O simples gesto de abrir a caixa exalou recordações. Sakura? Não seria possível; as cerejeiras japonesas possuem um aroma muito sutil diante do súbito. Um cheiro remoto, outro hemisfério, a sua juventude. Essência de outros dias, dezenove anos, o futuro e o mundo inteiro por viver. Tanto tempo depois, lembranças resumidas a uma caixa esquecida no fundo do armário. Procurando documentos, reencontrou antes seus antigos tesouros.
Deitou a caixa sobre a cama, na ânsia de ser aberta após o banho; um convite ao momento íntimo e sereno, como se todo aquele passado ali dentro agora fosse. Fotografias, bilhetes, souvenirs e um quimono. Na verdade, o seu preferido, pois foram tantos. Talvez um para cada ano, ou um a cada cidade: Quioto, Matsue, Hiroshima, Matsumoto. Tóquio, a síntese. Tóquio, a urbe, e seus 38 milhões de habitantes, milhares de desconhecidos, de histórias e roupas diferentes. E, assim como aquela vestimenta ainda se mantém viva no cotidiano dos japoneses há mais de dois mil anos, ela guarda suas memórias numa velha caixa. Quimono e outras joias.
Imagens de templos; da espada do samurai sobre a cama, papelotes e prospectos. Um ticket amarelado de Não Lamento Minha Juventude, do Kurosawa. Flashes de uma vida que ficou lá atrás.
Estendeu o dragão desenhado na seda, vibrando em tons de vermelho e laranja, sobre a cadeira e, desfeita da toalha de banho, deixou que ele resvalasse sobre a pele arrepiada. Flor envelhecida dentro do livro; pétala, antes macia e rosada. Tudo perece? Pareceu que sim, quando, num movimento em falso, derrubou o Buda e sua pequena tigela d’água, que ela tinha preguiça de trocar todo o dia. Concluiu que vidro era apenas vidro e sonhos também poderiam se quebrar.
Green hair, purple hair, shaved head, all and all. Seus cabelos estavam mais longos; usou um hashi para prendê-los. Quem diria que não?, teimou em ajeitar as mechas teimosas que caíam sobre o rosto. Olhou no espelho e sorriu melancolia.
Estava feliz e satisfeita ao relembrar aqueles dias; ainda que eles coubessem todos dentro de uma caixa. Havia uma cerejeira sob a janela do seu quarto. Uma que outra flor insistindo em brotar. Mas ainda era inverno; era frio. Era Porto Alegre. Quimonos já não esquentavam mais…
Cerejeiras em flor, porém, sempre anunciam uma nova estação.