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Quase dois anos depois, Ibiaçá ainda não tem sentenças

Processos na esfera criminal serão julgados por uma vara especializada em Porto Alegre. Até agora, são dez

Deflagrada em 6 de junho de 2017, a Operação Ibiaçá chega ao fim do segundo ano com números impressionantes. Até aqui, são 21 pessoas respondendo por diversos crimes e práticas de improbidade administrativa em pelo menos dez ações criminais e uma civil pública. A estrutura deficiente do Poder Judiciário, porém, faz com que, 23 meses depois, ainda não haja sequer uma sentença de condenação ou absolvição dos acusados. Isso deve mudar em breve, pelo menos no que se refere à dimensão criminal.

A Justiça Estadual do Rio Grande do Sul instalou, no dia 9 de abril, a sua primeira vara criminal especializada em crime organizado e lavagem de dinheiro. Ela funciona no Foro Central de Porto Alegre, recebeu a denominação de 17ª Vara Criminal de Porto Alegre e tem abrangência sobre a capital e cidades da Região Metropolitana. As ações que surgiram a partir da Operação Ibiaçá e que tramitavam no Forum de Montenegro já foram enviadas para lá.

De acordo com o promotor de Justiça Reginaldo Freitas, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), responsável pela Operação Ibiaçá, a criação da 17ª Vara Criminal era uma demanda antiga do Ministério Público. “A gente vinha notando que a nossa atuação, com a parceria do Tribunal de Contas do Estado, no combate à corrupção, gerava muitas ações que as comarcas não conseguiam processar com maior agilidade”, observa. Isso se deve, segundo ele, ao acúmulo de trabalho que já existe nos fóruns do interior.

Além disso, Freitas explica que são processos complexos, normalmente com grande quantidade de réus e de testemunhas, o que exige uma estrutura reforçada do Judiciário. “Com a mudança, acreditamos que os julgamentos serão mais rápidos, reduzindo a sensação de impunidade que a demora na publicação das sentenças costuma despertar na sociedade”, avalia.

Na área criminal, entre os réus da Ibiaçá, o mais visado é o ex-prefeito Luiz Américo Aldana, que responde a seis acusações de dispensa ilegal de licitação, cinco de peculato, por fraude ao caráter competitivo da licitação, corrupção ativa e corrupção passiva, supressão de documentos e organização criminosa. Fazem parte da lista também empresários, ex-secretários municipais, detentores de cargos de confiança, servidores e funcionários de empresas. Se forem condenados, podem até mesmo ser presos.

Na ação civil pública, que continua tramitando em Montenegro, na 2ª Vara Cível, são 12 réus, entre pessoas físicas e jurídicas: Camila Dutra Bueno, Juliana Steigleder Becker, Construtora JLV, Evandro Machado da Silveira, Gilson Guilherme Hartmann, João Francisco Teixeira da Silva, José Valmir Silveira D’Ávila, Leandro Pinto, Leandro Pinto ME, Luiz Américo Alves Aldana, Ricardo de Albuquerque Mello e Valter do Carmo Robalo. Neste caso, se forem condenados, as penalidades variam, da perda de funções públicas e direitos políticos à obrigação de devolver valores que eventualmente receberam para cometer as irregularidades listadas, além de multas.

Os acusados – ações criminais
Luiz Américo Alves Aldana – réu em 7 ações
– seis acusações de dispensa ilegal de licitação
– cinco acusações de peculato
– fraude ao caráter competitivo da licitação
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– supressão de documentos
– organização criminosa

José Valmir Silveira D’Ávila – réu em 4 ações
– duas acusações de dispensa ilegal de licitação
– duas acusações de fraude ao caráter competitivo da licitação
– duas acusações de peculato
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– supressão de documentos
– organização criminosa

Ricardo Schütz – réu em 6 ações
– quatro acusações de dispensa ilegal de licitação
– três de peculato
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– organização criminosa

Ricardo de Albuquerque Mello – réu em 7 ações
– cinco acusações de dispensa ilegal de licitação
– fraude ao caráter competitivo da licitação
– duas acusações de corrupção ativa
– duas acusações de corrupção passiva
– quatro acusações de peculato
– supressão de documentos
– organização criminosa

Valter do Carmo Robalo – réu em 2 ações
– dispensa ilegal de licitação
– fraude ao caráter competitivo da licitação
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– peculato
– supressão de documentos
– organização criminosa

Gilson Guilherme Hartmann – réu em 3 ações
– duas acusações de dispensa ilegal de licitação
– fraude ao caráter competitivo da licitação
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– três acusações de peculato
– supressão de documentos
– organização criminosa

Evandro Machado da Silveira – réu em 3 ações
– duas acusações de dispensa ilegal de licitação
– duas acusações de peculato
– fraude ao caráter competitivo da licitação
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– supressão de documentos
– organização criminosa

