Não é mais tão comum ouvir falar que alguma criança está com paralisia infantil ou, aqui no Rio Grande do Sul, que ela tem sarampo. É aí que começa o descuido. O infectologista Paulo Ernesto Gewehr Filho, coordenador do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento, explica esse fenômeno com “as vacinas sofrem do sucesso da sua eficiência” e diz que isso se trata de um ciclo, de três fases, já observado em outros países.
“São três fases que se iniciam com local carente, com muita incidência de doença. Daí, ao longo do tempo, o país se organiza para erradicar a doença através de um programa de vacinação. Os índices melhoram, a mortalidade infantil cai. E a população, sem mais temer aquela doença passa a descuidar da imunização. E as doenças retornam. É o caso do sarampo”, diz Paulo Ernesto, destacando que, na Europa, nos últimos anos, ocorreram diversos surtos de sarampo.
Essa “perda do medo”, também é observada por Nicole Ternes, responsável pelo setor de vacinação em Montenegro. “Como muitos pais não tiveram contato com essas doenças, não vivenciaram a época em que a mortalidade por elas era alta, acabam acreditando que é desnecessária a imunização. Os pais acabam relaxando um pouco e é aí que mora o perigo. Essas doenças são sérias, deixam sequelas e podem levar à morte”, Alerta Nicole.
E quando pais e mães deixam de vacinar os filhos, aumentam o risco para toda a sociedade, já que doenças que estavam sendo consideradas erradicadas podem voltar a surgir. Existe uma proteção chamada “imunidade de rebanho” ou “imunidade coletiva”, onde há boa cobertura vacinal de uma comunidade, de modo que se interrompa a cadeia de infecção. “Em áreas de baixa cobertura, quando uma parte da população deixa de ser vacinada, criam-se grupos de pessoas suscetíveis, que possibilitam a circulação de agentes infecciosos. Quando eles trafegam e se multiplicam por aí, não afetam apenas aqueles que escolheram deixar de se vacinar, mas também aqueles que não podem ser imunizados, seja porque ainda não têm idade suficiente para entrar no calendário nacional, seja porque sofrem de algum comprometimento imunológico”, detalha Nicole Ternes. Com boa cobertura vacinal, o agente infeccioso tem maior dificuldade de se alastrar, protegendo inclusive estes indivíduos que não foram vacinados.
Campanha contra poliomielite e sarampo
Haverá, de 6 a 31 de agosto, Campanha Nacional de Vacinação contra a poliomielite e sarampo. Dia 18 será realizado o Dia D. Segundo divulgação da Secretaria Municipal de Saúde, o público-alvo são as crianças com idade entre 12 meses a menores de 5 anos de idade, de forma indiscriminada, isto é, independente do histórico vacinal. A meta a ser alcançada é de 95% das crianças nesta faixa etária. É dever dos pais e direito da criança o recebimento da proteção contra as doenças através da vacinação.
As demais faixas etárias não são público da campanha, mas devem manter sua caderneta de vacinação em dia, de acordo com o esquema preconizado pelo Ministério da Saúde. Até 29 anos são necessárias duas doses na vida. De 30 a 49 anos apenas uma dose. Em caso de dúvidas, compareça a unidade de saúde de sua referência para avaliação da caderneta e verificação da necessidade da vacina. É indispensável levar a caderneta de vacinação da criança.
Ainda há desabastecimento de vacina BCG e pentavalente?
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Montenegro, não. A vacina BCG apresentou problemas de fabricação no laboratório brasileiro em 2017, sendo necessária a importação deste imunobiológico. “O país esteve desabastecido por um período, porém, já estamos recebendo a vacina. Para evitar que a mesma volte a faltar, o município optou por agendamentos dos bebês”, diz Nicole Ternes. Ocorre que o frasco da vacina vem com 10 doses e a validade é de apenas 6 horas após a abertura. Muitas vezes, se abriu um frasco para vacinar apenas uma criança, sendo desperdiçadas as demais doses.
Já a vacina pentavalente também ficou desabastecida por um período, mas foi normalizado, garante a responsável pelo setor de vacinação em Montenegro. Porém, no momento, há dificuldade com a vacina meningocócica tipo C, aplicada aos três e cinco meses, com reforço aos 12 meses de vida. “Estamos recebendo um quantitativo reduzido deste imunobiológico, cerca de 1/3 do que é recebido normalmente. O município mantém contato frequente com a Rede de Frio e, assim que esta recebe a vacina, nos é comunicado e agendamos a retirada de mais doses, encaminhadas então para as salas de vacina para ofertar à população”, diz Nicole.
