Ibiaçá 2. Prefeitura de Montenegro foi “sitiada” novamente pelo MP Estadual e pela Brigada Militar na manhã desta quarta
A pedido do Ministério Público Estadual, a Justiça afastou ontem o prefeito Luiz Américo Aldana do cargo por 180 dias e decretou a prisão do empreiteiro José Valmir D´Avila por ameaças, segundo o promotor Reginaldo Freitas, do MPE. O vice-prefeito Carlos Eduardo Müller assumiu como chefe do Executivo. As ações em Montenegro foram coordenadas pelo promotor de Justiça Heitor Stolf Júnior.
Para a segunda fase da Operação Ibiaçá, foram designados 40 policiais militares de Santa Maria, que estavam na capital em razão da operação Avante. Houve buscas e apreensões em diversos setores da Prefeitura e secretarias e na sede de uma construtora que mantém contratos com o Município e também está sob investigação. Durante a ação, nenhum documento entrava ou saía do Palácio Rio Branco. Nem pessoas.
Tão logo as informações se espalharam, populares passaram buzinando em frente à Prefeitura, em gesto de aprovação da ação do MPE. Alguns gritaram dos carros “Vitória ao povo montenegrino”. “Não sou filiada a partido algum. Estou comemorando a vitória. Aqui ainda existe justiça!”, disse a dona de casa Maria Perdiz.
O aposentado Bento Nicolau também aprova a Operação Ibiaçá. “Eu achei boa essa ação da Justiça. Acredito que a Justiça está funcionando. Tem que enquadrar os políticos! Eles acham que o dinheiro é deles. Não é deles não, é do povo montenegrino”, declarou.
Houve até quem levasse uma bandeira do Brasil para celebrar a decisão da Justiça pelo afastamento do prefeito Aldana. “Acredito que a mudança começa na nossa cidade. Nós,
montenegrinos, estamos vendo a corrupção instalada no nosso município. E não aguentamos mais”, disse a estudante de Direito Camila Carolina de Oliveira. Quanto ao novo prefeito, a manifestante também diz que é importante manter a vigilância popular. “Que o Kadu possa fazer um trabalho coerente e sério. Vamos fiscalizar de perto!”, avisou a estudante.
Por volta das 9h30min, a secretária do prefeito Aldana, Maria Fernanda Renner, saiu do prédio com os pertences pessoais do chefe do Executivo.
Advogado do prefeito acredita que o afastamento dele foi “construído”
Para o advogado Vanir de Mattos, que defende o prefeito Aldana no processo de Impeachment em tramitação na Câmara de Vereadores, seu afastamento do cargo foi “construído” pelas pessoas que assumiram o poder na tarde de ontem. Ele chega a dizer que o Ministério Público Estadual está sendo usado com fins políticos pelo grupo do agora prefeito em exercício, Carlos Eduardo Müller. A base de sua argumentação é o suposto desaparecimento de um processo na Secretaria Municipal de Obras Públicas, na época em que o comando da pasta coube ao coronel da reserva da Brigada Militar, Edar Borges Machado.
Mattos refere-se a documentos relativos ao asfaltamento de ruas no bairro Germano Henke, em 2016. A papelada, em tese, comprovaria que não houve nada de errado na realização das obras, que integram o rol de irregularidades investigadas pelo Ministério Público. Para o defensor, o então secretário sabia que estes papéis ajudariam o prefeito em sua defesa. Com o sumiço, teria ficado a suspeita de que foi Aldana quem eliminou provas que poderiam incriminá-lo, quando teria ocorrido justamente o contrário.
Mattos disse ontem que, desde janeiro, Aldana estava preocupado com irregularidades que vinham ocorrendo em alguns setores da Administração Municipal. “A ponto de nos chamar para ajudá-lo a apurar estes fatos”, relata.
As suspeitas, inclusive, teria sido “colocadas no papel” na época e estariam protegidas por uma cláusula de confidencialidade. “Vale lembrar que, em junho, o Ministério Público teve negado um pedido de afastamento do prefeito pelo Judiciário”, ressalta. A mudança de postura agora teria relação com a subtração desses documentos. O advogado explica que, na época, foi registrado um Boletim de Ocorrência na Polícia informando o sumiço do processo. Ele não soube dizer se foi aberta sindicância também.
