Presente na vida de muitos montenegrinos, o Porto das Laranjeiras é motivo de alegrias e também de dor de cabeça
Inaugurado em 7 de setembro de 1904, o Cais do Porto é motivo de muito orgulho por parte dos montenegrinos. E até de quem visita a cidade. Passar por ali com os turistas é passeio certo. Mas, atualmente, o local também é causador de dores de cabeça para a Administração Pública e à população, que deseja aproveitar seus momentos de lazer na orla. Nesse sábado, 31, faz exatamente um ano do fatídico dia em que desmoronaram 60 metros da estrutura em frente à Escola da Brigada Militar.
Um dos mais conhecidos cartões postais da nossa cidade, o espaço é tombado como Patrimônio Histórico do Município de Montenegro pelo Decreto nº 2599 de 29/03/2000. No texto, a responsabilidade pela preservação do Porto das Laranjeiras compete ao Departamento de Cultura da SMEC. Os problemas com o Cais vêm de anos, se complicando cada vez mais.
1ª Parte – Agosto de 2015
Ainda em abril de 2015, no governo do ex-prefeito Paulo Azeredo, a Prefeitura realizou uma limpeza e “revitalização” da orla do Rio Caí, no trecho em frente ao antigo prédio do Frigorífico Renner, se estendendo até a ponte do arroio São Miguel. O trabalho na época seria de limpeza do talude, e a vegetação de pequeno e médio porte que já se encontrava no local, fixada entre as pedras, foi arrancada por retroescavadeiras.
Na primeira enchente, no inicio de agosto, ocorreu um desmoronamento. Uma obra emergencial foi iniciada pela Administração, e foi construído o acesso de concreto ao Rio, o que segundo o Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Montenegro (MPPHM), descaracterizou os aspectos históricos do local.
2ª Parte – Agosto de 2018
Fazendo “aniversário” nesse sábado, o primeiro desabamento recente ocorreu na tarde de 31 de agosto de 2018. Cerca de 60 metros da estrutura em frente à Escola da Brigada foi abaixo. Não houve bloqueio do trânsito, apenas a instalação de uma contenção com manilhas na volta do trecho desabado.
Então secretário de Obras Públicas, Argus Oliveira, foi questionado sobre a situação na época. Ele informou que o Município aguardava por verba vinda de Brasília para reformar o trecho, valor que havia sido solicitado junto ao, hoje extinto, Ministério da Integração Nacional. Esse trecho segue sem reparo até hoje.
3ª Parte – Abril de 2019
Na noite do dia 26 de abril desse ano, o Cais do Porto das Laranjeiras registrou mais um desmoronamento. Próximo à Câmara de Vereadores, uma extensão de cerca de cinco metros caiu, levando a calçada e até um poste de iluminação.
A rua Coronel Álvaro de Moraes, com isso, foi bloqueada em ambos os sentidos, na quadra entre a Câmara de Vereadores e a rua Apolinário de Moraes, assim como o acesso pela Assis Brasil. A Prefeitura de Montenegro informou, na época, que houve “erosão na rede pluvial em parte do Porto das Laranjeiras, em função das condições climáticas adversas ”.
O bloqueio continua, e obras estão sendo realizadas para a recuperação do trecho. Apesar da boa vontade em melhorar o estrago, o Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Montenegro alega que a obra está ocorrendo de maneira irregular, sem ter passado pelas entidades responsáveis.
Projeto de revitalização
Com data limite para a prestação de contas em 29/08/2019, o projeto ainda não teve início. Estão previstos, em 105 metros da orla: alargamento e troca das pedras de basalto do passeio público; acessibilidade; travessia de pedestres elevada, complementação da iluminação e intervenção mobiliária (lixeiras, bancos e pergolados). Essa é a primeira etapa.
A emenda parlamentar de R$ 243.750,00 tem destino final inalterável, e segundo a Prefeitura ela poderá ser usada somente neste setor. A verba vinda do Ministério do Turismo para revitalizar a orla do Rio Caí é referente a intervenções no trecho entre as ruas Doutor Flores e João Pessoa.
Certo ou errado?
