Cálculo da Fiergs. Alimentos, bebidas e laticínios foram os setores mais atingidos, mas até grandes indústrias pararam
A paralisação dos caminhoneiros atingiu todo o País e impediu a operação normal das fábricas, segundo a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). A entidade informou que as perdas à indústria de transformação no Estado chegaram a R$ 2,9 bilhões em dez dias de manifestações. “Todos os ramos da indústria foram atingidos, alguns com perdas mais profundas do que outros, mas convém destacar que, nesse levantamento, não está incluído o custo que muitas indústrias terão para a retomada das suas atividades, tais como aquecimento de caldeiras e fornos, limpeza e manutenção de máquinas que não poderiam parar”, afirma o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry, ao reforçar que somente nos próximos meses sairá um levantamento preciso das perdas. Indústrias exportadoras tiveram mais agravantes, pois as perdas não significam apenas redução de faturamento por não embarcar produtos, mas também por multas decorrentes de atrasos na entrega.
Segundo Petry, os segmentos de bens perecíveis — alimentos, bebidas e laticínios, por exemplo — são os que sofreram os impactos financeiros mais profundos. Para esses, as mobilizações não representaram apenas a interrupção da produção, mas a perda de grande parte dos insumos e bens produzidos ao longo das últimas semanas. Nas empresas que conseguem armazenar itens congelados, o custo com energia elétrica tende a corroer a margem de lucro. Já os segmentos de abate de aves, suínos e bovinos não conseguiram escoar a produção. No Vale do Caí, a Naturovos optou por doar cerca de 150 mil aves em consequência do desabastecimento de rações.
Nas fábricas de automóveis, máquinas e equipamentos, a parada decorreu da falta de matéria-prima e componentes. Em Montenegro, a John Deere teve que interromper a linha de produção e dispensar funcionários. Alguns componentes voltaram a chegar à unidade nesta semana e a previsão é de que na segunda-feira, dia 4, as atividades serão retomadas.
A Federação das Indústrias informou que também foi afetada a indústria química e de refino, por dificuldades tanto no abastecimento de insumos, quanto para escoar a produção. Na tarde de quarta-feira, a assessoria de comunicação da Braskem, procurada para comentar os reflexos dos protestos no Polo Petroquímico de Triunfo, emitiu a seguinte nota: “O Comitê de Fomento Industrial do Polo informa que as equipes administrativas que atuam nas empresas do Polo Petroquímico do RS seguem dispensadas a fim de direcionar os recursos de transporte e alimentação para as equipes de turno. As plantas operam em plena segurança e com redução de carga. As empresas acompanham com atenção os desdobramentos da greve para retomar gradualmente suas atividades”.
“Origem da greve está na renovação de frota”
O coordenador do Núcleo de Economia Empresarial da ESPM, o economista Fábio Pesavento, considera que a paralisação dos motoristas de caminhão tem seu embrião na política de renovação de frota subsidiada pelo governo federal em 2014. O aquecimento do setor contribuiu, diz ele, para eleger Dilma Rousseff presidente da República, mas no ano seguinte os reflexos não foram bons.
Os combustíveis subiram, assim como os juros — medidas que elevaram tanto a prestação do veículo quanto as despesas de manutenção. O especialista argumenta que o agravamento do quadro se deu em 2017, ocasião em que a Petrobras adotou nova política de preços, modificando os valores dos combustíveis diariamente, de acordo com o valor internacional do petróleo e do dólar. “Esse cenário, de aumento do custo para o caminhoneiro, pega uma economia ainda fraca, isto é, que não mostrou uma retomada mais visível de crescimento. O resultado é um frete que não paga seus custos”, analisa. Ainda não há como medir o impacto dos movimentos no PIB, mas eles serão sentidos, garante Pesavento.
Reflexo foi forte em Montenegro, avalia ACI
Na avaliação do presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACI) de Montenegro e Pareci Novo, Karl-Heinz Kindel, a comunidade empresarial local sentiu fortemente o impacto das paralisações dos caminhoneiros, porque por aqui o transporte se dá 100% pelo modal rodoviário. “Tenho certeza de que houve prejuízos, embora ainda não se possa dimensionar em números. Se tem notícia, por exemplo, de empresa com sério problema de fluxo de caixa porque a mercadoria não girou e, em função disso, o dinheiro não entrou.”Até mesmo as agências bancárias tiveram dificuldades para provisionar clientes empresariais, porque foi afetada a circulação de carros-forte.
O dirigente lembra que a ACI se aliou à posição adotada pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do sul (Federasul), que apoiou a indignação diante dos constantes aumentos dos combustíveis, mas pediu bom senso para que serviços essenciais fossem mantidos e cargas perecíveis, liberadas. “Foi razoável até certo ponto, isso se reconhece, mas o país precisa voltar à normalidade, sob pena de que esse efeito manada, aos gritos, instale o caos no país”, ponderou.
Para Kindel, o movimento dos motoristas acabou por perder credibilidade à medida que se colocou em pauta o pedido de intervenção militar, “que não tem espaço no país”, e a queda do presidente Temer, ao mesmo tempo em que as entidades do setor afirmavam ter fechado acordo com o governo federal. Tolher o direito de as pessoas irem e virem, assim como usar da agressividade para parar motoristas, são práticas que o presidente da ACI condena veementemente. “Fica complicado quando se firma um acordo e uma das partes não cumpre o que lhe cabe. Em determinado momento, o governo não sabia mais com quem tratar.”
Na interpretação de Karl, a paralisação dos caminhoneiros combinada com o apoio popular demonstra a enorme impopularidade da classe política e, além disso, que o atual sistema de gestão pública está falido. “O que se tem visto são representantes que se preocupam, antes de mais nada, com seus interesses. O único planejamento é em relação ao loteamento de cargos. Estamos agora colhendo os frutos de tudo isso”, constata.