Carteirinha preenchida, tranquilidade certa
Saber que Henrique, de 2 anos e meio, está saudável e imunizado contra doenças graves traz tranquilidade à sua mãe, Priscila Rodrigues, 25 anos. Ela mostra a carteirinha de vacinação dele, muito bem cuidada, guardada numa capa personalizada. Perder não é opção, já que ali estão informações importantes à saúde do filho. Para ela, é difícil entender a razão de pais não imunizarem os filhos, considerando que é algo gratuito e de tanta importância. “Demorou tanto para conseguirmos erradicar as doenças, para agora se colocar em risco. Depois a gente vai sentir o resultado disso. Prevenir é muito melhor”, diz ela. Henrique Rodrigues da Motta já deixou o hospital da Unimed, onde nasceu, com a primeira imunização. E depois recebeu todas as demais, conforme o calendário vacinal mandava.
Priscila utiliza a sala de vacinas localizada na Secretaria Municipal de Saúde, no bairro Timbaúva, e diz que jamais chegou lá e teve de voltar para casa sem imunizar o filho por falta do produto. “Quando ele precisou, nunca estava em falta. E, se estivesse, nós teríamos procurado a rede privada e pago porque é importante, é a saúde dele”, defende Priscila. Claro que o coração da mãe sofre um pouquinho quando tem de levar o filho na sala de vacinas, virão lágrimas, ela sabe, mas são necessárias. “O início é o mais difícil, quando tem várias vacinas, depois vai espaçando”, conta ela.
Como Henrique ainda não frequenta nenhuma escola de educação infantil e tem pouca convivência com pessoas estranhas, está menos vulnerável a ficar doente. Por isso, com orientação médica, a família optou por não buscar pela vacina contra a febre amarela, que não é obrigatória, mas está disponível e é indicada para quem mora em algumas áreas. “Como não pretendíamos viajar para nenhuma daquelas áreas de risco e ele não frequenta creche ainda, a médica não indicou”, relata a mãe. Com tantos cuidados, Henrique esbanja saúde.
A carteira de vacinação mudou muito ao longo dos anos e hoje traz informações variadas aos pais. Ali ficam registradas todas as vacinas que a criança realizar. O bebê, ao nascer, recebe uma dose de vacina contra Hepatite B no próprio hospital, sendo já registrada na caderneta de vacinação. Ao sair da casa de saúde, esta caderneta é fornecida e é um documento comprobatório das doses recebidas, devendo ser guardado como tal. Em toda visita à sala de vacina, deve ser levada a caderneta para registro da aplicação e agendamento da próxima visita. As vacinas aplicadas no município, conforme detalha Nicole Ternes, são registradas no sistema, o que acaba gerando um espelho virtual da caderneta. Atualmente, por isso, em caso de perda, é possível puxar no sistema um espelho da carteira. Mesmo assim muito cuidado com esse documento. Se não há certeza da imunização e não tem como confirmar, deve ser feita vacina novamente. Receber doses a mais não causa nenhum risco.
A única vacina que chega aos municípios apenas para campanha é a da Influenza – popularmente chamada vacina da gripe – por ser uma imunização sazonal. As demais são ofertadas nas campanhas e, também, estão disponíveis nas salas de vacina. Nos últimos anos, o Ministério da Saúde tem promovido a campanha de multivacinação, detalha Nicole Ternes. “Nesta campanha é feito o chamamento para as salas de vacina para atualização de cadernetas, sendo aplicadas as vacinas em atraso ou em período correspondente de aplicação”, diz.
Crescem os grupos “antivacina” e crianças são principais prejudicadas
Outro componente que tem favorecido a baixa cobertura vacinal é o crescimento mundial dos chamados grupos “antivacina”. Pessoas que pelas mais diversas razões e sem fundamento científico, optam por não imunizar os filhos, deixando-os vulneráveis a graves doenças. O coordenador do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento Paulo Ernesto Gewehr Filho volta na história para explicar esse triste fenômeno social.
“Os grupos ‘antivacina’ existem desde que surgiram as vacinas, em 1796. As imunizações sempre enfrentaram resistência. Religiosa, no início. Por questões sociais se voltarmos à ‘Revolta da Vacina’, quando as pessoas se negavam a ser protegidas de doenças. Isso diminuiu porque se compreendeu o benefício que as vacinas trazem”, explica o médico. “Porém, eles ressurgem. Sabemos por exemplo, que a poliomielite, que causa paralisia infantil, está praticamente erradicada no mundo, mas ainda existe em três países – Nigéria, Paquistão e Afeganistão – muito pela questão religiosa, que leva pais a não protegerem seus filhos”, complementa o médico infectologista.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul já alertou os pais sobre a obrigação legal de vacinar os filhos e para as consequências do descumprimento dessa obrigação. Em um vídeo, divulgado através das Redes Sociais, a promotora Inglacir Delavedova destacou a importância desse ato de responsabilidade. “A vacinação é tremendamente importante, não só pela questão da saúde individual da criança, mas também a saúde coletiva das outras crianças com quem esta criança não vacinada pode conviver”, explica Inglacir Delavedova. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é obrigatória a vacinação nos casos recomendados. Se houver descumprimento, os pais podem pagar multa e até perder a guarda dos filhos.
