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Estação: 110 anos de história, cultura e amor

Ao longo do tempo, espaço para o desenvolvimento do Município passou por altos e baixos.

A antiga Estação Ferroviária de Montenegro está de aniversário nesta terça-feira, 2. Completa 110 anos de uma história de altos e baixos. Passou de principal meio de transporte de riquezas e desenvolvimento ao Município, até 1965, a ruínas causadas pelo abandono. Atualmente, por outro lado, o espaço é um complexo de arte e cultura, em grande parte, por causa do amor da comunidade pelo espaço. O fato de o bairro que a cerca ter recebido o nome de Ferroviário não é obra do acaso.

No começo, o trem era um dos principais meios de transporte. Composições vindas de Santa Maria, Uruguaiana e dos estados do Paraná e São Paulo alcançavam a capital gaúcha, facilitando a vida de todos.

Na época, a Estação era o espaço de grande efervescência. Além de toda uma diversidade de produtos, também eram transportadas cargas vivas. O gado ficava no terreno em frente ao campo do 5º Batalhão de Polícia Militar (BPM), até ser buscado por colaboradores do antigo frigorífico Renner, onde era abatido.

O armazém utilizado como depósito de mercadorias tinha estruturas que permitiam a passagem de vagões por seu interior, facilitando a carga e a descarga. Atualmente, está em ruínas.

Antiga Estação Ferroviária de Montenegro. Na frente, o trem Minuano
Foto: Acervo Museu Histórico Municipal

O complexo foi abandonado e castigado pelo tempo, mas grande parte já está recuperada. O espaço é amplo. O prédio principal, de alvenaria, atualmente abriga o Museu de Artes de Montenegro (MAM), restaurado em 2006. Ali eram vendidos os bilhetes ou passagens. O imóvel dos Correios e telégrafos, usado também para o controle dos trens, foi revitalizado e entregue à comunidade em março de 2009. Com várias salas, é usado principalmente para reuniões e palestras. O prédio do antigo restaurante estava muito danificado, mas foi recuperado e transformado no Espaço Cultural Braskem, inaugurado em 21 em agosto de 2016.

As três etapas de reconstrução contaram com patrocínio da Copesul Braskem, através da Lei de Incentivo à Cultura, com contrapartida do Município. O projeto arquitetônico principal é do montenegrino Pedro Bühler.

Os dois prédios em frente ao complexo, a antiga Farmácia e a sede da Cooperativa dos Ferroviários, foram adquiridos pela Prefeitura e, atualmente, abrigam o Museu e o Arquivo Histórico. Onde hoje funciona o CTG Os Lanceiros ficava a oficina para o conserto de máquinas estragadas. No conjunto da Estação, existem ainda duas casas usadas por ferroviários.

Clarice em frente ao Espaço Cultural Braskem

A presidente da Entidade de Filantropia Cultura e Arte (Efica), Clarice Biehl, salienta ter havido muita luta de diversos representantes da instituição, por quase 50 anos, e de outras organizações, para garantir a revitalização. A Efica, inclusive, precisou mudar o seu estatuto e nome para se tornar produtora cultural voluntária. Antes era chamada de Embaixada Feminina de Intercâmbio Cultural, fundada em 23 de outubro de 1970. “Transformar as ruínas em um espaço de incentivo da cultura e das artes é a realização de um sonho”, frisa, deixando claros, no semblante, a emoção e o amor pelo local. Ela ressalta ainda haver muito a conquistar e a importância da parceria com a comunidade, setor público e privado. Entre as metas, está a recuperação da antiga casa do maquinista, maltratada pelo tempo e alvo de vândalos. Já há um projeto em tramitação neste sentido, conduzido pela Efica, inclusive.

Moradores e incêndio no local

Antes da restauração da antiga Estação Ferroviária, sete famílias, a maioria descendentes de ex-colaboradores da Rede, viviam no espaço, de forma improvisada e expostas, além da insalubridade, ao risco de desabamentos. Em 22 de maio de 2003, uma delas deixou o lugar espontaneamente. As outras receberam notificação judicial na semana seguinte.

