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“Cidade das Artes” está há três anos sem destinar recursos ao Fundo de Cultura

Há grupos, inclusive, que foram contemplados em 2016 e até hoje não receberam o incentivo

O Fundo Municipal de Desenvolvimento da Cultura, o Fumdesc, passou a valer em 2010, substituindo o anterior Fundo Municipal de Fomento à Produção Artística e Cultural, o Fumprocultura. Ele visava destinar recursos a projetos artísticos de Montenegro e, ao contrário de seu antecessor, abrir a possibilidade de contemplar diferentes manifestações culturais: de escritores, músicos, pintores e grupos de teatro até entidades ligadas ao Carnaval. Passaram a sair editais anuais de, em média, R$ 100 mil, divididos entre os projetos inscritos e contemplados.

Mas aí as despesas da Prefeitura passaram a apertar e o Poder Público usou de uma lógica básica para quem se encontra diante de uma crise econômica: cortar o que não era assim tão necessário para atender aos setores mais essenciais. Ao menos foi essa a justificativa que o então secretário de Administração da gestão Aldana, Rafael Riffel, deu quando questionado sobre o tema na Câmara de Vereadores, no início de 2017. Desde o ano anterior, o Fumdesc tinha sido desativado, cortando inclusive os repasses a projetos que já haviam sido aprovados. Assim segue até hoje.

Coral Vozes foi “convidado” a se apresentar na Sessão Solene pelo aniversário de Montenegro no início do mês. A participação nos eventos do Município seria uma contrapartida aos incentivos recebidos do Poder Público

Quem for consultar o valor existente no Fundo dentro do atual orçamento da Prefeitura encontra somente R$ 100,00 disponíveis aos artistas montenegrinos. Não é piada. Conforme a diretora do Departamento de Cultura do Município, Priscila Nunes, o valor irrisório é uma ferramenta para que o Fumdesc tenha uma dotação anual aberta a ele. Sendo assim, a Administração fica com a possibilidade de, através de decreto, remanejar recursos ao Fundo. “Quando não se tem a dotação aberta, aí é preciso abrir crédito suplementar e tem toda uma questão orçamentária”, explica. Ano após ano, no entanto, essa “possibilidade” não é revertida em ação.

“Sempre bate na questão ‘não tem fundo, não tem fundo, não tem fundo”, conta o diretor da Companhia de Teatro Renascença, Everton Santos. Membro do Conselho Municipal de Cultura e à frente de um grupo com mais de três décadas de história e que já levou o nome de Montenegro para festivais no Chile e na Argentina, ele reconhece o lado da dificuldade financeira, mas avalia que falta atenção ao segmento em um município que se autointitula “Cidade das Artes”.

“Também são questões de gerenciamento”, aponta. “Não é só dizer que não tem dinheiro, mas trazer os grupos, trazer a representatividade, e ter claro quais são as possibilidades e de que forma se vai caminhar. É, no mínimo, demonstrar um interesse de que se quer resolver de alguma forma.”

Everton lembra que o Renascença já tinha sido aprovado para receber recursos do Fundo em 2016, mas acabou sendo barrado pela suspensão. Prefeito da época, Luis Américo Alves Aldana assinou um documento sem falar em interrupção. Apenas colocava que haveria uma maior espera para efetivar o repasse devido ao período de campanha eleitoral daquele ano. Só que ele se reelegeu, assumiu a Administração e nada de Fundo. “Eles já sabiam que não ia ter mais, na época (eleitoral)”, critica o artista. “Aquilo foi um desgaste desnecessário para os grupos.”

Everton Santos, diretor da Companhia de Teatro Renascença

“O Fundo de Cultura não é para ser bonzinho”
A colocação do diretor Everton Santos esclarece quais são os objetivos das manifestações artísticas que eram fomentadas via Fumdesc. “O Fundo vem para fazer um trabalho que os braços do Município não têm estrutura para fazer”, complementa.

Nos editais, não era qualquer projeto que recebia aprovação. Era necessário que eles passassem por muitos crivos, estivessem bem encorpados e oferecessem contrapartidas à comunidade. No caso da Companhia de Teatro Renascença, por exemplo, o recurso para a organização de um espetáculo era “pago” com diversas outras atividades.

