O tabagismo ainda representa uma das principais causas evitáveis de morte no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), cerca de 145 mil pessoas morrem por ano no país em decorrência de doenças associadas ao uso de produtos derivados do tabaco. A média é de 477 mortes diárias, número que alerta para a necessidade de políticas públicas e ações individuais voltadas à prevenção.
O cigarro está relacionado a mais de 50 doenças, incluindo diversos tipos de câncer, doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas e diabetes tipo 2. Só o câncer de pulmão, um dos mais diretamente ligados ao uso do tabaco, causa cerca de 26 mil mortes por ano. Doenças cardíacas respondem por mais de 30 mil óbitos, enquanto a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) está relacionada a mais de 40 mil mortes anuais. O tabagismo passivo, por sua vez, é responsável por aproximadamente 20 mil mortes a cada ano no Brasil.
De acordo com a pesquisa Vigitel 2023, 9,3% da população adulta brasileira é fumante. O índice é maior entre homens (10,2%) do que entre mulheres (7,2%). Apesar da redução progressiva no número de fumantes nas últimas décadas, os impactos do consumo continuam sendo significativos, tanto na saúde da população quanto na economia. Estima-se que o tabagismo gere um custo anual de R$ 23,3 bilhões ao sistema de saúde brasileiro.
Diante desse cenário, o foco na prevenção é considerado um dos caminhos mais eficazes. As estratégias incluem ações educativas, restrições à propaganda e comercialização de produtos de tabaco, aumento da carga tributária sobre os cigarros e a ampliação do acesso aos serviços de cessação do tabagismo.
O Programa Nacional de Controle do Tabagismo, coordenado pelo INCA, oferece tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A abordagem inclui acompanhamento psicológico, terapia cognitivo-comportamental e suporte medicamentoso. Em 2024, mais de 420 mil pessoas procuraram unidades de saúde em busca de ajuda para parar de fumar.
Especialistas recomendam que a prevenção comece cedo, com ações nas escolas e comunidades, abordando os riscos do cigarro e os benefícios de uma vida livre da dependência da nicotina. Para quem já fuma, a orientação é buscar apoio profissional e avaliar o impacto do tabaco na saúde e no orçamento pessoal, visto que a cessação pode representar economia financeira significativa, além de ganho em qualidade de vida.
Ex-fumante registra dados dos anos longe do cigarro

O mês de maio marca uma data importante para Heitor Lermen, de 68 anos. No dia 1º, ele completou 31 anos desde que decidiu parar de fumar. A escolha, feita em 1994, ocorreu de forma inesperada, durante um feriado com a família no interior de Canela.
Na época, Heitor não planejava abandonar o cigarro. No entanto, após passar três dias na serra, em contato com a natureza e longe dos hábitos cotidianos, ele percebeu que não havia fumado nenhum cigarro desde a chegada. O cenário tranquilo e o ar puro contrastavam com a rotina em que o tabaco era constante. “O clique veio em um lugar e de uma forma que eu jamais esperava”, afirma.
A data coincidiu com o Grande Prêmio de San Marino, na Itália, marcado pela morte do piloto Ayrton Senna. O acidente não foi o motivo para a decisão, segundo Heitor, mas acabou fixando a data em sua memória. Desde então, ele mantém registros sobre os impactos dessa escolha. Até o dia 1º/05 de 2025 45.250 metros de tabaco e economizado cerca de R$ 329 mil.
A estratégia de anotações adotada por Heitor, é recomendada por Cristina Vaccari, coordenadora do Grupo de Tabagismo da Secreataria Municipal da Saúde de Montenegro. “Pegue um caderninho e registre quanto você está economizando por dia, por mês, por ano. Depois, pense no que fazer com esse dinheiro. Invista.
Faça uma viagem, um passeio, compre algo útil. Tivemos uma participante que usou essa economia para pagar o consórcio de uma moto. É uma questão de planejamento”, incentiva a coordenadora do Grupo.
O caso de Heitor Lermen é um exemplo de cessação do tabagismo sem apoio profissional, embora especialistas recomendem que quem deseja parar de fumar procure acompanhamento médico. “Sempre digo para as pessoas: busquem ajuda. Parar de fumar não é fácil, mas também não é impossível. Requer mudanças, é verdade, mas ninguém precisa passar por isso sozinho. Nós, das equipes de saúde, estamos aqui para dar suporte, não para julgar ninguém”, diz Cristina.
