O corte desenfreado da Floresta Amazônica pode parecer um problema distante para boa parte dos gaúchos, mas essa situação reflete no nosso dia a dia. “A ligação entre o Rio Grande do Sul e a Amazônia não encontra obstáculos geográficos importantes”, afirma o diretor do Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema), Fernando Meirelles.
Ele esclarece que a Floresta Amazônica contribui com uma grande quantidade de umidade, através da transpiração das plantas, e com a alteração dos teores de gás carbônico, por meio da captura pela vegetação, reduzindo a temperatura. A floresta também retarda o fluxo da água do degelo dos Andes que segue para o oceano Atlântico. “As correntes quentes e úmidas contribuem para chuvas de grandes volumes no Rio Grande Sul”, acrescenta.
Meirelles observa que tanto o desmatamento na Amazônia influencia o regime de chuvas, como também é afetado por essa alteração. Um ciclo que também atinge as condições meteorológicas do Rio Grande do Sul. Ele esclarece que alguns modelos de previsão meteorológica indicam alteração do clima que irá gerar a substituição crescente da floresta pelo cerrado, ao mesmo tempo em que as chuvas na região Sul devem aumentar, na forma mais intensa e intercalada por estiagens mais prolongadas, e aumento da temperatura.
“Essas alterações estão vinculadas à floresta e a troca de floresta por pastagens acelerará este processo”, afirma Meireles. Ele acrescenta que os solos amazônicos são em geral pobres e ácidos, sem capacidade de suportar atividades agropecuárias produtivas sustentáveis no longo prazo com baixo nível de utilização de tecnologia. “A população em geral não percebe essa relação e as políticas públicas e os esforços governamentais não têm resultado em uma redução significativa ou permanente do processo de desmatamento”, analisa.
“O Sul precisa da Floresta Amazônica para ter chuvas”
Pela sua importância, a Floresta Amazônica, que já foi associada a termos como “coração” e “pulmão do mundo”, hoje é reconhecida como “reguladora de chuvas”. O engenheiro ambiental da Unisc Fabrício Weiss explica essas relações e reforça o impacto do desmatamento da Amazônia no dia a dia do cidadão, inclusive daqueles que moram no Rio Grande do Sul.
Jornal Ibiá – Como a Floresta Amazônica influencia o clima?
Fabrício Weiss – Pode-se, de uma forma muito simplista, explicar o clima na região Sul do Brasil como uma interação das massas de ar vindas do Polo Sul, frias e secas, com as massas de ar quente e úmido vindas da região Norte do Brasil. E neste sentido, a Floresta Amazônica possui papel fundamental, pois o grande número de árvores é responsável pela geração desta umidade. É possível apresentar uma analogia sobre essa interação, como sendo uma queda de braço, ora sendo vencida pelas massas de ar do Norte – gerando períodos de calor e chuva (verão), ora vencida pelas massas de ar do Polo Sul – gerando períodos de frio e seca (inverno). Como essas mudanças não ocorrem bruscamente, existem períodos de passagem – primavera e outono. A intensidade desses períodos também é afetada, entre outras variáveis, pelas mudanças climáticas a níveis globais, como por exemplo os efeitos La Niña e El Niño.
A Floresta Amazônica já foi tida como “coração” e “pulmão do mundo” e mais recentemente é reconhecida como “reguladora de chuvas”. O senhor concorda?
Os termos “coração” e “pulmão do mundo” são apenas analogias, que, de certa forma, ajudam a entender alguns dos serviços ecossistêmicos fornecidos pela floresta. Se pensarmos na função do coração, bombeando sangue para todo o organismo, podemos compará-lo com a floresta, que também bombeia água para o continente. Sobre o pulmão, na verdade a floresta faz o contrário. Através da fotossíntese, produz oxigênio. Já o pulmão, consome oxigênio. É uma analogia controversa. Concordo com a afirmação de que a floresta é “reguladora de chuvas”. O que ocorre é um mecanismo complexo, envolvendo organismos vivos, as árvores, e o não vivo, a atmosfera. A Floresta Amazônica é parte de um sistema que garante a distribuição de chuvas no continente.
Na sua avaliação, a população tem consciência da influência da Floresta Amazônica no clima da região Sul ou seu desmatamento parece um problema distante dos gaúchos?
Grande parte da população tem apenas informações superficiais sobre o tema. A Floresta Amazônica possui uma biodiversidade incrível e desconhecida, que por si só, já justificaria a paralisação total do desmatamento. Esta é a parte mais comentada pela mídia em geral. Mas, além disso, poucos têm consciência sobre os reflexos das questões ambientais em outros aspectos, como no clima e na economia também. A região Sul é receptora da umidade que vem da Floresta Amazônica. E precisa dela para a formação das chuvas, necessárias não só para o abastecimento humano, mas também para a geração de energia, a agricultura e a pecuária.