Qualidade de vida. Famílias de citricultores contam como a sucessão ocorreu naturalmente para os jovens
O êxodo rural preocupa muitos agricultores que esperam que seus negócios prosperem e continuem ao longo dos anos através de seus filhos e netos. O fenômeno é recorrente com jovens, que optam por sair do campo e buscar melhores oportunidades nos centros urbanos. Porém, em famílias em que a terra já passa de geração em geração, muitos dos filhos optam por permanecer e empreender, e esse é o caso das famílias de citricultores Dietrich e Frank, de Pareci Novo.
Guilherme Luis Dietrich, de 22 anos, é o filho mais novo do casal Nascir e Gilmar. O rapaz já administra a propriedade ao lado do pai, e tem responsabilidades exclusivas nos negócios. Segundo ele, o amor pela terra é algo natural que foi se desenvolvendo com o passar do tempo. “Nunca pensei em morar na cidade ou trabalhar com outra coisa. Vai fazer seis anos que eu me formei no ensino médio, e antes disso eu sempre estudava durante a noite e trabalhava durante o dia na roça. Quando eu era mais novo eu também ajudava um pouco, era normal”, fala Guilherme.
A família mora na localidade de Matiel, na propriedade que pertencia ao pai de Gilmar, e a agricultura faz parte do sustento há quatro gerações. Nascir comenta que era visível a diferença dos gostos de Guilherme e da irmã, Denise, de 25 anos, que é nutricionista. “A gente via que o Guilherme tinha muito interesse desde pequeno, além dos horários que ele faz normalmente, muitas vezes ele levanta de madrugada e pega o trator para fazer o tratamento do pomar. A Denise fazia comida, lavava roupa, limpava a casa, tudo ela sempre fez pra não ir junto pra roça, mas ela ia quando a gente pedia”, relata Nascir.
Gilmar e Guilherme começam cedo os afazeres do pomar, onde cultivam 20 hectares de bergamota e laranja. Às seis da manhã, eles já estão em pé, e na época da colheita chegam a trabalhar de 12h por dia de segunda a sábado, mas se engana quem pensa que isso desanima o jovem. Para ele, isso vale apena. “Sempre gostei de trabalhar na agricultura, e acho que estou melhor assim do que se estivesse ganhando um salário fixo por mês, porque não me falta nada aqui. Depois que passa a época da colheita, se eu quiser passar uma semana na praia para descansar eu posso ir, porque não tem quem vai mandar em mim. Eu posso decidir quando fica melhor”, diz ele.
“Nós compramos umas áreas, e acredito que daqui a uns 10 anos nós vamos dobrar a produção, e eu pretendo continuar investindo. Na minha visão, o negócio precisa ser bem administrado, tendo uma safra boa e com lucros”, diz Guilherme, já pensando no futuro.
“É preciso ter perspectiva de vida”
Bergamota Ponkan, Caí, Montenegrina e Pareci; e Laranja Charmut e do Céu. Essas são as variedades de citrus que João Frank, de 27 anos, já está administrando na propriedade do pai Martinus e da mãe Toni, na localidade de Coqueiral. As terras são do avô de Martinus, que veio da Alemanha e enraizou a agricultura na família. “Nós sempre plantamos, mas era mais pra subsistência, até animais tínhamos. Eu assumi depois do meu pai e comecei a vender mais para fora”, diz o chefe da casa.
O jovem assumiu as responsabilidades das vendas e da terra, mas trabalha em conjunto com o pai e o tio, que também ajuda nos afazeres. “Dependo do dia a nossa rotina muda, mas quando tem muita fruta a gente vai para os pomares umas 7h, e vamos de tarde também. Tentamos fazer oito horas por dia”, explica João.
Para ele, continuar trabalhando na propriedade foi algo que ocorreu naturalmente, mas afirmou que teve épocas em que não gostava muito. “Eu até fiz uma vez um curso de eletrotécnica. Era uma coisa que eu gostava, mas não insisti. Com uns 12 anos comecei a ir à roça ajudar um pouco, não gostava, mas ia. C om uns 15 anos que comecei a pegar o gosto, e cada vez eu estou gostando mais, não me vejo fazendo outra coisa”, fala o rapaz.