Não há qualquer evidência científica que justifique esses movimentos em qualquer parte do mundo. E, atualmente, com a grande entrada de imigrantes que chegam à Europa fugindo de guerras civis, ou, no caso do nosso país, cidadãos da Venezuela que buscam entrar no Brasil devido às dificuldades sociais e financeiras da sua nação, é ainda mais importante garantir a imunização da população aos vírus que possivelmente chegarão. Vale lembrar que pelo menos um dos casos de sarampo registrados no RS, surgiu após a criança viajar à Europa com a família e lá se contaminar.
Conheça o calendário obrigatório de vacinação
O calendário nacional de vacinação é composto por 17 vacinas, cada uma com seu esquema de idade, intervalos e doses diferenciado.
BCG – deve ser feita o mais precoce possível, em recém- nascidos com peso acima de 2 kg. Protege contra as formas graves de tuberculose.
Pneumocócica 10V – Feita em esquema de 2 doses, aos 2 e 4 meses de vida. Reforço aos 12 meses, mas podendo ser aplicado até 5 anos incompletos. Protege contra 70% das doenças graves causadas por 10 tipos de pneumococos (pneumonia, meningite, otite, etc).
Rotavírus – Feita em esquema de 2 doses, aos 2 e 4 meses. O bebê pode receber a primeira dose somente até completar 3 meses e 15 dias. Se ao atraso for maior, o bebê acaba perdendo essa vacina.
Polio inativada (VIP) – Vacina contra Poliomielite, injetável. Feita em esquema de 3 doses, aos 2, 4 e 6 meses de vida.
Pentavalente – Feita em 3 doses, aos 2, 4 e 6 meses de vida. Protege de difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e doenças causadas pela bactéria Haemophilusinfluenzae tipo B (Hib).
Meningocócica tipo C – Feita em 2 doses, aos 3 e 5 meses de vida. Reforço aos 12 meses, podendo ser aplicado até os 5 anos incompletos. Protege contra a meningite e doença meningocócica, que pode causar surdez, epilepsia e até a morte.
Febre amarela – Feita em dose única, aos 9 meses de vida. Protege contra a doença febre amarela. Pode ser aplicada até 60 anos incompletos. A partir desta idade, necessário liberação médica para aplicação.
Tríplice viral – Protege contra sarampo, caxumba e rubéola. Dose inicial aos 12 meses de vida. Se o esquema for feito entre 12 meses e 5 anos incompletos: 2 doses, sendo a primeira com a tríplice viral e a segunda dose coma tetra viral, agregando a varicela no composto. Se o esquema fora feito após 5 anos até 29 anos: fazer com 2 doses de tríplice viral. Se o esquema for feito entre 29 e 49 anos: 1 dose de tríplice viral.
Tetra viral – Protege contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela. Utilizada como complemento de esquema da tríplice viral, podendo ser aplicada somente se a criança já tiver recebido uma dose de tríplice viral. Aplicada de 15 meses a menores de 5 anos.
DTP – Protege contra difteria, tétano e coqueluche. Utilizada como reforço aos 15 meses e 4 anos. Idade máxima para o reforço 7 anos incompletos.
Hepatite A – Dose única, aos 15 meses de vida, podendo ser aplicada até 5 anos incompletos. Protege contra a hepatite A.
Polio Oral (VOP) – Protege contra a poliomielite. Aplicada como reforço aos 15 meses e aos 4 anos. Vacina conhecida pelas “gotinhas”.
Varicela – integrada ao calendário vacinal em 2018, em dose única, para crianças de 4 anos a 7 anos incompletos.
HPV- Protege contra a infecção pelo papilomavírus, agente causador de diversos tipos de câncer de útero, pênis, garganta, entre outros. Feita em 2 doses, com 6 meses de intervalo entre elas. Meninos: de 11 a 15 anos incompletos. Meninas: de 9 a 15 anos incompletos. Caso o intervalo entre uma dose e outra ultrapasse os 6 meses, não há prejuízo para o adolescente. O esquema deve ser completo para que haja imunização.
Dupla Adulto (dT) – Protege contra difteria e tétano. Esquema de 3 doses e reforços a cada 10 anos ou em caso de exposição em acidentes graves com último reforço feito há mais de 5 anos.
dTpa – Protege contra difteria, tétano e coqueluche, indicada para gestantes a partir de 20 semanas de gestação. Importante ressaltar que os anticorpos dessas doenças serão transmitidos ao feto. Deve ser feita em todas as gestações.
Hepatite B – Recém-nascidos recebem a primeira dose imediatamente após o nascimento, ainda no hospital. Demais doses encontram-se na vacina pentavalente para as crianças ou separadamente para as demais faixas etárias. Esquema único de 3 doses, com intervalos 0, 1 mês e 6 meses.