Que o Cais está sendo negligenciado é possível ver pelas consequências dos últimos anos. Mas, é claro que fatores como tempo e clima também alteram a beleza e segurança da orla. Segundo a vice-diretora do MPPHM, a arquiteta e urbanista Letícia Kauer, o Porto das Laranjeiras já possui vários pontos que não são mais características históricas e algumas das mudanças podem ter afetado nos desabamentos.
Para ela, a retirada da vegetação em frente ao antigo Frigorífico Renner, ainda no governo Paulo Azeredo, foi equivocada, fazendo com que as pedras se desestabilizassem. “A primeira parte que desmoronou, eles fizeram um paredão de concreto, e é uma curva. O rio segue o sentido em direção aos outros desabamentos. A partir do momento que não se tem vegetação, essa água cria uma corrente mais forte e vai batendo nos pontos, fazendo com que os outros locais sedam”.
Além disso, Letícia alega que a obra emergencial realizada descaracterizou totalmente o Cais. “Nessa parte foi feito um projeto emergencial sem passar pelo movimento ou pelo Iphae, e eles fizeram um Frankenstein com o talude”, diz Letícia. Apesar de o Cais ser de responsabilidade do Departamento de Cultura, encontra-se em vigor um Acordo de Cooperação Técnica entre o município de Montenegro e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), firmado em outubro de 2017, que disponibiliza o auxílio do Instituto ao Executivo para elaboração do Inventário de Bens Culturais Edificados, sendo o Cais um deles.
Sobre os últimos desabamentos, a vice-diretora do Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Montenegro (MPPHM) aponta que a obra que está sendo feita pela Prefeitura perto da Câmara de Vereadores tem pontos irregulares. “Eles não consultaram ninguém do Patrimônio, do Comdema ou do Iphae. Além disso, quando tu olha o Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) de construção daquela obra, diz somente sobre execução de drenagem, que é nada a ver com o talude. Não tem alguém responsável pela obra em si, só por drenagem”, declara Letícia Kauer. Mas, segundo o Movimento, há um ponto positivo, já que o Executivo resgatou as pedras da época da construção do talude de dentro do rio e estão recolocando elas no lugar.
De acordo com Letícia, o que preocupa atualmente o MPPHM é o Projeto de Revitalização do Porto das Laranjeiras.“Eles [Prefeitura] estão alegando que irão aumentar o calçamento na área de pedestres para dar mais espaço para as pessoas, super válida a proposta, mas a forma que eles estão aplicando é um pouco contraditória, porque, em primeiro lugar, eles trocam o tipo de calçamento. Hoje o que a gente tem aqui no Cais é basalto irregular, e eles estão propondo basalto regular”, fala. Além disso, a vice-diretora do Movimento ainda cita a proposta de colocação de uma manta asfáltica em cima de onde é a rampa que desce para o Cais baixo, onde tem pedra rosa, uma pedra histórica do rio.
“Eles estão fazendo esse projeto de revitalização sem nenhum cuidado histórico. O projeto deveria passar pelo Movimento, pelo Comdema, e não passou por nenhuma dessas entidades, então esse projeto teoricamente não poderia ser executado porque ainda não passou”, diz Letícia. De acordo com o Iphae, após consulta à documentação, não existe demanda referente ao Cais no órgão.
Segundo Letícia, são muitas as irregularidades, e o Movimento está preocupado em não deixar piorar. “Nós queremos fazer um memorial descritivo do Cais para deixar ele preservado. É necessário fazer um estudo”, diz. Para a arquiteta o mais problemático hoje no Porto das Laranjeiras é a questão ética e moral da Administração, por não respeitar a lei.
Segundo o presidente do MPPHM, o professor Ricardo Agádio Kraemer, o Movimento já está montando um dossiê para uma denúncia contra as irregularidades.
Sobre os desmoronamentos
A respeito do desabamento ocorrido em frente à Escola da Brigada Militar, a Secretaria Municipal de Gestão e Planejamento informou, através da Assessoria de Comunicação, que foi cadastrado no Ministério de Integração Nacional um plano de trabalho para obras de prevenção, visando o aporte de recursos federais para 19 metas, incluindo o talude do Cais. “O Plano de Prevenção de Desastres, desenvolvido com envolvimento da Defesa Civil Nacional, cujas tratativas para elaboração foram elaboradas em dezembro de 2017 e a entrega, em Brasília, foi protocolada em maio de 2018”, diz a nota.