“Fazer projetos, fazer oficinas”, exemplifica o diretor do grupo. “Vamos dizer que as crianças de determinada escola estavam precisando de uma atividade extracurricular referente à leitura. Aí entrava o Renascença com um trabalho de contação de histórias, todo artístico e lúdico, feito por pessoas com a formação técnica e a responsabilidade para desenvolver aquele trabalho.”

O Renascença conduzia oficinas pelas localidades do interior; e fazia atividades em asilos e com crianças, sempre com projetos que buscavam a reflexão. Hoje, o grupo de atores ainda segue promovendo atividades do tipo, ciente do papel transformador das artes e da importância de seu trabalho, mas se virando através de parcerias ou tirando dinheiro do próprio bolso para se manter funcionando.

Parte do trabalho realizado pela Companhia de Teatro Renascença está nas oficinas conduzidas nas escolas, que têm papel importante na formação dos pequenos

Em situação parecida está o Coral Vozes. Também com 31 anos de história, a entidade já foi referência no Estado, motivo de orgulho ao representar os montenegrinos em importantes eventos, como o famoso “Natal Luz” de Gramado. Hoje, muitas vezes, ele precisa recusar convites para apresentações pelo fato de não ter recursos para deslocamento e uniformes.

Norildo de Andrade, regente do Coral Vozes e do Coral de Santos Reis

“Precisa mais interesse”, desabafa o regente do grupo, Norildo Pereira de Andrade, diante da situação. “Precisa o Poder Público entender a importância que as manifestações artísticas de dentro da cidade têm para a cidade.” O único apoio dado ao Vozes pelo Município é a cessão do Espaço Braskem, da Estação da Cultura, para os ensaios semanais.

E assim como o Renascença, mesmo sem receber incentivo, o Coral e seus membros que, após longos dias de trabalho tiram tempo de sua rotina para se dedicarem ao canto, seguem “devolvendo” à cidade com a arte. Cantaram gratuitamente, por exemplo, na recente Sessão Solene de aniversário de Montenegro na Câmara de Vereadores. Eles também tocam um projeto de visitas a asilos, escolas e ao Hospital que encanta muita gente.

Para os custos – até mesmo o regente, com formação específica, é pago – o grupo se desdobra promovendo rifas, galetos, sopas de ervilha e cafés coloniais. Norildo conta que o Vozes chegou a tentar incentivos através da lei Rouanet, do governo federal, mas, apesar de aprovado, não conseguiu recursos na fase de captação do programa. “É uma dificuldade enorme”, avalia.

Ainda há pendências em prestações de conta
Após o impeachment de Luis Américo Aldana em setembro de 2017, representações artísticas estiveram em reunião com seu sucessor, o atual prefeito Carlos Eduardo Müller (Kadu). “Ele foi bem solícito com a gente”, admite o artista Everton Santos. “Nos passou que só iria esperar as questões jurídicas das trocas de governo e, posteriormente, ver como fomentar”. Por enquanto, ficou só na conversa.

A diretora do Departamento de Cultura da Prefeitura, Priscila Nunes, explica que, hoje, o Município vem trabalhando na revisão de processos anteriores de repasses do Fumdesc. Isso junto do Conselho Municipal de Cultura, que tem caráter consultivo na análise e escolha dos projetos contemplados.

“A gente está resolvendo questões de prestação de contas que ainda estão pendentes”, revela. “Fizemos com os de 2014 e os de 2015 e, agora, estamos chegando em 2016 para analisar. O Conselho está liderando essas situações para que, quando abrir novo edital, isso possa ser feito com maior segurança.”

Priscila Nunes, diretora do Departamento de Cultura da Prefeitura

Priscila não faz promessas. Diz que também está se buscando o alinhamento com recentes atualizações na legislação que se refere às parcerias do tipo; e uma melhor avaliação das demandas dos artistas locais e das diferentes manifestações existentes em Montenegro.
“Nós temos um leque muito grande, então a gente tem que contemplar todos de alguma forma”, salienta, adiantando que um edital de chamamento aos corais montenegrinos é o que está melhor encorpado, hoje, para um futuro lançamento.

Todo esse planejamento interno para a utilização do incentivo, porém, segue sem ser uma garantia de sua disponibilidade. “A gente não pode prometer o que talvez não se tenha”, ressalta a diretora. “O Fundo é só de recurso livre, direto dos cofres do Município. Não é como o Fundo do Idoso, por exemplo. Então também vai depender da disponibilidade financeira”.

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