Homenagens à Santa mobilizam fiéis católicos das comunidades de Montenegro
Alguns vivem sua crença em silêncio, pedindo e agradecendo quase em pensamento. Outros jogam flores nas águas, sejam elas doces ou salgadas. Há, ainda, os que de vela em punho seguem a procissão da mesma forma que trilham os caminhos da vida. É difícil encontrar alguém que jamais, mesmo que de forma distante, não tenha vivenciado a devoção por Nossa Senhora dos Navegantes, tão presente na fé dos brasileiros. Junto de Nossa Senhora Aparecida, a santa dos Navegantes ocupa lugar especial no coração dos fiéis e os brinda com graças e esperança por uma vida melhor.
Histórias de devoção não faltam entre os devotos de muitas idades. Talvez Sirlei Ferraz Gonçalves de Castro, de 56 anos; e Éric Gustavo Corrêa Barreto, de 8 anos; sequer se conheçam. Mas ambos, ao mesmo tempo, festejavam e agradeciam a Nossa Senhora dos Navegantes pela graça de ter saúde, enquanto sua imagem chegava ao Cais do Porto das Laranjeiras para o início da procissão realizada no ultimo sábado, 2 de fevereiro, em direção à capela da Tanac.
No próximo dia 21, Sirlei completa um ano como transplantada. Após 14 meses de espera, ela pode iniciar uma nova vida, de muito mais qualidade, com dois pulmões novos. Durante a espera, jamais se desesperou ou perdeu a fé, justamente porque sabia que o melhor iria acontecer. “Sempre tive fé, nunca pensei que daria errado, mesmo quando soube que apenas o transplante poderia me fazer melhorar. Nunca tive medo!”, conta a devota.
E tudo ocorreu bem. “Logo depois, nem falta de ar sentia, foi um sucesso a cirurgia e a recuperação. Nem gripe tive depois”, lembra Sirlei. Apesar de devota de Navegantes – todo ano ela comparece à procissão – foi à Aparecida que fez promessa. “Ainda tenho de ir ao Santuário de Aparecida para agradecer”, comenta. “Estou sempre procurando pela fé. Sempre digo que sou uma abençoada porque se a gente tem fé, tem tudo. É ela que move a gente. Tô aqui hoje, viva, porque era para ser”, completa.
Éric Gustavo Corrêa Barreto era o mais jovem de três gerações de sua família ao aguardar a imagem de Navegantes chegar pelo rio. Junto da mãe Tássia Côrrea, 28 anos; e da avó Maria Corrêa, de 60 anos, que nas mãos trazia rosas brancas, ele avistou o barco até que esse ancorasse na margem. Homenageou a Santa entregando-lhe as rosas da avó, que seguiram pelo curso do Caí enquanto a procissão começava a dar os primeiros passos. Apenas dois dias antes, em 31 de janeiro, Éric passava por uma cirurgia. Com problemas de adenoide e amígdalas, precisou do procedimento para ter a vida que toda criança deseja. “Agora vou poder brincar”, antecipava ele, com a alegria típica de quem tem 8 anos. “Operou faz dois dias e já está aqui, bem”, comemorava a avó, que agradecia a Navegantes pela graça da saúde do neto.
A história passada de geração em geração
Quem já carrega na lembrança alguns anos de história em Montenegro recorda de muitas procissões fluviais. É o caso da auxiliar de cozinha Eliane Inês Carvalho, de 54 anos. Sempre que o trabalho permite, ela comparece à homenagem à Rainha das Águas. “Tinha os barcos e todos iam, pela água, até Porto dos Pereira. Agora é por terra, até por segurança. E tinha a dificuldade de que é um período do Rio Caí baixo e daí encalhava. Mas era lindo”, comenta, lembrando que, na procissão atual, esperar a Santa chegar no barco pelo Rio Caí é o mais lindo.
Junto dos sobrinhos Júlia e Carlos Augusto, de 11 e 8 anos, Hedi Mergen Pereira chegou à procissão carregando pequenas velas. Ela, que é ministra da Eucaristia na Paróquia São Pedro e São Paulo, também esperava pelo início do evento religioso recordando das edições anteriores, das muito antigas até a do ano passado. “Estava calor, mas bem na hora da procissão, choveu. E foi bom”, contou.
Junto das crianças, ela lembrou da necessidade de passar isso adiante. “Somos de fé e trazemos sempre eles junto”, relata. Isso também ocorre com os netos. “Minha neta, Helena, de 3 anos, diz ‘vamos rezar’ e sempre vamos na missa”, relata a orgulhosa avó.
Uma guia que ilumina o caminho dos mares da vida
Os festejos que celebram Nossa Senhora dos Navegantes são tradição há mais de um século em Montenegro, especialmente na localidade de Porto dos Pereira. A comunidade nasceu em volta de um porto, onde se carregavam embarcações com frutas e verduras que eram levadas a Porto Alegre, para o comércio. Justamente por ser, em essência, uma morada de navegantes que a fé na santa celebrada no final de semana se enraizou no local.
Pároco da Catedral São João Batista, padre Diego Knecht esteve liderando, no domingo, dia 3, outra procissão. Essa, que saiu da catedral, foi até o Cais do Porto das Laranjeiras e dirigiu-se até o Porto dos Pereira. Ele explica que as festividades de Navegantes datam da época das grandes navegações saídas de Portugal e Espanha, quando muitos navios carregavam imagens da santa para guardar seu caminho no mar. Hoje, mesmo quem não vive das águas tem fé nela, pois Nossa Senhora carrega um significado ainda mais especial. “Navegantes virou um modelo de inspiração da comunidade, pois é uma santa que nos guia pelos mares da vida”, destaca o sacerdote.
E foi por essa orientação que a jovem estudante Carla Oliveira, de 23 anos, percorreu todo o trajeto do domingo a pé, mesmo abaixo da chuva que marcou o início da manhã. Enquanto a maioria fazia o percurso de carro, lá foi ela, caminhando por cerca de seis quilômetros. “Fiz em agradecimento. Pelo ano que passou e pelas dificuldades que tive no meu trabalho e na minha vida pessoal”, contou. Apesar de molhada – a chuva já se misturava com o suor pela caminhada – Carla estampava um sorriso no rosto enquanto subia as escadas da capela de Porto dos Pereira acompanhando a imagem a que foi prestar homenagem.
E quem aguardava a todos os fiéis na porta da capela eram as jovens Tainá de Vargas dos Santos, de 13 anos, e Érica Schneiders, de 11. Com a fé e a devoção incentivadas em casa, Tainá é coroinha desde 2016. “Eu fiz a comunhão aqui e aí não queria sair da igreja. Então eu entrei no CLJ e continuei”, destacou, orgulhosa, enquanto distribuía os folhetos da missa.
Com a amiga Érica não foi muito diferente. Responsável por ajudar nas leituras da celebração, ele lembra que, desde bebê, frequentava a capela. “Aí eu e minha irmã também começamos no CLJ e eu gostei”, disse. O amor por Navegantes veio de berço.