A respeito do desabamento ocorrido em abril de 2019, próximo à Câmara de Vereadores, a Prefeitura informa que a verba utilizada no reparo da estrutura é de recurso próprio, e conta com ART de projeto e execução de profissional habilitado. “O projeto não passou pelos órgãos citados [MPPHCM, Condema e IPHAE], pois o Cais é tombado pelo município, através do Decreto 2.599/2000, sendo a SMEC o órgão responsável pelo controle e fiscalização necessários à preservação do Patrimônio Histórico, conforme parágrafo único, art. 2º da Lei Municipal 3517/2000”.
O Executivo informou, ainda, que a obra conta com ART de projeto e execução, e como possui licença prévia emitida pela SMMA e deliberação da SMEC nos projetos devido ao tombamento municipal. Foi ressaltado, ainda, o cuidado com a preservação do patrimônio ao resgatar as pedras do talude que caíram com o desabamento, assim como a reconstrução mantendo as características originais. “O projeto de revitalização foi realizado por um Arquiteto e Urbanista e o mesmo passou por todos órgãos competentes. Serão respeitadas as características históricas do local. O Porto das Laranjeiras receberá alargamento do passeio público com acessibilidade, instalação de bancos, lixeiras, canteiros, luminárias e pergolados”, diz a Prefeitura.
Descapoeiramento: uma necessidade
O Cais das Larajeiras é considerado, segundo o Código Florestal, uma Área de Preservação Permanente (APP). Fazer uma alteração ou obra em uma APP, só é possível se for de interesse social, baixo impacto ou utilidade pública.
Segundo o biólogo, e vice-presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), Rafael Altenhofen, as pedras da beira do rio necessitam de manutenção anual. “Quando a vegetação vai crescendo no meio das pedras, vai criando uma raiz que desestrutura as pedras, elas desestabilizam e começam a cair. Obrigatoriamente, se quer manter a estrutura de engenharia dessa área tem que ser feita a manutenção regular da retirada, o descapoeiramento”, fala.
O secretário de Meio Ambiente, Adriano Chagas, questiona a informação repassada pelo vice-presidente do Comdema, afirmando que esta não foi deliberada em reunião do Conselho. “Pelo ponto de vista técnico, as plantas que crescem na orla dos rios possuem a peculiar função de estender as raízes para que estas façam a contenção do material mineral natural depositado nas margens dos rios. A retirada destas espécies arbóreas ajudaria ao desmoronamento das margens”, afirma.
Segundo o vice-presidente do Comdema, não é em todos os momentos que a vegetação deve ser arrancada. Altenhofen cita o desabamento de 2015, após a retirada da vegetação já fixada nas pedras. “Naquele local ficou anos e anos sem essa manutenção, a ponto de crescer árvores. Como eles não cortaram, acabou desestruturando todas as pedras embaixo. Mas como chegou naquele tamanho, ao mesmo tempo em que ela soltou a pedra, ela segurava a pedra com a raiz. Se tirar a planta vão cair as pedras. É óbvio”, explica o biólogo.
Sobre essa afirmação, o secretário afirma que, na época, foram suprimidos arbustos de pequeno porte, solicitado pelo então prefeito. “Do ponto de vista técnico, não caracteriza mata ciliar, devido a estrutura física já implementada no local. Esta mata já estava descaracterizada e o que dava a sustentação à ponte e ao talude eram as obras de engenharia para instalação do Cais que, devido à idade e a depreciação, acabaram provocando o desmoronamento”, alega Chagas.
De acordo com Rafael, em 2015 foi aprovada uma resolução no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), que dispensava a aprovação do Estado em obras nas áreas de preservação permanente.“Na época, a Prefeitura disse que a vegetação foi removida por interesse dos montenegrinos em olhar a beira do Rio Caí, e eles arrancaram as árvores com raiz e tudo. Quando veio a primeira enchente, começou a desmoronar e então fizeram a licença para obra”, relembra Altenhofen. Para o biólogo, a Prefeitura está se omitindo quanto ao descapoeiramento, que não é realizado há anos.
Segundo ele, nenhum licenciamento do Cais que o Município fez em área de preservação permanente passou pelo Comdema. “Na área que desmoronou, e hoje eles estão recuperando, seria um caso de intervir, porque é um caso de utilidade pública. O Comdema jamais negaria”, declara.