Não é novidade para ninguém que a água é um recurso essencial para a vida. Não fosse por ela, a nossa espécie, bem como a maioria das plantas e animais, não seria possível. É por isso que, mesmo no Brasil, que detém 12% da água doce do planeta, falar sobre a preservação desse bem natural tão importante é imprescindível.
A crise hídrica é uma realidade. A Terra é composta 75% de água, mas, desse total, 97% é salgada e são altos os custos para transformá-la em potável. Esse processo chama-se dessalinização. Quanto à água doce disponível, muito ainda está concentrado nas geleiras, o que impede o uso. É fato que, daqui a alguns anos, ter o que beber estará mais caro, o que deve excluir muita gente que não tem condições de se manter.
Relatórios da ONU já até apontam que, se os atuais padrões de consumo e poluição de recursos permanecerem, bilhões de pessoas estarão em escassez absoluta de água doce até 2025. Reflexo, principalmente, de rios e lagos condenados pelo uso irresponsável, por descarte de lixo e pelo esgoto jogado sem tratamento. Nosso Rio Caí, declarado impróprio para banho pelo risco de possíveis doenças com o contato, é um triste lembrete disso.
E nessa realidade alarmante, nos cabe como seres humanos, tomar alguns cuidados. Além do cuidado com a preservação, da separação responsável do lixo e da diminuição do consumo de água em atividades desnecessárias, uma das possibilidades de enfrentamento à escassez são iniciativas de reaproveitamento. É água que iria fora, aproveitada novamente para outros usos. E não é preciso ir longe para se inspirar em projetos do tipo. Nós temos alguns por aqui, bem pertinho de casa.
Vamos conhecer?
Na “casa do bispo”, a descarga dos banheiros é dada com água da chuva
O prédio da Cúria Diocesana foi entregue em 2009. A imponente edificação na rua Assis Brasil, pouco depois do Colégio São José, chama a atenção de quem passa. Ali funciona a sede da Diocese de Montenegro, que coordena um total de 30 paróquias. Com três andares, o local tem salas de administração, atendimento, um arquivo e um plenário com capacidade para cem pessoas. Além disso, é a moradia do bispo, Dom Carlos Romulo Gonçalves e Silva.
Construída a partir de doações de mais de 13 mil pessoas e 197 empresas da região, a Cúria custou cerca de R$ 1,5 milhão e, desde os primeiros esboços do projeto, contava com um sistema de reaproveitamento de água da chuva. “Isso sempre foi uma preocupação. Tudo o que se pode aproveitar, se aproveita”, garante o administrador da sede, Silvério Nabinger. Apesar do alto custo do prédio, ele demonstra que o sistema, em si, é relativamente simples.
Funciona assim: as águas captadas pelas calhas no telhado da edificação descem para uma grande cisterna, no subsolo, que tem capacidade para acumular até 35 mil litros. De lá, é um sistema de bombas que, conforme a necessidade, manda a água para uma caixa d’água no sótão da Cúria. Sem precisar de nenhum tratamento, essa água é usada para a descarga nos vasos sanitários dos nove banheiros do prédio. Como cada descarga consome, em média, 4,5 litros de água, a economia é considerável.
25% da água usada na Lavanderia Ondazul retorna ao processo
Um interessante sistema de reaproveitamento de água funciona na lavanderia Ondazul, no centro de Montenegro. Com capacidade para processar uma tonelada de roupas por dia, a empresa teria um consumo diário de cerca de 3 mil litros de água, não fosse o seu “Sistema Reúso” aliado à captação de água da chuva.
“Eu sempre fui muito voltado para o meio ambiente e sempre tive um peso na consciência de que estava sujando a água e largando ela diretamente no rio”, confidencia o proprietário, Ademir Penz. “Isso não me deixava tranquilo.”
Ele conta que, ainda nos anos 90, quando teve a oportunidade de expandir o negócio oferecendo serviços a empresas do Polo Petroquímico, lhe colocaram um desafio que resolveu suas inquietações. “Me disseram que, se em três meses eu botasse uma estação de tratamento de água, o contrato com eles era meu. Foi quando eu senti que era a minha hora”, recorda.
Penz investiu cerca de R$ 300 mil no projeto que, com a economia trazida, já está totalmente pago após uma década de funcionamento. “Eu consegui deixar de jogar efluente no rio e ter aquela satisfação de dormir com a consciência mais tranquila”, destaca o empreendedor.
- VEJA COMO FUNCIONA:
A Ondazul atende empresas, hotéis e o público em geral, com diversos tipos de roupas para serem lavados. A água usada entra no sistema Reúso passando pelo “filtro primário”. É onde pêlos, cabelos, botões e outras partículas maiores são retiradas. De lá, elas vão ser guardadas em uma das duas “cisternas de acúmulo”, conforme a demanda de tratamentos. Essas podem guardar até 14 mil litros d’água que, paradas, ficam homogeneizadas.
A próxima etapa é o “clarificador”, uma máquina grande que recebe uma carga de coagulante orgânico que é fabricado na Tanac. Nessa máquina, uma bomba gera micro bolhas que reagem com o coagulante e separam a parte limpa da parte suja da água.
