O Hino Rio-grandense tem trecho racista?

Montenegrinos divergem na opinião sobre a estrofe “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”

Mais uma vez a discussão sobre o Hino Rio-grandense possuir ou não um trecho de cunho racista é alvo de debate público. O assunto veio à tona após o protesto de cinco parlamentares negros na cerimônia de posse de vereadores na Câmara Municipal de Porto Alegre. Na ocasião eles ficaram sentados e não cantaram o hino, porém isso “incomodou” colegas e muitos tradicionalistas.

O trecho “povo que não tem virtude acaba por ser escravo” divide opiniões em todo o Estado. Para algumas pessoas os versos apontam e legitimam a diminuição dos negros; para outros é uma questão história, sem relação com raça. Em Montenegro, o assunto também foi debatido e é alvo de críticas no movimento negro.

Rosemere da Rosa da Silva, 43 anos, professora na Escola Municipal Ana Beatriz Lemos e integrante do Coletivo de Profes Pretos de Montenegro, ressalta que há uma necessidade de reparação no hino Rio-grandense. “Quando tu está dentro de uma escola, o que tu conta em relação a história da Revolução Farroupilha? Tu conta o grosso onde o branco é o herói, só que esquece de contar do massacre de Porongos, que é uma parte muito importante da nossa história e é negado dentro da sala de aula, e isso tem muito a ver com a necessidade de fazer a reparação no hino do Rio Grande do Sul”, indaga.

Segundo o livro “História Regional da Infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras”, do jornalista Juremir Machado da Silva, durante a Guerra dos Farrapos os negros foram traídos ao guerrearem com a promessa de liberdade, e ao final sofrerem uma emboscada combinada entre David Canabarro e Duque de Caxias. No dia 14 de novembro de 1844, mais de 100 negros foram assassinados e os que sobreviveram foram enviados à corte brasileira.

A professora ainda relembra que nem todos foram escravos. “Sempre quando se fala isso (versos) remete ao negro, então não da para o movimento gaúcho dizer que não, porque estão de novo negando algo que aconteceu. Vamos parar de negar e trazer à luz essa história toda, na integra”, conclui.

Também professora no município e integrante do Coletivo, Jaqueline Rocha da Rosa, de 39 anos, destaca que no Rio Grande do Sul os escravizados eram negros. “No momento que dizemos que o povo não tem virtude faz referência ao povo negro”, comenta. “Hoje precisamos mais do que nunca; como mulher preta, professora e mãe de filhos pretos rever como contar a história de maneira íntegra, pois só se fala de uma parte sobre a Guerra dos Farrapos e os lanceiros são muitas vezes esquecidos. Mas sabemos que a luta não vai ser fácil, mas nunca é fácil e não vamos desistir”, completa.

Falta contexto

Para os integrantes do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) é necessário um contexto histórico e social para a avaliação do trecho polêmico do hino. Na visão do coordenador da 15ª Região Tradicionalista, Edgar Barnasque dos Santos, a estrofe não é discriminatória. “Apenas serve como um incentivo e uma forma de fazer com que as pessoas tenham cultura, tenham responsabilidade, e que as virtudes nossas sejam desenvolvidas. […] Tu acaba de certa forma se tornando escravo de todos os valores, mas isso não significa que tu estejas discriminando ou fazendo qualquer analogia à raça ou credo”, explica. Para ele nada tem relação com a raça negra.

Ainda no dia 3, uma manifestação no perfil do MTG foi realizada pela diretora do Departamento de Manifestações Individuais e Expontâneas do MTG, Julia Graziela Azambuja. Na fala, ela considera que o trecho diz respeito a uma submissão da então Província de São Pedro ao Império, no período da Revolução Farroupilha, e a interpretação de que teria cunho racista necessita de contextualização histórica.

“Enquanto a comunidade negra, na qual integrantes do próprio movimento se inserem, se prende a este tipo de polêmica, perde um precioso tempo de ser protagonista de uma nova história que cabe aos próprios negros e brancos escreverem. O MTG reconhece a importância dos negros e dos próprios Lanceiros Negros na revolução e na construção de nossa identidade regional. E tem manifestado esse respeito, inúmeras vezes, através das danças tradicionais, canto e poesia”, disse a diretora. Edgar ressalta que os coordenadores estão cobrando uma posição oficial do MTG como entidade.

Para o patrão do CTG Estância do Montenegro e integrante da 15ª, Teófilo de Azeredo, o trecho se refere a um termo militar, que teve início no começo das civilizações. “Quando um povo entrava em batalha com outro povo, aquele povo que perdesse era escravizado pelo outro. Isso não se refere a racismo, isso pra mim não tem nada a ver, é algo que aconteceu anos atrás no início das civilizações”, fala.

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