CHEGA DE PRECONCEITO: brechós vieram para ficar
Quando o assunto é a preocupação com as ações humanas que tanto impactam o planeta, muito se fala em sustentabilidade, impacto ambiental e economia sustentável. Ações para reduzir a emissão de gases lançados na atmosfera, a produção e a destinação de lixo, entre outras, são pensadas e projetadas. A população é informada com frequência de que, se cada um fizer a sua parte, é possível reduzir os impactos da atividade moderna sobre a natureza. Contudo, em meio a tantas falas sobre gastar menos e reaproveitar mais, muitas pessoas se esquecem de olhar para dentro do próprio guarda-roupa e pensar no conceito de moda circular.
A ideia é repensar a forma como as roupas são produzidas, consumidas e descartadas, buscando reduzir os impactos ambientais e sociais da indústria da moda. Em vez do modelo tradicional linear — produzir, usar e descartar —, a moda circular propõe um ciclo contínuo, no qual os materiais e produtos são reutilizados, reciclados, reformados ou reaproveitados pelo maior tempo possível.
Dessa forma, além de contribuir com o planeta, também é possível adotar um modelo de negócio viável: o brechó. Esse setor no Brasil apresenta crescimento expressivo nos últimos anos, impulsionado pela busca por práticas de consumo mais sustentáveis e pela digitalização do comércio. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o país contabilizava cerca de 118 mil brechós ativos em 2023, o que representa um aumento de 30,97% nos últimos cinco anos. A maior parte desses estabelecimentos está registrada como microempreendedor individual (MEI), o que indica um perfil empreendedor voltado para pequenos negócios.
Os dados mostram que a participação dos brechós no mercado nacional de vestuário chegou a 12% em 2024. A expectativa é de que esse índice cresça para 20% em 2025, com movimentação de aproximadamente R$ 24 bilhões no período. O mercado de roupas usadas também acompanha uma tendência global, com projeções de crescimento entre 15% e 20% até 2030, o que pode colocá-lo à frente do segmento de fast fashion — produção rápida e em grande escala de roupas.
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Vivência com os filhos deu o “empurrão” para empreender
Priscila Simas Vidalette encontrou na maternidade e na mudança de rumo profissional a motivação para empreender. Mãe de um casal de gêmeos de 10 anos, ela começou a praticar a moda circular ainda nos primeiros anos das crianças, por meio de trocas de roupas e compras em brechós. A experiência pessoal acabou se transformando em base para um novo negócio.
Na época, Priscila trabalhava na indústria, mas já tinha em mente o desejo de abrir um brechó. Com o encerramento das atividades da empresa, surgiu a oportunidade. Ela decidiu não se mudar para São Paulo, como era previsto pelo setor em que atuava, e buscou alternativas no Estado. Durante esse processo, conheceu uma loja do ramo que estava à venda em Canoas. A identificação foi imediata, e a compra foi feita ainda no primeiro contato com o espaço.
O brechó original mantinha um nome que fazia referência à cidade de origem, e por isso, ao ser transferido para Montenegro, Priscila optou por mudar sua identidade visual. O nome e a cor da marca foram atualizados, mas o símbolo principal, representado por uma pipa, foi preservado.
O novo espaço foi inaugurado em 2022. Segundo Priscila, a receptividade inicial do público montenegrino foi desafiadora. Muitos clientes demonstravam resistência, principalmente por não associarem de imediato o local a um brechó. Com o tempo, a aceitação cresceu, embora o preconceito com peças de segunda mão ainda seja percebido em parte da clientela.
As peças disponíveis no brechó são roupas infantis em excelente estado de conservação. Priscila destaca que, devido ao rápido crescimento das crianças, muitas peças chegam ao brechó praticamente sem uso, algumas ainda com etiqueta. Ela relata que os próprios filhos vestem, até hoje, cerca de 98% das roupas adquiridas em brechós.

