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Do campo para a indústria, bergamota movimenta a economia da região

Erci e a esposa Elizabete Kerber iniciaram no cultivo de citros em 1993. Vendiam a produção na propriedade mesmo ou no comércio da cidade. Por mais de dez anos, foi assim que conseguiram se manter na atividade. Somente em 2006, quando alguns produtores se uniram e criaram a Associação Montenegrina de Fruticultores (AMF) é que o cenário mudou. “Aí a gente ampliou a plantação. Ali pra cima”, mostra seu Erci, apontando para o morro. “Tudo aquilo ali a gente plantou depois que surgiu a Associação. São uns 3,5 mil pés a mais”.
A ampliação na produção possibilitou que a família colhesse, apenas em 2017, o equivalente a 7 mil caixas de citros. Com a união dos produtores, a fruta é beneficiada e comercializada para fora do Estado. “Fruta é assim: ou tu ‘tá’ dentro, ou ‘tá’ fora”, afirma Erci.
Fabiano Ost, presidente da AMF, comemora a viabilização da associação, uma vez que permitiu aos associados agilizar o processo de beneficiamento. “Fazemos a lavagem e a classificação das frutas, que são vendidas para Santa Catarina, Paraná e São Paulo, tudo de um jeito mais rápido”, comenta.
Apesar da projeção positiva da bergamota montenegrina, para seu Erci, a preferida é a Caí. “Ah…ela exige menos investimento e tem um trato mais em conta. Acho que é a Caí que dá mais”, comenta. “A fruta exige cada vez mais investimento. Acredito que o mercado ‘tá’ cada vez mais exigente”, analisa o citricultor.
As eventuais perdas são encaminhadas à cooperativa Ecocitrus. Somente neste ano, seu Erci conta que o grupo de produtores (cinco, no total) entregou mais de 1,3 mil toneladas de citros. Fruta que virou energia, com o GNVerde.
Agora, o campo que antes era utilizado para o gado de corte se tornou o esteio da renda familiar. Segundo o escritório regional de Lajeado da Emater-RS/Ascar, no Vale do Caí três mil famílias têm na citricultura a principal ou secundária atividade.

Através do cooperativismo, produtores se empoderam

Provavelmente nem o mais utópico dos primeiros associados da Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus) imaginava que a entidade, fundada em 2 de novembro de 1994 com o objetivo de empoderar o agricultor desde a produção até a comercialização da fruta, se transformasse numa referência na industrialização de sucos e também de combustível renovável. Porém, foi esse o caminho que a cooperativa tomou ao longo dos anos e tornou-sae modelo no seu ramo.
Hoje, além dos 85 associados, a Ecocitrus conta com 70 colaboradores. Eles são os responsáveis por tocar a indústria de sucos e de óleos essenciais localizada em Potreiro Grande e também as usinas de compostagem e de biogás, em Passo da Serra. Com as plantas localizadas no interior de Montenegro, os agricultores passaram a gerir toda a cadeia produtiva dos citros.
De acordo com o vice-presidente e gerente de relações institucionais da entidade, Ernesto Carlos Kasper, a primeira fase da Ecocitrus passou pela criação de um espaço para a transformação de resíduos de indústrias do Vale do Caí em composto orgânico, ou seja, a instalação da usina de compostagem. “O problema das indústrias virou uma solução para nós”, observa. Já produzindo insumos para a conversão da produção convencional em orgânica, os cooperados deram seu próximo passo: a aquisição, em 1998, da área de 80.000 m² onde está localizada hoje a indústria de sucos e óleos essenciais.
Foi nesse espaço que os citricultores assumiram as rédeas da sua produção, fazendo o beneficiamento e a classificação de suas frutas e vendendo-as diretamente aos supermercados, sem nenhum atravessador no processo. Segundo Kasper, neste procedimento foi observada a dificuldade de comercializar frutas que o mercado não queria e, deste desafio, surgiu uma inovação. “Tem a (fruta) miudinha, tem a feinha. ‘Tá’ e aí, o que vamos fazer com essa fruta? Vamos das para as vacas comer? Não, vamos agregar valor a elas fazendo suco”, relata, repetindo o raciocínio feito na época. A partir de então, uma agroindústria para a fabricação de sucos foi criada, minimizando a quebra na hora da venda.