O ex-secretário Edar Borges Machado considerou grave a acusação do advogado Vanir de Mattos. Ele confirmou a existência do processo e sua tramitação na Smop. Porém, lembra que o material foi retirado de lá pelo então secretário de Gestão e Planejamento, Evandro Machado, sem protocolo. “Cheguei a comunicar o prefeito Aldana na época, por escrito, e guardo uma cópia comigo”, garantiu.
A reportagem do Ibiá não conseguiu contato com Evandro Machado, afastado do cargo na primeira fase da Operação Ibiaçá, em junho, para comentar as declarações.
A defesa também informou que o prefeito afastado não se pronunciará por enquanto.
Ministério Público chegou a pedir a prisão preventiva de Aldana
Para o desdobramento da Operação Ibiaçá, realizada no dia 6 de junho, o Ministério Público (MP) chegou a pedir a prisão preventiva do prefeito Luiz Américo Alves Aldana. Porém, como explicou o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, o pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça. No entanto, foi deferido o afastamento por 180 dias do chefe do Executivo, medida alternativa postulada pelos MP. Além disso, o empresário José Valmir Silveira D’Ávila foi preso preventivamente.
“A atuação de hoje foi no sentido de fazer com que cessasse a atividade criminosa”, destacou o procurador-geral em coletiva de imprensa na sede do MP, em Porto Alegre. Ele lembrou que, além do afastamento de Aldana e da prisão do empreiteiro, outros servidores municipais já haviam sido afastados de seus cargos na primeira fase da operação. Nesta nova etapa, foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão, sendo oito deles em Montenegro, um em São José do Sul, um em Triunfo e outro numa cidade da região da Campanha que não teve seu nome divulgado pelo MP. Dallazen revelou apenas que o mandado cumprido na Campanha se deu numa cabanha, onde se investiga possível lavagem de dinheiro por parte do empresário preso.
O procurador-geral destacou que Ibiaçá significa fonte de água cristalina e que a operação busca demonstrar a necessidade de transparência que deve permear as administrações públicas. “E o que se verificou em Montenegro foi exatamente o inverso”, apontou. Dallazen afirmou ainda que, mesmo com a atuação preventiva dos órgãos de fiscalização, o Executivo continuou fazendo contratos com os investigados. “Às margens da lei, com fraude à Lei de Licitações e colocando um sobrepreço em todos esses contratos, inclusive, e o mais claro deles, é na questão do transporte escolar”, comentou.
Sobre o pedido de afastamento de Aldana, o promotor da Procuradoria de Prefeitos, Heitor Stolf Júnior, disse que, com o aprofundamento da investigação, o Judiciário se convenceu de que a relação promíscua entre o chefe do Executivo e o empreiteiro continuava. Ele sublinhou que mesmo ciente de que havia sido vedada a contratação das empresas envolvidas na investigação, o prefeito continuou empenhando verbas em favor dos suspeitos. “A influência do empresário dentro da administração pública continuou a mesma e isso permitiu que o Poder Judiciário compreendesse a gravidade da situação e deferisse essas medidas que nós cumprimos hoje (ontem)”, destacou.
Conforme Stofl, a prisão de D’Ávila baseou-se em quatro fundamentos: proteção da ordem econômica, denúncias de intimidação a testemunhas, manutenção da ordem pública e reiteração de fatos criminosos. “Essa influência que ele tem na administração acaba impedindo que outras empresas consigam concorrer em igualdade de condições. É impressionante como essas empresas se veem alijadas da disputa”, disse.
O promotor de Justiça também citou o fato de que até mesmo documentos sumiram da Prefeitura. “Um aditivo de um processo licitatório bastante volumoso e importante de asfaltamento no bairro Germano Henke simplesmente desapareceu. Nós estamos atrás desses processos e, de alguma forma, a investigação vai prosseguir em relação a essas obras”, garantiu Stofl.
Fraude no transporte escolar é a investigação que mais avançou
De acordo com Stofl, a investigação atualmente está focada na questão do transporte escolar nos anos de 2016 e 2017. Neste setor, já haveria um prejuízo confirmado de mais de R$ 600 mil. O mesmo valor foi apurado em sobre-preço na licitação para este ano. “No transporte escolar, em 2016, o sobrepreço projetado era de R$ 1 milhão. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a promotoria local intervieram e conseguiram mitigar o prejuízo”, salientou.