A partir de um raspador da máquina, a parte suja forma um verdadeiro lodo, que é enviado para uma cisterna própria. Nesse material consta a maior parte das impurezas do processo de lavagem. Periodicamente, a Cooperativa Ecocitrus vai até a empresa e coleta esse material. Os resíduos são incorporados aos processos da usina da empresa, no Passo da Serra, e transformados em biofertilizantes para aplicação agrícola.
Quanto à água limpa, essa passa por um filtro de areia na Ondazul e, depois, por dois filtros de carvão ativados. Eles fazem um tipo de polimento, deixando-a 100% reaproveitável. Dali, ela já está pronta para ser usada novamente com qualquer finalidade, inclusive em roupas brancas, sem deixar nenhum tipo de resíduo. Está completo o tratamento.
A capacidade de armazenamento da água pronta do Sistema Reúso é de 15 mil litros. A Ondazul também conta com sistema de reaproveitamento da água da chuva (que também é tratada) e, junto da água que vem da rede pública, tem os três tipos ao mesmo tempo, sempre misturados, em ciclo aberto, dentro do estabelecimento.
- CHUVA FAZ A DIFERENÇA NA LAVANDERIA: Como também utiliza a chuva, a Ondazul, por vezes, nem precisa acionar o Sistema Reúso. Nos recentes dias chuvosos, por exemplo, o acúmulo foi acima da capacidade dos reservatórios. “Em termos de produção, como a Economia está um pouco recessiva, tivemos um aproveitamento de quase cinco dias sem utilizar outras águas”, aponta o dono da lavanderia. “Isso é muito favorável em termos de custo. É aquele conceito de aproveitar a própria natureza, sem utilizar a água da rede.”
Estudo busca reduzir uso do Rio Caí no Polo
Uma parceria entre a universidade Feevale, a Superintendência de Tratamento de Efluentes Líquidos e Resíduos Sólidos (Sitel) da Corsan e o Comitê de Fomento Industrial do Polo Petroquímico de Triunfo (Cofip) colocou em prática o projeto Reúso. Este é um estudo que busca encontrar tecnologias viáveis que permitam a recuperação e reutilização da água no processo produtivo das empresas associadas ao Polo. Ele quer recuperar e reduzir a captação de recursos hídricos.
A fase inicial foi em 2014, através de um edital da Secretaria da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico que destinou R$ 500 mil para a compra de equipamentos. Os integrantes da parceria somaram ao valor o investimento de outros R$ 600 mil para o projeto que, hoje, está em sua segunda fase.
Liderado por quatro pesquisadores, o Reúso avalia a aplicação de métodos como osmose reversa e eletrodiálise para o tratamento dos efluentes gerados pelas empresas instaladas no local. Tecnologias como microfiltração e ultrafiltração também são testadas em uma unidade piloto já instalada e em operação contínua no Sitel, em Triunfo. O cronograma prevê que até março de 2020 a equipe possa indicar qual o processo que melhor se encaixa na realidade do Polo. Aí começará a aplicação, de fato.
O resultado esperado é considerável. Iniciativa do tipo aplicada no Polo Petroquímico da Região do ABC Paulista, em São Paulo, já possibilita a reutilização de 650 litros de água por segundo. A diferença é grande. É menos água consumida e menos efluentes sendo descartados. O Rio Caí agradece!
E COMO LEVAR ISSO TUDO PARA CASA?
Se inspirou nas iniciativas da região? Dá para aplicar, em outras escalas, ou mesmo na sua casa. Quer uma iniciativa bem simples para evitar o desperdício de água? Evite de cobrir todo o seu quintal com calçadas ou cerâmicas. Use grama e plantas, por exemplo, que você vai evitar alagamentos e diminuir a quantidade de água enviada ao sistema pluvial. A água absorvida pelo solo vai diminuir o calor no seu pátio e, quem sabe, o gasto de luz com o uso de ventiladores.
E para captar a água da chuva, você não precisa de sistemas tão complexos. Uma cisterna ligada às calhas (sempre bem fechada, claro) já serve, pelo menos, para molhar as plantas, lavar carros e a casa. Caso você possa investir, aí sim, é uma boa ideia levar o sistema também para as descargas dos vasos sanitários.
No mercado, já tem até pias que fazem um tratamento de água e permitem o reaproveitamento. Mas sem nenhum investimento, algumas iniciativas existem. A água usada para cozinhar alimentos, depois de fria, pode ser usada para regar as plantas, por exemplo. E dá para poupar mesmo durante o cozimento. O ideal, afinal, é não “afogar” verduras e legumes para não perder vitaminas nem minerais. E essa mesma quantia pode ser usada, depois, para o feijão ou o arroz. É reaproveitamento.
Do mais, sempre cabem as dicas básicas. Tome banhos mais curtos; feche o chuveiro para se ensaboar; tome cuidado com qualquer vazamento pela casa; use a descarga do vaso com consciência; limpe a louça antes de lavar; use a vassoura para limpar a calçada; e evite ao máximo a utilização de mangueiras. Use a criatividade, pois sempre há opções mais inteligentes e que não consomem tanta água. Precisamos nos conscientizar!