João Francisco Teixeira da Silva – réu em 1 ação
– dispensa ilegal de licitação
– fraude ao caráter competitivo da licitação
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– peculato
– supressão de documentos

Juliana Cátia Steigleder Becker – ré em 3 ações
– duas acusações de dispensa ilegal de licitação
– duas acusações de peculato
– fraude ao caráter competitivo da licitação
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– supressão de documentos
– organização criminosa

Camila Dutra Bueno – ré em 4 ações
– duas acusações de dispensa ilegal de licitação
– duas acusações de fraude ao caráter competitivo da licitação
– duas acusações de peculato
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– supressão de documentos
– organização criminosa

Leandro Pinto – réu em 3 ações
– duas acusações de dispensa ilegal de licitação
– duas de fraude ao caráter competitivo da licitação
– duas acusações de peculato
– corrupção ativa
– corrupção passiva
– supressão de documentos
– organização criminosa

Cíntia Martins de Oliveira – ré em 1 ação
– dispensa ilegal de licitação
– peculato

Edemilson Alves – réu em 1 ação
– dispensa ilegal de licitação
– peculato

Jair Kovalski Flores – réu em 1 ação
– dispensa ilegal de licitação
– peculato

Valdoir da Silva – réu em 2 ações
– dispensa ilegal de licitação
– peculato
– organização criminosa

Ana Júlia Rodrigues – ré em 1 ação
– dispensa ilegal de licitação
– peculato

José Luiz D’Ávila – réu em 1 ação
– fraude ao caráter competitivo da licitação

Carlos Cristiano Weizenmann Moreira – réu em 3 ações
– dispensa ilegal de licitação
– duas acusações de peculato
– organização criminosa

Tatiane Trindade Barbosa – ré em 1 ação
– dispensa ilegal de licitação
– duas acusações de peculato

Ivan Magni – réu em 4 ações
– três acusações de dispensa ilegal de licitação
– três acusações peculato
– organização criminosa

Júlio Hoffmeister – réu em 3 ações
– duas acusações de dispensa ilegal de licitação
– organização criminosa

Palácio Rio Branco foi cercado por viaturas da Brigada durante a operação, há dois anos

“Todas as denúncias são apuradas”
Entrevista com o promotor de Justiça Reginaldo Freitas, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), responsável pela Operação Ibiaçá.

JI – Estamos muito próximos do segundo aniversário da Operação Ibiaçá, deflagrada em 6 de junho de 2017, e que apontou uma série de regularidades nas licitações da Prefeitura. O que se apurou de novo nesses dois anos que já não tenha sido enviado ao Judiciário ?
Reginaldo Freitas – Primeiramente, é preciso ressaltar que a Operação Ibiaçá resulta de uma investigação extremamente ampla, complexa, de vários setores da Prefeitura bem identificados com o empresariado, com construtoras que atuavam no município. Então foram diversos os fatos, o que implica necessariamente em uma instrução da investigação um pouco maior. Mesmo assim, já foram oferecidas dez denúncias criminais por diversos fatos delituosos no âmbito da justiça criminal. Temos ainda uma série de fatos para serem analisados para que se proceda o oferecimento de denúncias, que não convém detalhar agora.

Freitas aponta para os diversos volumes da Ibiaçá

Durante as apurações, o MP encontrou alguma prova cabal de corrupção contra os acusados?
Como eu já falei, a instrução por si só ainda não terminou, ainda depende de algumas análises de quebra de sigilo fiscal e bancário. Mas, dentre as conversas gravadas com autorização judicial, se constata que alguns agentes foram definitivamente beneficiados com valores repassados por esses empresários.

O Ministério Público tem ideia de quanto foi desviado dos cofres públicos?
Não. Essa quantificação a gente vai poder fazer somente ao final da investigação, porque nós temos que separar algumas situações. Existem casos em que a obra foi realizada, então não posso simplesmente pegar o valor total e considerar como prejuízo do município. É um cálculo não muito fácil de ser feito.

Como se dará a responsabilização dos acusados?
A responsabilidade em torno desses fatos se dá em três esferas. A política já foi definida pelo impeachment do prefeito. A questão criminal é tratada por mim no âmbito do Gaeco, de onde se originou essa investigação, posteriormente remetida à Procuradoria de prefeitos, em função do envolvimento do prefeito, e de novo retornando ao Gaeco, em função da perda do mandato. A esfera cível, que envolve a improbidade administrativa, refere-se a sanções, multa, perda de direitos políticos, e segue com tramitação em Montenegro.