No mesmo ano, com os “inquilinos” abrigados longe dali, um incêndio destruiu o armazém dos telégrafos e correios. O sinistro teria sido causado por um usuário de drogas. Ninguém ficou ferido, mas, ainda assim, o caso teve bastante repercussão em Montenegro.

No dia 3 de janeiro de 2000, o Corpo de Bombeiros já havia interditado o antigo armazém da Estação Ferroviária. Diversas telhas caíram, mas não atingiram ninguém. Famílias ocupavam o local como moradias improvisadas e precisaram deixar o espaço. A maioria também era de descendentes de funcionários da companhia.

Cooperativa abastecia os ferroviários

O pai de Joice Gari Flores Dutra, 76 anos, Silvanir da Silveira Dutra, foi ferroviário. Ocupou os cargos de agente, de guarda de freio e de chefe de trem. O filho, ao lado do concunhado Irahy Renner de Souza, fazia parte da cooperativa, localizada em um prédio em frente à Estação, responsável por vender diversos produtos aos trabalhadores, como mantimentos e tecidos. “A gente vendia de tudo. Tínhamos fábrica de bolacha, café e sabão em Santa Maria. Nós tínhamos o caminhão, que nos entregava as mercadorias, depois vendíamos para os ferroviários e despachávamos os ranchos para eles pelo trem. A cooperativa foi criada em função dos ferroviários”, lembra Joice.

Pelos trilhos, eram transportadas diversas mercadorias, até gado vivo.

Ele ingressou no negócio em 1958. Joice tem claro na memória como era a circulação de pessoas nos arredores naquele tempo. “Quando entrei na cooperativa, era uma coisa de louco. O movimento era muito grande, tudo vinha pelo trem”, lembra. Atualmente, ele é coordenador de Portaria do Hospital Montenegro (HM), onde ingressou há 24 anos. Apesar dos 76 anos de idade, deixar a função não está nos planos. “Enquanto der, vou ficar aqui”, frisa.

Carinho da comunidade foi decisivo para investimento de empresa

Em janeiro de 2004, representantes da então Copesul (mais tarde foi incorporada pela Braskem) visitaram o complexo. O encontro com os moradores foi decisivo para a decisão da companhia de ser parceira no projeto de recuperação do espaço. Puderam perceber o carinho e o amor dos moradores pelo local. Em novembro daquele ano, a Efica anunciou a restauração do prédio principal com patrocínio da empresa. As obras iniciaram em junho do ano seguinte. A inauguração ocorreu no dia 1º de dezembro de 2006.

Uma das próximas metas é recuperar a casa do maquinista.

O diretor de Relações Institucionais no Rio Grande do Sul, João Freire, participou de todo o projeto. “Percebemos a relevância daquele acervo histórico para as pessoas da comunidade. Todo mundo que conversava conosco se referia a um episódio histórico, familiar, do avô, do pai que chegou à cidade através da Estação”, recorda. Com esta leitura, foi possível ver que havia uma possibilidade na época, depois concretizada, de sustentabilidade daquele acervo cultural. Investimentos como esse, aponta João, só tem sentido quando valorizados pelos cidadãos, como ocorre em Montenegro. “A comunidade abraçava e abraça até hoje a Estação”, completa.

“Muito da cultura da cidade gira em torno daquele espaço físico. Tem atividades diárias lá, toda a comunidade participa”, salienta Vick Martinez, também representante da Braskem na ação. Ela salienta o fato de a companhia promover no local atividades relacionadas a temas como sustentabilidade e reciclagem.

Viagens e passeio movimentado

Ruben Hermann, 76, lembra de andar no trem uma vez, quando tinha cerca de 15 anos. O desenhista, publicitário e decorador explica que, na época, o espaço era bastante movimentado. Ele comemora o fato de diversos eventos serem realizados na Estação da Cultura. Para ele, isso ajuda a reforçar o título de “Cidade das Artes”. “Montenegro é berço de cultura mesmo, a cidade é muito boa para isso”, sublinha.

