levaram ao altar e deram a ele um athame de bronze que, pelo brilho do fio, havia sido preparado há pouco tempo.
Felipe, de mãos erguidas sobre o jovem, tremia e o suor escorria gelado pela sua face e sua respiração, curta, fazia com que sua visão se escurecesse, pouco a pouco. Assim, fechou os olhos. Não queria pensar, não queria sentir culpa; e logo, no silêncio, sentiu o vento soprar suavemente em seu rosto, e pode se ver na cobertura de seu apartamento, no centro da cidade, observando seu carro esportivo de luxo estacionado em frente ao prédio. Ao seu lado, uma modelo conhecida se aproximava segurando duas taças de champagne.

“Haec initiatio consummata est!”, Felipe ouviu a voz de um dos chefes da Loja 77.
Longe daquela cobertura, um singelo senhorzinho observava, escorado no poste da rua, a festa extravagante que se dava no topo do prédio. Ele sabia que era o apartamento de Felipe e sabia o motivo dele ter tido tão súbito sucesso. “Mas a que preço?”, ele murmurava. Pois sabia que o ser humano, movido por suas mais anímicas paixões, sem o freio da consciência, dominado pelo próprio ego e pelos desejos, era capaz de tomar as decisões mais sombrias, mesmo que elas lhe assombrassem por toda a vida.

Pois era capaz de mentir, não para os outros, mas sobretudo, para si mesmo, congelando temporariamente o remorso e o vazio. Mas aquele senhorzinho sabia também que o momento de encarar as escolhas chegava para todos e, o que separava a vida bem vivida, da vida jogada fora, era a visão no espelho da consciência, dos atos consumados por toda a vida. E o momento de Felipe desligar o congelador chegaria, cedo ou tarde. “A que preço…”, o senhorzinho disse, colocando seu chapéu, e partindo.

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