João conta que está sempre envolvido com os assuntos do pomar, e que está feliz com a vida que leva. “Uma vez me perguntaram em um curso o que fazia o jovem ficar na roça. Eu acho que é ter perspectiva de uma vida boa, na roça não se tem o salário fixo, é um pouco mais arriscado, mas também no ano que se tem uma safra boa se ganha bem mais do que se fosse trabalhar de empregado em uma firma”, relata o jovem.
“Muitos se contentam com um salário pequeno, mas dá para ganhar bem na roça, só tem que se esforçar. O jovem precisa ter perspectiva de futuro”, afirma João. A mãe, Toni, diz dar todo o apoio que pode para o filho e que tudo que fazem é para o bem dele. “Essa terra vai ser do João, ele não está trabalhando em vão. Tudo que ele prepara nela, melhorando e investindo, vai voltar para ele no futuro”, comenta ela.
Investimento e valorização dos jovens
Além dos ensinamentos dos pais, a troca de idéias com pessoas mais experientes e cursos específicos na área ajudaram os dois jovens a aprender mais sobre a lida do campo. “Tudo que eu sei aprendi com o pai, junto com a Emater, em conversa com um ou outro produtor mais experiente, e com vendedores. Eu pesquiso um pouco também, vou atrás do “Tio Google” como falam, mas aprendi as coisas com o tempo”, declara Guilherme.
João credita a melhoria no cultivo pelas experiências que trocou ao longo da vida. “Eu já fiz curso do Sebrae, Senar, e temos o auxílio da Emater, que está sempre ajudando. Esse ano mesmo, eles ajudaram a fazer a programação das pulverizações. Eu e os vizinhos estamos sempre trocando idéias também”, diz. O jovem conta que cursos pequenos são de grande valia, como um de manutenção de motosserra que fez, onde aprendeu a afiar e regular a máquina.
Mas os jovens buscam algo além, fora as técnicas novas que aprendem os dois dizem que sempre estão investindo na tecnologia do campo. “Lembro que quando eu saí da escola nós tínhamos comprado um trator, e eu pensei que ia demorar uns 10 anos para comprar outro, mas tudo muda, a cada ano a gente está investindo, e precisa porque se não a gente não faz mais nada”, comenta Guilherme. A mãe, Nascir Dietrich, fala que compraram recentemente uma área de terra somente devido ao protagonismo do filho na propriedade.
A internet também é presente no dia a dia dos interioranos, João afirma que 90% das frutas negociadas hoje são por meio de mensagens no WhatsApp. “Quando eu era guri tínhamos que ficar correndo atrás das fruteiras, e hoje nem precisa sair mais de casa pra vender”, fala o pai Martinus.
As técnicas novas que João aprende com os amigos e os cursos que realiza já ajudam a produzir mais, e a mãe diz esta muito contente com a nova fase. “O João tem uma visão diferente, e opções diferentes também, a gente não tinha opção no tempo em que começamos então deixamos ele fazer pra ver se vai dar certo, e com certeza está dando”, concluí Toni.
“Melhor qualidade de vida”
A boa qualidade de vida foi elencada pelas duas famílias como uma das principais razões de continuar no campo. João Frank não vê pontos negativos onde mora, e não se imagina morando na cidade “Pra mim qualidade de vida como daqui não tem igual, nós temos asfalto, temos internet, tem água encanada, além de que é tudo mais calmo”, fala.
Apesar de não ter mercados perto de onde mora, o rapaz diz que está satisfeito por morar ali. “A nossa região está a uma hora de Porto alegre, de Gramado, e é a 10 minutos de Montenegro, é um lugar bom, talvez se fosse um lugar muito retirado eu fosse procurar outra coisa, mas estou bem feliz aqui”, declara João.
Nascir, mãe de Guilherme, também acha que viver no interior é muito melhor. “O custo de vida daqui é melhor. Temos água de posso, que é muito melhor, por exemplo, e temos como plantar para comer, o que na cidade é mais difícil”, fala. A escolha de viver no interior é unanimidade entre todos da família Dietrich e Frank, e o que se espera para o futuro também: felicidade e prosperidade para todos independente do que cada um escolha para sua vida.