O promotor da Procuradoria de Prefeitos salientou ainda que as investigações prosseguirão, abrangendo outras áreas, como a de serviços e obras. “Já detectamos ilicitudes em licitações emergenciais”, adiantou. Stofl alertou ainda que as investigações da Procuradoria de Prefeitos são exclusivas a prefeitos no exercício do mandato e que não investiga se a organização criminosa formada por empresários e servidores públicos atuou em outras gestões. “Não temos atribuição para fazer investigação de outras pessoas a não ser que elas esteja envolvidas nesse conjunto de fatos que envolvem o prefeito no exercício do mandato. Por isso, eu não tenho como dizer se esses empresários, essa organização, já se movia dessa ou de outra forma em administrações passadas”, explicou.
De acordo com o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, o MP deve apresentar nos próximos dias denúncia ao Tribunal de Justiça, transformando Aldana e D’Avila em réus. Inicialmente, a Operação Ibiaçá possui 12 investigados, mas esse número pode aumentar com o decorrer das investigações. Segundo Dallazen, ontem mais provas foram colhidas e, uma vez detectada a participação de outras pessoas, ainda que não no mesmo processo de D’Ávila e Aldana, vai ser feito o encaminhamento para a sua responsabilização.
Stofl salientou que, apesar das fraudes, a continuidade do serviço público é imprescindível. “Obviamente nós não vamos prejudicar os alunos”, garantiu. Ele reforçou que é importante dizer também que, nesse momento, o preço já está adequado ao patamar que o Tribunal de Contas estabeleceu como sendo adequado. “A gente não está tendo desvio agora com a continuidade do serviço”, assegurou. O promotor disse ainda que uma nova licitação para a contratação do serviço escolar já está em andamento na secretaria municipal de Educação e Cultura (Smec) e que a intenção é fazê-la o mais rápido possível.
entenda o caso
– A operação Ibiaçá foi deflagrada em 6 de junho, quando foram cumpridos mandados de busca e apreensão na prefeitura, empresas e residências. A ação investiga suspeitos de integrarem uma organização criminosa que atua a partir de fraudes licitatórias em contratos públicos e aditivos de contratos, especialmente para o transporte escolar, terraplanagem e drenagem, revitalização de ruas, construção e reforma de prédios públicos, inclusive escolas.
– A fiscalização do cumprimento das contratações também é investigada. Os contratos suspeitos compreendem cifra superior a R$ 20 milhões. Apenas no que se refere aos contratos de transporte escolar dos anos letivos de 2016 e 2017, foi detectado sobrepreço próximo a R$ 1 milhão.
– As fraudes ocorreram a partir de editais, planilhas e projetos técnicos forjados para o direcionamento das licitações, concorrências de preços e até mesmo pregões eletrônicos. São investigadas contratações realizadas pelas secretarias da Fazenda, Meio Ambiente e Obras.
– Até mesmo documentos entregues ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) teriam sido forjados para a manutenção das práticas, após apontamentos feitos nas contas da Prefeitura.
– O número de investigados é 12, mas desde junho estão afastados de seus cargos três integrantes do primeiro escalão. Os demais alvos da investigação são empreiteiros, funcionários destas empresas e da própria Prefeitura.
– A previsão do Ministério Público é que as investigações sejam concluídas até novembro.
Empresário tinha grande influência na Administração
Conforme Stofl, a medida extrema do pedido de prisão preventiva de D’Áliva e de Aldana – que não foi aceito, sendo ele afastado do cargo por 180 dias – tem como fundamento principal a comprovação de uma relação totalmente promíscua do empresário com a Prefeitura. “Nós temos documentado isso, com o prefeito cedendo à pressão do empresário”, reforçou. Ele salientou que o empreiteiro fazia indicações na formação das equipes de secretarias, da Comissão de Licitações e outros cargos em comissão. “O prefeito decidia isso ao lado do empresário e, por isso, essa medida extrema para que cessasse essa interferência porque aí está o cerne da corrupção em Montenegro: os interesses empresariais privados tomando conta da administração pública local”, enfatizou.
O promotor explicou ainda que as fraudes se davam por meio do setor técnico. Segundo Stofl, um engenheiro civil que havia trabalhado para D’Ávila foi indicado para assumir como assessor especial na secretaria municipal de Obras Públicas (Smop). Este servidor fraudaria e forjaria projetos técnicos, planilhas de custos, fiscalização de obras e de serviços. “Era por meio dessas fraudes que se conseguia desviar recursos públicos”, explanou membro do MP.
Participaram desta cobertura os jornalistas André Herzer, Daniele Angnes, Eduardo Silva e Márcio Reinheimer