Elas por Elas

O Dia Internacional da Mulher chegou! O 8 de março é dia de ganhar flores, beijos e homenagens. É dia de tratamento especial em casa e no trabalho. Mas, também é muito mais do que isso. O Dia da Mulher é uma oportunidade para debater os assuntos que são importantes a ELAS e ninguém melhor para falar destes temas do que as próprias mulheres. Por isso, o Jornal Ibiá reuniu um time de mulheres para um bate-papo pra lá de feminino. Agora você confere um pouco do que foi abordado. A conversa está em vídeo no portal do Ibiá. Participaram: a delegada de polícia Cleuza Spinato, a psicanalista Rose Isse, a trancista Jhozy Azeredo, a artesã Lisa Borchardt e a professora Riviane Bühler.

Como não poderia deixar de ser, em tempos de feminicídios crescentes no Brasil, a violência contra a mulher abriu o debate. A delegada de polícia Cleuza Spinato, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher do Vale do Caí (Deam) e da Delegacia de Polícia (DP) de São Sebastião do Caí, lembrou que muitos avanços vêem ocorrendo, mas a caminhada é longa. “Estamos diminuindo os casos que não são denunciados. É um trabalho de prevenção, feito em rede, que dá reflexo. Os números aumentam porque elas estão se encorajando para denunciar. Nós viemos num processo de evolução quanto a direitos, espaços, da imprensa tratando assunto. Paramos de colocar debaixo do tapete”, destacou Cleuza.

Rose Isse

Questões que cercam os casos de violência contra a mulher, como a necessidade de educar uma geração masculina que respeite o sexo oposto foram citadas. Lisa Borchardt afirmou que não vê muita evolução da situação da mulher na sociedade, mas que cabe a elas mudar isso. “Existe o medo. Existe a submissão. Mulheres ainda permitem muitas coisas, sofrendo caladas”, citou ela. “Nós temos todos os direitos hoje, mas a mulher tem que avançar. Tá faltando educação porque quem faz o homem é a mulher”, complementou Lisa.

Rose Isse seguiu o assunto citando a evolução da história. “Viemos de um sistema patriarcal que oprimiu as mulheres. Inclusive de acesso à educação. A mulher não tinha o direito de estudar, se formar. Isso ao longo do tempo. É muito difícil para uma mulher alçar vôo. Mas, felizmente, estamos evoluindo”, disse Rose.

Oportunidades para entrar e evoluir no mercado de trabalho
Um dos principais elementos capazes de dar liberdade de escolha à mulher – ter emprego e renda próprios – também foi debatido. Jhozy Azeredo, que é negra e ativista na defesa da mulher negra, apontou que, basta olhar para a cidade e observar quantas negras estão trabalhando no comércio para entender que há preconceito. “Se consegue emprego em fábricas. Porque a mulher negra deve se esconder. Eu já larguei currículo diversas vezes. Num dos casos, entreguei sete currículos num estabelecimento e quem foi chamada foi uma amiga, que estava no Ensino Fundamental como eu, porém atrasada.

Cleuza Spinato

Porque eu não me encaixo no padrão daquele serviço”, defende Jhozy. “Aí a mulher negra casa cedo, tem filho cedo, sofre violência. Por quê? Por que não tem renda própria”, citou Jhozy Azeredo. Para ela, há diferença no tratamento das mulheres, entre brancas e negras, no mercado de trabalho. “Tu pode achar que as portas estão abertas, mas, vive um dia na minha pele”, provocou.

A professora Riviane Bühler voltou na história de sua profissão para exemplificar as dificuldades vividas pelas mulheres. No passado, o magistério era uma função nobre e masculina. E junto com o acesso das mulheres às salas de aula veio a desvalorização. “Quando eram os professores homens na sala, eles eram autoridade. O gênero começou a mudar e junto começou a desvalorização do magistério. Hoje nós somos um país dos que mais desvaloriza os professores”, disse Riviane. Há a certeza é de que o mercado de trabalho não oferece à mulher as mesmas oportunidades. “Não, de maneira nenhuma. Está longe de ser. E muitas vezes o impedimento para a mulher sair de casa e dar um basta na violência é não ter como manter a casa e sustentar seus filhos. Mas o mercado de trabalho não situa a mulher no mesmo nível que o homem”, destacou Rose Isse.

Lisa Borchardt

E isso alcança também o serviço público, no qual se entra por concurso, mas se depende de muitos fatores para evoluir na carreira. “Não é só no âmbito privado. Na Polícia Civil, em 177 anos de história, é a primeira vez que temos uma mulher assumindo o comando. Na polícia, os cargos de chefia são na maior parte de homens. Eu entrei na turma de 1999 e teve servidor que disse ‘não quero trabalhar com uma delegada’ e eu respondi ‘acostume-se porque eu vim pra ficar’”, relata Cleuza. Numa turma com mais de 100 delegados, eram umas 20 mulheres. Hoje a realidade não é essa. Na maior parte das turmas há mais mulheres. “Isso é bom porque é oxigenação na Instituição. A gente é tão polícia quanto eles. Mas a instituição é machista. A Brigada Militar até hoje não teve comandante mulher. Eu espero ainda vivenciar esse momento”, destaca. Hoje Cleuza é a única mulher delegada na região.