Em Montenegro, existe uma estrutura completa para quem quer parar de fumar: apoio com medicamentos, acompanhamento em grupo, orientações e escuta. “Cada pessoa tem seu tempo e sua história — por isso, cada casa é um caso. O importante é buscar melhorar a qualidade de vida. E o cigarro, infelizmente, não contribui para isso”.

Grupos de Tabagismo oferecem apoio estruturado
Em Montenegro, o tratamento para quem deseja parar de fumar é oferecido gratuitamente por meio dos Grupos de Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde, coordenados pela dentista Cristina Vaccari e pela enfermeira Mariana Luft de Vargas. O serviço funciona atualmente em dois núcleos: na sede da Secretaria da Saúde (Assistência) e na Estratégia de Saúde da Família 3 (ESF3), no bairro Industrial.
Para participar do grupo da Secretaria da Saúde, é necessário realizar uma inscrição presencial no setor de regulação, de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h30. O cadastro pode ser feito pelo próprio interessado ou por outra pessoa, desde que leve nome completo, data de nascimento e um número de telefone para contato. No núcleo do Industrial, as vagas são destinadas a pessoas da área de abrangência da unidade, e o procedimento de inscrição segue a mesma lógica.
Os encontros ocorrem nos mesmos locais onde são feitas as inscrições. São quatro encontros obrigatórios, realizados uma vez por semana. Na Secretaria da Saúde, as reuniões acontecem nas quartas-feiras à tarde. No bairro Industrial, os encontros são às quintas-feiras à tarde.
Após a conclusão dos encontros iniciais, os participantes passam a integrar o grupo de manutenção. Nessa etapa, eles continuam recebendo apoio com medicação e suporte por um período de até seis meses. A participação no grupo de manutenção é livre, cada pessoa pode frequentar conforme desejar, inclusive toda semana, se preferir. No entanto, a equipe reforça a importância de manter o vínculo com o grupo, pois esse acompanhamento contínuo tem impacto significativo no processo de cessação do tabagismo.
Conforme Vaccari, a formação de cada grupo depende da lista de inscritos. Quando há número suficiente, as equipes entram em contato para iniciar as atividades. O programa é dividido em quatro sessões obrigatórias, que incluem escuta, orientações e levantamento da história de uso do cigarro por cada participante. Além disso, há encaminhamentos para outros profissionais de saúde, como psicólogos, psiquiatras e médicos prescritores, sempre que necessário. As medicações utilizadas — como a bupropiona, adesivos e gomas de mascar com nicotina — são fornecidas pelo Ministério da Saúde.
O grupo conta ainda com o apoio da nutricionista Kelly Kerwald e da doutora Ilza Laranjeira, que aplica auriculoterapia como tratamento complementar.
Troca de experiências fortalece abandono do vício
No processo de renúncia do tabagismo, a escuta, a conversa e a troca de experiências entre os participantes do Grupo de Tabagismo têm se mostrado fundamentais. De acordo com Cristina, os encontros não têm caráter punitivo ou de julgamento. “A gente sempre reforça que não estamos ali para julgar, e sim para apoiar. Cada um tem seu tempo. O mais importante é buscar qualidade de vida”, afirma.
Durante os encontros, os relatos pessoais ocupam papel central. Muitos participantes identificam semelhanças em suas trajetórias: o início do uso ainda na adolescência, as diversas tentativas de parar e a dificuldade em lidar com recaídas. O compartilhamento dessas vivências promove acolhimento e reforça o vínculo entre os integrantes.A fala também tem papel terapêutico. A coordenadora destaca que, muitas vezes, o cigarro está associado à ansiedade, e o momento de conversa contribui para aliviar essa tensão.
O espaço de escuta mútua também abre caminho para trocas de estratégias. Participantes compartilham métodos que adotaram em outras tentativas, e essas contribuições são aproveitadas pelo grupo. Além disso, os profissionais que conduzem os encontros também compartilham suas vivências pessoais. Cristina relata que cresceu em uma família de fumantes e que essa experiência contribui para compreender a realidade de quem busca parar de fumar.