Apareceram novas denúncias relativas à Administração de Montenegro?
Surgiram algumas denúncias que foram devolvidas à Promotoria de Justiça de Montenegro, para que seja dado, digamos assim, o início à averiguação. Até mesmo para que a Ibiaçá não se torne uma investigação sem fim. Se for preciso, a Promotoria nos pedirá auxílio para eventuais novas investigações.

Toda essa atuação do Ministério Público, do Gaeco, está reduzindo os índices de corrupção no RS?
Quando eu fui convidado para integrar esse grupo de atuação especial, a ênfase do então procurador geral, Marcelo Dorneles, e posteriormente do atual procurador de Justiça, Fabiano Dalazen, era para que os esforços fossem concentrados na apuração de crimes principalmente praticados contra a administração pública, contra os cofres públicos. Surgiram diversas operações além da Ibiaçá, algumas maiores e outras menores. Até acredito que a Ibiaçá foi uma das maiores porque a administração pública estava contaminada por situações suspeitas envolvendo empresários e o ganho de licitações. O resultado tem se mostrado positivo. É verdade que muita coisa precisa ser feita; muitas irregularidades precisam ser investigadas. Temos limitações de recursos humanos, mas à medida que o Ministério Público toma conhecimento dessas denúncias, elas são devidamente encaminhadas. Podem demorar um pouco para serem investigadas, mas todas redundam em uma investigação, seja pelo Gaeco, seja pelo colega da promotoria da cidade.

O que foi descoberto
As dez ações criminais deflagradas pelo Ministério Público contra 21 réus referem-se a irregularidades cometidas no transporte escolar; na execução de obras na Escola Ana Beatriz Lemos – bairro Estação; no cercamento, pavimentação e drenagem da Escola do Bairro Senai; na recuperação de dois pontos do talude do Cais do Porto; e na construção do espaço multiuso da localidade de Serra Velha.

Os réus são acusados de atuar em conjunto, fraudando licitações para beneficiar irregularmente empreiteiras e prestadores de serviços. Somente num processo, em torno do transporte escolar, se condenados, os denunciados terão de restituir ao erário em torno de R$ 2 milhões.

As suspeitas que resultaram na Operação Ibiaçá iniciaram em 2016, a partir de denúncias sobre crimes ambientais praticados com a anuência de agentes públicos. A partir daí, o MP solicitou à Justiça o “grampo” dos telefones de pessoas ligadas ao governo Aldana. Nas ligações, constatou que havia uma “organização criminosa” agindo em Montenegro para drenar os cofres públicos em contratos que, somados, ultrapassavam os R$ 20 milhões.

De acordo com o Ministério Público, o “esquema” que permitia às empreiteiras Schütz e JLV vencer a maioria das licitações da Prefeitura tinha, segundo as gravações da Operação Ibiaçá, o engenheiro Ricardo de Albuquerque Mello, da Secretaria Municipal de Obras Públicas, como principal operador. Toda vez que a Administração se preparava para realizar uma obra ou contratar um serviço, estas empresas eram comunicadas previamente. Ao invés de o poder público elaborar os orçamentos que dariam base ao edital, eram profissionais ligados a elas que o faziam, já com os valores que pretendiam cobrar.

Publicado o edital, o grupo se assegurava da vitória da empreiteira para quem a obra havia sido direcionada previamente. Para isso, quando necessário, criava obstáculos a outros interessados, que eram até mesmo inabilitados na concorrência.

Depois, divulgado o resultado da licitação, o próprio engenheiro Ricardo era encarregado de fiscalizar a execução de quase 100% dos contratos da Schütz e da JLV. Inclusive, segundo uma testemunha, fazia vistorias a bordo de veículos destas empresas, na carona dos proprietários. Há gravações sugerindo que, nestes procedimentos, o engenheiro fazia vistas grossas a irregularidades como o uso de insumos diferentes dos previstos no edital, até mesmo de qualidade inferior.

O grupo também é acusado de forjar a participação de outras empresas para ganhar concorrências menores, feitas mediante dispensa de licitação. Nestes casos, para efetuar a contratação, o agente público deve obter três orçamentos com o mesmo objeto. Ganha o menor. Há ligações em que tanto Schütz quanto Valmir pedem “emprestado” o CNPJ e a assinatura a empresários amigos, anulando o caráter competitivo das licitações.

Na verdade, segundo o MP, eram eles que forjavam os orçamentos dos chamados “laranjas”, que acabavam tendo sempre valores maiores que os de suas empresas. Inclusive, há uma conversa em que um servidor reclama que não se pode apresentar sempre os mesmos concorrentes e que devem buscar empresas “de longe”.

Uma testemunha também declarou que alguns projetos eram propositalmente concebidos com falhas para justificar aditivos contratuais e a execução de serviços que não estavam previstos inicialmente. Assim, as empresas aumentavam seus lucros.

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