Listada, Montenegro registrou microrganismos em amostras de água bruta de 2016
Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grade do Sul constatou alta concentração de protozoários nas águas do Estado. O estudo, desenvolvido no programa de pós-graduação em Engenharia Química da universidade, entre 2016 e 2020, analisou 2.304 amostras de água não tratada. Em 223, havia a presença de giardia e cryptosporidium, dois protozoários causadores de doenças intestinais. As populações mais impactadas, com a maior incidência dos microrganismos, são as das cidades de Porto Alegre, Viamão, Passo Fundo e Capão do Leão. Montenegro também figura na lista, com amostras positivas pra presença dos protozoários, mas em incidência menor.
Responsável pela pesquisa, o engenheiro químico Luciano Zini explica que as amostras categorizadas foram análises feitas pelas estações de tratamento de água; obtidas por ele para o estudo. Na estação de Montenegro, foram 50 as análises da água bruta, antes do tratamento, feitas entre 2016 e 2020. Uma delas, de outubro de 2016, foi positiva pra presença da giardia. Outra, de dezembro de 2016, foi positiva pra cryptosporidium. Em comparação, Porto Alegre teve 12, das 26 análises feitas no período, positivas pra cryptosporidium. “Mesmo assim, é um alerta para o Município, porque o monitoramento é feito uma vez por mês, então, o que garante que, ao longo do mês, não se possa ter uma carga maior dos protozoários? Isso não é mensurado”, pondera.
Zini trabalha como fiscal sanitário estadual e atua, no dia a dia, com inspeções nas estações de tratamento. Ele explica que, pra ir pro consumo, vírus e bactérias são eliminados da água através de processo de desinfecção. Já os protozoários precisam de um processo de filtração, através de barreira física, mas não há garantia de 100% de remoção. Ele calcula, com isso, que no período em que a amostra de Montenegro foi positiva pra presença da giardia, sete a cada mil pessoas que tiveram contato com a água tiveram risco de se contaminar e desenvolver giardíase. Já pro período da amostra com cryptosporidium, que tem tamanho menor e, assim, mais potencial de não ser eliminado pelo filtro, duas a cada cem pessoas que tiveram contato com a água tiveram risco de contaminação e desenvolvimento de cryptosporidiose. No geral, ambas doenças causam quadros de diarréia de diversa severidade.
Em nota enviada à imprensa, a secretaria estadual de Saúde afirmou que o Centro Estadual de Vigilância em Saúde atua na fiscalização das estações de tratamento; e assegurou que a água que é fornecida, “com o controle adequado e que respeita as etapas de tratamento necessários para deixá-la potável, é sim segura. As equipes do Vigiagua, tanto em nível municipal, como estadual e federal, trabalham diariamente fiscalizando e monitorando os responsáveis pelas formas de abastecimento para que a qualidade da água seja a melhor possível”. O Jornal Ibiá procurou a Corsan para comentar o resultado da pesquisa, mas não teve retorno.
Além da contaminação biológica, o estudo da Ufrgs também apontou índices de contaminação química nas águas do Estado. Um destaque foi a presença do 17-alpha-etinilestradiol, hormônio sintético que pode acabar causando câncer. Não foram publicados dados locais de concentração.
Tratamento do esgoto é medida essencial
Os resultados da pesquisa da Ufrgs evidenciam a poluição das águas. Luciano Zini explica que a própria realização das análises pelas estações de tratamento, obtidas por ele para realizar o estudo, são indicador do problema. É que o monitoramento de protozoários nos mananciais vira obrigação legal quando se constata, nas coletas mensais de água bruta, níveis alarmantes da bactéria escherichia coli. “O manancial de Montenegro está altamente impactado, porque teve esses cinquenta monitoramentos. A qualidade da água bruta é ruim, por isso que tem um risco maior lá na água tratada”, alerta o pesquisador.
Em suas investigações, Zini aponta duas causas principais para o fenômeno. Uma delas é a falta de tratamento do esgoto. Outra é a atividade pecuária, com a criação de gado, suínos e aves que, em grande escala, geram fezes que, se não tiverem tratamento adequado, podem contaminar os mananciais. “A escherichia coli é oriunda de qualquer animal de sangue quente. Então, ou é esgoto, das pessoas, ou é as fezes dos animais”, explica.
Para o biólgo Rafael Altenhofen, presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia do Rio Caí, a pesquisa reforça a importância de uma maior cobertura de análises das águas do Caí e de seus arroios. “Estamos muito aquém do ideal em termos do número e periodicidade de análises posto que muitas vezes as únicas fontes atualizadas de informações sobre determinados parâmetros de qualidade – além daqueles analisados pelo Vigiágua e pelas operadoras de saneamento – são disponibilizados somente por pesquisas pontuais de determinadas universidades, não fazendo, infelizmente, parte de uma efetiva política de monitoramento constante por parte dos órgãos de Estado”, avalia
Altenhofen aponta preocupação especialmente com a presença de substâncias químicas diluídas na água, que são de difícil remoção no tratamento convencional. Ele indica que é preciso avançar nos controles de qualidade da água, ampliando o rol de moléculas analisadas, padronizando as análises e amostragens, sistematizando dados, implementando políticas de fiscalização e controle de lançamentos nas bacias hidrográficas e endurecendo a legislação. “Certos agrotóxicos, por exemplo, possuem limites máximos aceitáveis na água, em nossa legislação, que são 600 vezes maiores que os permitidos na Europa”, traz o biólogo.
Segundo ele, a carga de poluição do Rio Caí possui três fontes principais: a de origem domiciliar, com o esgoto cloacal não tratado; as industriais, onde prepondera a poluição química; e as de origem na produção agrícola, com agrotóxicos e a carga orgânica não tratada da produção animal. Dados do Plano de Bacia Caí indicam que é o esgoto cloacal, domiciliar, o responsável por 86% da contaminação.
“Infelizmente, dos 41 municípios total ou parcialmente inseridos na bacia Caí, somente sete possuem algum índice de tratamento e, mesmo esses, não chegam a duas casas decimais conforme os dados disponibilizados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento”, alerta Altenhofen. “Montenegro, por descaso de sucessivas administrações, sequer figura entre as que tratam alguma coisa.”