Vínculo com clientes e sistema de trocas fortalecem o negócio
O brechó fundado por Priscila adota um sistema de vendas baseado na troca e no reaproveitamento de roupas infantis. O modelo funciona a partir da entrega de peças por parte das clientes, que recebem créditos para adquirir outros itens disponíveis na loja. As trocas podem ser feitas presencialmente ou por meio de vendas online, organizadas em grupos virtuais.
As principais fornecedoras são moradoras da própria região, que levam as peças até a loja para avaliação. Todas as roupas passam por triagem e higienização antes de irem para as araras. O foco está na qualidade e no bom estado de conservação das peças, muitas das quais chegam praticamente sem uso, devido ao rápido crescimento das crianças.
Além do modelo de crédito, o diferencial do brechó está na forma como Priscila conduz o relacionamento com as famílias atendidas. Segundo ela, o vínculo criado com os clientes vai além da venda. Em muitos casos, o acompanhamento começa ainda durante a gestação e segue por vários anos. A proprietária relata episódios em que mães iniciaram as compras grávidas e seguem retornando com os filhos, criando laços que, segundo ela, duram até os 12 anos ou mais.
O atendimento presencial é feito por Priscila, enquanto a responsável pelas vendas online é a sobrinha dela Natália Viladette Cristo. As redes sociais, especialmente Instagram e Facebook, são utilizadas como ferramentas de apoio à divulgação e comercialização. As peças são vendidas para todo o Brasil, com maior concentração de público na região de Montenegro. A loja também realiza parcerias com outros brechós, inclusive em outras cidades.
Priscila avalia que o cenário atual é diferente daquele encontrado anos atrás, quando a cultura dos brechós ainda não era amplamente aceita no Brasil. Hoje, ela percebe maior equilíbrio entre os clientes que compram por razões econômicas e aqueles que escolhem o brechó por preocupação ambiental.

BaGuria: brechó nasceu de acervo pessoal e aposta em peças vintage com curadoria
O brechó BaGuria surgiu em Montenegro no final de 2019, a partir da experiência pessoal de Milena Rhoden com o acúmulo de roupas em casa. Ao perceber que estava adquirindo peças com frequência, ela decidiu iniciar a revenda de parte de seu acervo, complementando com peças de suas amigas.
Com o início da pandemia em 2020, Milena optou por deixar seu trabalho anterior e concentrar os esforços no brechó, inicialmente operando somente de forma online. A decisão permitiu que o negócio ganhasse força, especialmente entre consumidores interessados em peças vintage. Desde então, o BaGuria se mantém ativo e expandiu sua atuação para feiras de moda alternativa e grupos de vendas digitais.
O modelo de funcionamento é baseado em curadoria. As peças são adquiridas por meio de garimpo em Montenegro. “Sempre tento garimpar em lugares que tem uma destinação do valor para alguma causa. Por exemplo, ONGs da causa animal, centro espírita, entidades que usam o dinheiro arrecado para compra de alimentos”, explica Milena. Depois da seleção, cada item passa por lavagem, retirada de manchas, consertos, passadoria e embalagem, com o objetivo de disponibilizar produtos em bom estado de conservação.

Segundo Milena, o brechó trabalha principalmente com peças vintage, de alta durabilidade, e busca oferecer roupas com bom caimento e cortes diferenciados. A proposta é valorizar peças que já estão no mercado há décadas, em contraponto à produção de moda rápida.
A venda é realizada por diversos canais. Além das feiras em Porto Alegre, que reúne cerca de 50 expositores, Milena mantém grupos no WhatsApp, nos quais divulga semanalmente novos lotes de roupas, organizados em pequenos drops. Também faz atendimentos presenciais com hora marcada, oferecendo atendimento individualizado.
As entregas são realizadas conforme acordo com cada cliente. Em Montenegro, há possibilidade de retirada no local ou entrega em bairros como Centro e Timbaúva. Para compras de outras cidades, o envio é feito pelos Correios.
Milena avalia que o público está cada vez mais aberto à compra de roupas usadas e percebe mudanças na forma como os brechós são compreendidos. A influência de redes sociais e de figuras públicas também tem sido apontada como fator para o crescimento do setor.
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