Todas contra a opressão dos padrões
Hoje se percebe uma tendência – principalmente entre as mulheres mais jovens – de se voltarem contra a opressão dos padrões de beleza. De peso, de altura, na cor dos cabelos ou da necessidade de alisar os fios. Muito vem mudando graças à percepção de que as mulheres querem se sentir bonitas e donas de si, sem precisar seguir regras impostas pela sociedade. Jhozy Azeredo trouxe um relato pessoal.

“Eu aceitei o meu cabelo faz uns sete anos. Usava trança e um dia me senti cansada de tirar a trança e colocar novamente. E disse, não, hoje vou ficar com o meu cabelo. Lembro das pessoas me olhando”, relata. Ela, que foi a primeira soberana negra de Montenegro, levou o título com o seu cabelo natural. “Isso foi tudo. Porque as outras meninas estavam com chapinha, com cabelo escovado, babyliss e eu não me encaixava nesse padrão”, conta Jhozy. O assumir do cabelo natural é muito percebido na nova geração, não mais disposta a “esconder” seu cabelo. Isso também porque atualmente as indústrias abriram um leque muito maior. “Hoje tem marca de maquiagem com tons de pele negra. O empoderamento está aí. De uns anos pra cá lançam mais coisas para mulher negra”, relata a ativista.

Jhozy Azeredo

A necessidade de lutar contra os outros padrões impostos às mulheres foi lembrada por Cleuza Spinato. Ela cita a mulher que se sente pressionado a emagrecer ou a usar maquiagem. “A mulher tem que se aceitar e se sentir bem do jeito dela”, diz Cleuza. “Se via adolescentes com anorexia porque tinha de estar magras. Não! Hoje estamos longe do ideal, mas já vemos uma alteração nisso. E quem disse que pra ser bonita tu tem que ter determinado peso, ser loira de olho azul. Não! Nós temos uma mistura de raças”, completa a delegada de polícia.

Riviane completou citando a saúde. “Claro que nós temos que nos preocupar com a saúde. Mas isso não significada que tu tenha que estar magra”, disse. Lisa Borchardt diz que essas questões de vaidade, de entrar em um padrão social, nunca lhe foram preocupação. “Não que eu não seja vaidosa, mas não acho que devemos envolver nossos filhos, principalmente as meninas, em preocupações como cor de unha ou cor de cabelo ou roupa usar, seguir moda”, diz Lisa Borchardt. “Nunca tive preocupação com isso. Hoje mesmo, eu estou com tinha nas unhas. E não é isso que me preocupa para ser feliz”, destaca artesã. Padrão e empoderamento, porém, vão além da vaidade. “Não é só cabelo e maquiagem que empoderam uma mulher. As crianças têm que ir pro colégio, tem que entrar numa faculdade. Temos que ocupar todos os espaços”, concluiu a trancista Jhozy Azeredo.

A mulher negra sofre duplamente
O tema do racismo e como ele impacta a mulher negra, tornando-a vítima e ainda mais vulnerável tanto à violência quanto ao desemprego, entre outras dificuldades sociais, esteve presente. Jhozy Azeredo citou essa luta. “A mulher branca tem que entender que o nosso feminismo (da mulher negra) não é o mesmo que o delas. A gente quer igualdade. Mas primeiro a gente quer igualdade com elas. Pra depois buscar outras coisas”, enfatizou ela. Ela lembra o olhar estranho que recebe ao entrar numa loja se não estiver bem arrumada. A apresentação neste caso é ainda mais importante, para a negra se encaixar em padrões.

Riviane Bühler

O peso do preconceito racial aparece em todos os âmbitos e é percebido nos casos de agressão que chegam à delegacia. “O racismo é muito forte no país. Mas é velado. E a mulher é penalizada duas vezes. Por ser mulher e por ser negra. A mulher negra tem dupla dificuldade. O racismo velado existe! Todo mundo nega, ninguém afirma que é racista, mas o racismo acontece todos os dias.”, completou Cleuza Spinato. Para a professora Riviane, a questão é matemática. “Olha o percentual da população branca e o da população negra em Montenegro. Se nós tivéssemos igualdade, teríamos em todos os espaços um percentual parecido. Vamos olhar os professores municipais. Quantos negros temos? Então, realmente, existe sim e muito forte”, destaca Riviane, lembrando a necessidade de vigilância diária contra frases e manifestações racistas e machistas.

Ainda citando a educação, Rose Isse falou da importância das cotas. Entendendo que as mulheres negras enfrentam mais dificuldade que as brancas, ela cita a necessidade de investir na educaqção. “Educar a todos, educar para o pensamento. Sou a favor das cotas. Não para sempre, mas por um bom tempo. Acredito que são uma possibilidade a mais de incluir. Porque se não, além de todas as desvantagens já existentes, você tem a barreira da falta do conhecimento”, destaca a psicanalista. Ela foi complementada por Jhozy, no tema das cotas. “Cota é um pedido de desculpa. Na escola, quando comecei a aprender, a princesa Isabel era a minha rainha, a princesa que ajudou os negros. Hoje em dia eu sei que ela fez exatamente nada. Assinou uma carta, libertou os negros. Mas e agora?”, provoca Jhozy. Ela salienta, porém, que não é um auxílio, é um direito que, na realidade não resolve o que foi feito no passado, apenas pede desculpas.

Participaram dessa reportagem: Andressa Kaliberda, Cássia Oliveira, Clarice Almeida, Giovanna Cerveira

Últimas Notícias

Destaques