CERCA DE 70% da produção da Ecocitrus vai para o exterior. Suco concentrado é armazenado em tambores

Porém, a entidade observou no mercado que o suco vende quando apresentado como orgânico, mas a fruta in natura nem tanto. Esse comportamento do consumidor levou a uma nova mudança na Ecocitrus: o comércio da fruta in natura deu lugar à exclusiva produção de sucos. Tanto que, em 2013, quatro anos após implantar a extração do óleo essencial da casca das frutas do raleio, a entidade inaugurou sua planta de extração de sucos integrais. Um ano depois, foi a vez de inaugurar o procedimento pra extração do suco concentrado, hoje principal atividade da entidade.
Atualmente, a indústria possui capacidade para trabalhar com até 20 mil toneladas de frutas ao ano. No entanto, a produção anual dos associados da Ecocitrus é de em torno de cinco mil toneladas. Para não deixar a fábrica ociosa, a cooperativa passou a prestar serviço para terceiros, assumindo um importante papel para o desenvolvimento da produção e industrialização de sucos, não só para outras empresas da região, mas também para empreendimentos de fora do país.

Do pé para a mesa do consumidor

A fruta que seu Erci produz sai da propriedade, vai para a Associação Montenegrina de Fruticultores, é beneficiada e revendida. Quando chega na indústria, vira suco, óleo, energia ou ainda segue in natura para a mesa do consumidor.

ANDREA escolhe as frutas cuidadosamente antes de levar para casa

Enquanto seu Erci e dona Elizabete investem na ampliação da área destinada ao cultivo das frutas, que cada vez requer maiores investimentos, o consumidor está ficando mais exigente. Andrea Cabral, 30 anos, manicure, é uma destas consumidoras. Para ela, que vai pelo menos duas vezes por semana ao supermercado, os citros devem ter sempre aparência saudável. “A fruta precisa estar bonita. Não gosto quando ‘tá’ murcha. Precisa ter qualidade”, destaca.

ELZIRA optou pelos sucos para complementar a alimentação

 

Qualidade que é pensada lá no primeiro passo, desde o plantio, passando pela indústria e chegando ao consumidor final. Aquele que, como dona Elzira dos Santos, 58 anos, doméstica, lê minuciosamente o rótulo das embalagens de suco. “Precisa ser o mais natural possível”, alerta ela, que deixou de tomar refrigerante há anos e optou pelos sucos. A cadeia produtiva que se criou em torno das frutas é grata a pessoas como ela.

Biogás vira exclusividade da empresa

Após se reunir com investidores europeus e não ver vantagem na sua oferta, a Ecocitrus decidiu se aliar ao setor acadêmico para desenvolver sua própria usina de biogás e, através do Consórcio Verde Brasil – do qual também fazem parte a Naturovos e a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) –, passou a produzir o GNVerde, combustível renovável feito a partir do gás metano. E, apesar dos percalços encontrados na burocracia para comercializar o biometano, a cooperativa tira vantagens do produto exclusivo produzido desde 2014.
Através de um motor adaptado para funcionar com GNVerde, um gerador é usado para fornecer energia elétrica para a usina de biogás. “Tínhamos uma conta por mês de R$ 20 mil. Não chegamos a zerar, mas diminuiu o valor”, aponta o vice-presidente de Ecocitrus, Ernesto Kasper. Ele revela que o plano é instalar um sistema semelhante na planta de produção de sucos. Além disso, toda a frota da Ecocitrus foi convertida para rodar a gás e é abastecida com o biometano.
“Os associados que têm o carro a gás abastecem lá”, ressalta Kasper. Segundo o gerente de relações institucionais, é cobrado deles apenas o valor simbólico de R$ 1,00 por metro cúbico abastecido. “Se eu abastecer no posto normal, o gás aqui no Rio Grande do Sul está de R$ 2,80 a R$ 2,90 o metro cúbico. A gasolina está R$ 4,20”, observa. Proprietário de um carro que roda também com gás, Kasper diz que chega a fazer 17 quilômetros com um metro cúbico do produto. Se o combustível escolhido for a gasolina, essa média cai para 12 quilômetros por litro.

 

* Participação: André Rafael Herzer

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