Os encontros reúnem, em média, 10 pessoas. Há desistências ao longo do processo, mas o grupo segue ativo. Entre os principais desafios atuais está o aumento da ansiedade, identificado no período pós-pandemia. Cristina observa que muitos participantes têm dificuldade para lidar com o transtorno, o que impacta diretamente no abandono do cigarro. “A ansiedade está muito ligada. A gente tenta encaminhar para psicólogos, mas sempre reforçamos que, além do suporte com medicação, o mais importante é a conscientização. As mudanças precisam partir da própria pessoa”, explica.
Recaídas e apoio familiar: a luta contra doença e isolamento
O tabagismo continua sendo um fator de risco para diversas doenças graves, afetando diretamente a saúde de quem fuma e das pessoas próximas. Entre os principais problemas observados estão enfisema pulmonar, bronquite, asma e diferentes tipos de câncer, com destaque para o de pulmão, mas também envolvendo outras partes do corpo. Problemas cardiovasculares também têm aparecido com frequência associada ao hábito de fumar.
Apesar das orientações médicas e campanhas de conscientização, deixar o cigarro continua sendo um processo difícil. A mudança exigida vai além da interrupção do consumo de nicotina: é uma transformação de hábitos e de rotina. Essa transição nem sempre ocorre de forma linear. Muitos enfrentam recaídas, especialmente após períodos de estresse acentuado, como a pandemia de Covid-19, que aumentou os casos de ansiedade e solidão.
Dentro dos grupos de apoio, as recaídas são tratadas com escuta e acolhimento. “Quem passou por recaída e volta ao Grupo, começa do zero”, relata a coordenadora. A ideia é romper o ciclo de culpa que acompanha o retorno ao vício e oferecer suporte para recomeçar, respeitando as individualidades. A comparação entre os participantes é desencorajada, pois o ritmo de progresso varia entre eles. Enquanto uns conseguem reduzir significativamente o consumo logo nas primeiras semanas, outros enfrentam aumento da ansiedade e recaídas.
Cristina alerta que, além da dependência química, o cigarro impõe uma dependência psicológica. Essa associação é visível, por exemplo, quando o hábito de fumar é substituído por outras ações compulsivas, como o consumo exagerado de doces. A dificuldade de abandonar o cigarro está diretamente ligada à presença constante dele no cotidiano da pessoa, como um mecanismo para aliviar tensões, ansiedade ou solidão.
Nesse cenário, o papel da família é apontado como essencial. As mudanças de humor, a irritabilidade e o cansaço são comuns nos primeiros momentos de abstinência. É importante que familiares saibam disso, para que não pressionem o fumante em recuperação ou contribuam para uma possível recaída. Segundo os relatos, há casos em que a falta de compreensão familiar leva à retomada do vício. Por isso, os coordenadores dos grupos sempre orientam que o processo seja compartilhado com os familiares, mesmo que inicialmente a pessoa resista a contar.

Cigarro: produção em alta e riscos à Saúde

O cigarro é um produto industrializado derivado do tabaco, composto por uma combinação de mais de 7.000 substâncias químicas, das quais, pelo menos 250 são conhecidas por serem nocivas e cerca de 70 são cancerígenas. Entre os principais componentes estão a nicotina, responsável pela dependência química, o alcatrão, o monóxido de carbono, solventes como o benzeno, metais pesados como cádmio e chumbo, além de substâncias radioativas como o polônio-210 .
No Brasil, a produção de cigarros é significativa. Em 2023, foram fabricados no país mais de 4,5 bilhões de maços de cigarros, representando um aumento de pouco mais de 10% em relação ao ano anterior. A região Sul do Brasil é responsável por 95% da produção nacional de fumo, sendo o país o maior exportador de tabaco do mundo desde 1993 .
Apesar dos esforços para reduzir o consumo, o tabagismo ainda é um desafio de saúde pública. O mercado ilegal de cigarros também é uma preocupação, com estimativas indicando que, em 2017, 38,5% dos cigarros consumidos no Brasil eram provenientes do mercado ilegal.
O combate ao tabagismo envolve políticas públicas, campanhas de conscientização e apoio à cessação do hábito. A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, ratificada pelo Brasil em 2005, estabelece medidas para reduzir a oferta e demanda de produtos de tabaco, visando proteger as gerações presentes e futuras das consequências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas do consumo e da exposição à fumaça do tabaco.