Em Santos Reis, uma moradora realiza a prática desde criança. Lá, a tradição virou negócio e também um prazer
Na casa de Ana Marli Führ, em Santos Reis, a Páscoa ainda está longe quando começa a produção dos tradicionais ovos decorados. E não são de chocolate, como muitos podem pensar. Ali, ela e a família seguem a tradição antiga de pintar as cascas dos ovos de galinha que, após, são recheadas de amendoim para serem presenteadas. E sai um mais bonito do que o outro.
Marli tem 69 anos de idade, mas a prática vem desde a infância. Na época, a mãe dela coordenava a produção. Sem recursos para tintas, a família usava papel crepom molhado, que era enrolado nas casquinhas e deixado sob o sol. A tinta do papel era, então, transferida para a casca do ovo e ali estava a decoração. “Era aquilo que a gente tinha. Então desde sempre eu fiz os ovos”, relembra a aposentada.
A montenegrina tem, hoje, três filhos e quatro netos. Todos foram criados com a tradição dos ovinhos. Apaixonada pelo artesanato, aos 30 anos de idade Marli teve a chance de se especializar, em Porto Alegre, com um curso específico de decoração de ovos. O investimento era considerável, mas o marido presenteou a esposa com o treinamento. A partir dali, as pinturas ficaram mais detalhadas e a tradição virou renda extra para a família.
Desde então, os ovos decorados – além de sua finalidade como presente – são vendidos na Páscoa. E mesmo existindo empresas que comercializam o produto, mas em material plástico, Marli garante que o ovo tradicional é o mais valorizado. Nas feiras de artesanato que frequenta, ela conta, muitos ficam impressionados por ainda haver gente que os faz.
Algumas crianças, inclusive, nunca viram os ovinhos. “Tem que avisar que não pode apertar, senão quebra”, conta a artesã. Nos ovos, as estampas são de flores ou de coelhos, os preferidos dos pequenos. Hoje, cada ovo custa R$ 4,00 individualmente. Para Marli, no entanto, não é o retorno financeiro que importa. “Às vezes, eu penso em não fazer, porque dá trabalho e, em alguns anos, nem vende muito. Mas aí parece que nem é Páscoa”, comenta.
O passo a passo da tradicional pintura
Ana Marli não tem produção de galinhas em sua propriedade. Ela compra os ovos de vizinhos e, com cuidado, quebra a parte inferior da casca para liberar o conteúdo. Nessa época, a casa da família Führ fica abundante em bolos e omeletes, dando destino a todos os ovos que serão decorados. A casca que sobra é, então, cuidadosamente lavada.
A artesã utiliza tinta acrílica para a pintura. Ela conta que pega a casca três vezes neste processo. Primeiro, para fazer um fundo, pintando todo o ovo da cor escolhida. Depois que secar, é hora de desenhar a estampa. Marli revela que deixa a inspiração fluir nessa etapa e que é ali, no momento, que decide a figura que enfeitará sua “tela”. Após mais um tempo para secagem, ela passa uma mão de verniz, dando brilho e protegendo a tinta usada.
E é só depois de três dias que o ovo é recheado com o amendoim. A montenegrina não utiliza a receita original do cri-cri, com o açúcar e o amendoim misturados desde o começo na panela. Primeiro ela o torra e descasca. Em separado, derrete o açúcar até formar uma calda. Só então que faz a mistura, mantendo um gosto de “torradinho” que, segundo ela, é o favorito dos clientes, segundo a dedicada artesã.
Ovo cozido pintado?
Outra tradição de Páscoa da família Führ também envolve ovos de galinha. Seguindo um costume alemão, eles cozinham os ovos e os decoram, deixando-os prontos para o consumo. Quem visita a casa em época de Páscoa encontra na mesa uma bela travessa, com ovinhos dos mais ornamentados para serem consumidos.
Um alerta: muito perecíveis, os ovos cozidos precisam ser feitos em data mais próxima do consumo e mantidos na geladeira para não estragarem.
Tradição do século XII
A tradição de enfeitar ovos de galinha vem desde o século XII, quando a Igreja Católica iniciou o costume de abençoar os ovos, que simbolizam a ressurreição de Cristo e o início de uma nova vida. Na época, os ovos pintados diferenciavam os que receberam as bênçãos dos demais.
Uma semana de oração
Além dos ovos, Marli tenta manter viva em sua casa a tradição de Páscoa com a qual cresceu. A Semana Santa, para ela, é uma semana de oração e de recolhimento. “É de pensar no que Cristo passou pelos nossos pecados. Muitas vezes, a gente não pensa e não reconhece. Temos que ser mais humildes e perdoar mais”, aponta.
A família vai na missa na Sexta-feira Santa e no domingo de Páscoa, faz a confissão na igreja e também realiza a tradicional colheita da marcela.