“Vice” – o verdadeiro poder está nas sombras

Você já reparou que, de vez em quando, praticamente todos os países elegem um idiota para governá-los? Ainda que do outro lado haja um figura dinâmica, esclarecida, objetiva e carismática, a população acaba escolhendo justamente o oposto. Não vamos perder tempo garimpando as causas deste fenômeno, mas devemos reconhecer que ele existe e nem a mais poderosa nação do planeta está vacinada contra ele. Foi essa força desconhecida que levou George Walker Bush à Casa Branca, em 20 de janeiro de 2001. Nesse texto, porém, ele é coadjuvante. Vamos falar do seu vice, o adiposo Dick Cheney, personagem principal do filme “Vice”, que estreou no Brasil semana passada.

Na história de Adam McKay, Cheney (interpretado pelo talentoso Christian Bale) é mostrado na juventude como um operário bêbado e valentão, daqueles que terminam o dia no bar, resolvendo as diferenças no braço e, não raro, encerram a noite numa poça de vômito. Até que sua mulher ameaça abandoná-lo e, por amor, ele decide mudar de vida. O filme salta alguns anos e Cheney reaparece na formatura de um curso para assessores no Congresso americano, onde se aproxima do deputado Donald Rumsfeld, do Partido Republicano.

Com a renúncia do ex-presidente Richard Nixon, em 1974, os poucos republicanos que não estavam associados ao governo ganham imediata importância e, com isso, tanto Cheney quanto Rumsfeld retornam à esfera de poder do partido. Contudo, nosso personagem chega ao centro das decisões no governo de George Bush, o pai, de 1989 a 1993, quando é nomeado secretário de Defesa. Nesta condição, construiu os acordos que permitiram aos Estados Unidos libertar o Kuwait, no Oriente Médio, da invasão iraquiana.

Embora a campanha no Golfo Pérsico tenha sido bem sucedida, Bush (o pai) e o próprio Cheney foram considerados fracos pelos eleitores, por não terem derrubado o regime de Saddam Hussein. Esse “deslize” custou a reeleição do presidente e devolveu a Casa Branca aos Democratas de Bill Clinton e Al Gore. Cheney saiu de cena e foi para a iniciativa privada, onde dirigiu uma empresa petrolífera.

Voltando ao idiota, em 1999, com a aproximação do fim do segundo mandato de Bill Clinton, os republicanos andavam às voltas com a escolha de um candidato para enfrentar o vice, Al Gore, nas urnas no ano seguinte. O nome do governador do Texas, George W. Bush (o filho), era uma das opções e ele andava em busca de um vice. Cheney, por seu conhecimento profundo das estruturas do poder, é convocado para a missão, que acaba aceitando diante da promessa de que terá “plenos poderes”.

No filme, o Junior dos Bush é retratado como um sujeito limitado, manipulável e sem brilho. Mesmo assim, graças ao fenômeno aquele, ele ganha as eleições. O vice age rapidamente e cerca o presidente de pessoas de sua absoluta confiança para ter acesso a tudo que ele pensa e faz. Até mesmo as informações confidenciais destinadas ao salão oval são interceptadas. O ritmo do governo, porém, é lento e as pautas enfadonhas, até que, em 11 de setembro de 2001, os atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono mudam tudo.

Christian Bale interpreta o ex-vice-presidente americano Dick Cheney, o manda-chuva do governo de George Walker Bush

De acordo com o filme, é de Dick Cheney – e não do presidente – a decisão de invadir o Afeganistão e, depois, o Iraque. Uma das cenas mais emblemáticas retrata uma reunião do gabinete em que o secretário de Estado, Collin Powell, reluta em atacar porque considera frágil o argumento de que o regime de Saddam produz armas de destruição em massa. Sem saber o que fazer, Bush ouve uma provocação do vice, que pergunta se ele deixará o líder iraquiano escapar novamente, numa referência ao que acontecera no governo de seu pai. O titubeante presidente então ordena o início da guerra.

“Vice” não se limita a jogar luz sobre um personagem furtivo, que detém o poder, mas o exerce nas sombras. Também não é a história de uma eminência parda, como tantas outras que existem no mundo todo, inclusive por aqui. Tampouco se dispõe a analisar a personalidade de um presidente sem preparo e deslocado na posição que ocupa. Se sobram dúvidas, pelo menos uma conclusão salta aos olhos e provoca inquietação: a do quanto somos reféns dos humores – e dos rancores – daqueles que escolhemos para nos governar.

A pessoa por trás do personagem
Richard Bruce Cheney nasceu em Lincoln (Nebraska), em 30 de janeiro de 1941). Casado com Lynne Cheney e pai de duas filhas, foi o 46º vice-presidente dos Estados Unidos durante o governo Bush (o filho), de janeiro de 2001 a janeiro de 2009.

Antes disso, Cheney foi chefe de Gabinete da Casa Branca na década de 1970, membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos pelo Wyoming, entre 1979 e 1989, e secretário da Defesa, entre 1989 e 1993.

Como vice, foi figura-chave no endurecimento da política externa americana e é considerado um dos arquitetos da guerra do Iraque – mais especificamente na elaboração dos argumentos sobre uma conexão entre o regime de Saddam Hussein e a Al-Qaeda, assim como a existência de armas de destruição em massa no Iraque, tese que nunca foi provada.

Em busca do Oscar
O filme “Vice” recebeu oito indicações ao Oscar:
Melhor Filme
Melhor Direção
Melhor Ator
Melhor Ator Coadjuvante
Melhor Atriz Coadjuvante
Melhor Roteiro Original
Melhor Maquiagem
Melhor Edição

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