Ruben Hermann

Atualmente vivendo na Casa de Amparo Mão de Deus, Rubem trabalhou na Fundarte, dando aulas, e na Editora Globo. Também fez faculdade de Belas Artes em Novo Hamburgo.

Shirley Becker, 83, mora em frente à Estação há 12 anos e participou da mobilização pela restauração. Também segue empenhada pela manutenção do local. Além disso, sente saudade de andar na Maria Fumaça. “Eu viajei muito de trem com meus pais, era o transporte da época. Tenho uma nostalgia grande da ferrovia, gostaria muito que ela voltasse a funcionar no Brasil inteiro”, afirma. Apesar de não ser de uma família de ferroviários, Shirley foi muito bem recebida no bairro. Por isso, sente-se feliz por morar ali. “Acompanho tudo com muita preocupação, porque gostaria que tivesse mais apoio”, pondera.

Pracinha foi feita por associação

A pracinha localizada na Estação é um exemplo simples de como, como boa vontade, não é preciso esperar pelo poder público. O espaço para as crianças foi feito graças ao trabalho da Associação Amigos do Serviço de Patrimônio Histórico e Cultural (AASEPAHC).

Elbia e Rudi estão entre os apoiadores do espaço.

O presidente da entidade, Rudi Hartmann, embora ressalte grande disposição para continuar lutando pela história, cultura e arte no Município, não se restringindo à Estação, lamenta, ao lado de seus parceiros de causa, não conseguir fazer mais. “Com os poucos recursos que temos disponíveis hoje, não temos como abraçar tudo. Fazemos o que conseguimos”.

A Associação conta com a contribuição dos cerca de 30 associados e doações de empresas. Ele pede maior apoio da comunidade. “As pessoas pensam muito assim: ‘se o Município não faz, por que eu vou fazer?’, estão desiludidas”, lamenta. Ele também elogia o trabalho da Efica e salienta a importância da parceria entre as duas instituições.

Passeio de famílias e brique

A Estação da Cultura, durante os finais de semana de tempo firme, é destino certo para muitas famílias da região. O amplo espaço a céu aberto é convidativo para uma boa conversa, acompanhada de um mate. Isso, sem contar todo um leque de eventos disponíveis. Entre eles, sempre no primeiro e terceiro domingo de cada mês, tem o Brique na Estação Arte e Artesanato.

A coordenadora da iniciativa, Elbia Souza, ressalta o crescimento do evento. Já são mais de 20 expositores. Há dois anos, eram oito. “Estamos, aos poucos, acostumando o pessoal a frequentar aqui, a ajudar a conservar e ter um espaço para aproveitar”, comenta, lembrando o aumento do público e a estrutura adequada para a realização. Os participantes conquistaram, inclusive, uma sala no complexo para armazenar seus materiais utilizados para organizar a exposição das mercadorias.

Evento marca a data especial

A Prefeitura irá realizar um evento na Estação em comemoração aos 110 anos do espaço, nesta terça-feira, 2, a partir das 19h. Acontecerá exposição com objetos e obras de arte, apresentações artísticas (Coral Vozes e Vandré da Rosa). Haverá, ainda, lançamento de vídeo comemorativo, contemplado pelo projeto Cultura na Estação, que tem como patrocinadora a empresa Braskem.

Já no dia 9 de julho, acontecerá a primeira edição da “Noite dos Museus”, que contará com atrações, sorteio de brindes e exposições interativas. O evento ocorrerá nos dois museus (MAM e Museu Histórico Nice Antonieta Schüler).
O Museu de Arte recebe diversas exposições, anualmente, de artistas de todo o Rio Grande do Sul. As salas da Estação são utilizadas conforme agendamento, tendo muita procura para diversas finalidades. É preciso abrir um protocolo. Mais informações pelo (51) 3632-1987.

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