VICE-PREFEITO foi à Justiça contra ataques que recebeu em redes sociais. Entenda o que diz a lei
O vice-prefeito de Montenegro, Cristiano Braatz, trouxe a público recentemente que entrou na Justiça contra autores de ataques feitos contra ele na internet. “As redes sociais viraram uma terra sem lei, onde todo mundo pensa que pode escrever o que quer sem se importar com a pessoa que querem atingir, sua história de vida, família, trabalho e relações pessoais”, disse o político ao Ibiá sem detalhar o teor das manifestações. Há postagens recentes e também mais antigas. “Quando se é um agente público, estamos sujeitos a elogios e críticas; e precisamos conviver e interpretar estes sentimentos. No entanto, ofender a honra e a dignidade não podemos tolerar. Eu espero que meu exemplo sirva para muitas pessoas não se calarem e buscarem os seus direitos”, sublinhou.
Segundo o Promotor de Justiça e professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público, David Medina da Silva, ataques como os denunciados por Braatz ao Judiciário configuram-se como crimes contra a honra. Eles são categorizados em três delitos diferentes: a injúria, a difamação e a calúnia. “A injúria é quando a gente faz algum comentário vexatório contra uma pessoa; algum comentário que cause vergonha, falando mal dela ou de alguma característica. A difamação é quando a gente afirma que a pessoa fez alguma coisa que é reprovável. Já a calúnia é quando alguém afirma que outra pessoa cometeu um crime”, explica o especialista.
Via de regra, a pena pra injúria pode ir de um mês até seis meses; pra difamação, de três meses a um ano; e pra calúnia, de seis meses a dois anos. Na prática, porém, a penalização acaba sendo mais branda. “Essas são consideradas infrações de menor potencial ofensivo, então, em regra, são resolvidas no Juizado Especial Criminal. Elas terminam, muitas vezes, com uma reparação, um pedido de desculpas, uma retratação; ou até uma transação penal, em forma de prestação de serviços à comunidade ou uma doação de cestas básicas”, aponta Medina.
O promotor esclarece que a caracterização dos crimes, no caso da difamação e da calúnia, se baseia no fato de o autor não ter provas do que está manifestando. “Quer acusar uma pessoa? Acusa! Mas você tem que ter provas. Se não tiver, você pode ser responsabilizado criminalmente”, alerta. “Quando falamos de difamação e calúnia, é de quando isso é malicioso, infundado, e feito simplesmente a fim de agredir outra pessoa. Agora, se são críticas fundadas, aí isso está acobertado pela lei e é permitido.” Nos processos envolvendo o crime de injúria – a ofensa à dignidade – não cabe esse tipo de apresentação de provas. “Isso não existe porque ninguém tem o direito de ofender ninguém”, pontua o especialista.
Redes sociais e envolvimento de funcionário público agravam pena
As ações envolvendo o vice-prefeito se enquadram em situações onde a pena dos crimes contra a honra são mais duras. A primeira delas é o fato de os ataques terem ocorrido por meio de redes sociais; o que aumenta a penalização em um terço. “Isso porque as redes sociais são um meio que facilita a divulgação da calúnia, da difamação e da injúria”, explica o professor David Medina da Silva. Dentre os facilitadores da internet, estão a visibilidade, as possibilidades de compartilhamento e o fato de o autor poder se esconder atrás de perfis falsos, dificultando a sua identificação.
A legislação também prevê acréscimo de um terço da pena quando a ofensa for dirigida a funcionário público, o que, de acordo com o especialista, é o caso do vice-prefeito. Na avaliação do promotor, esse endurecimento da pena é necessário. “Especialmente num ambiente de muita polarização, de muita ideologização, em que é muito fácil fazer críticas por conta da liberdade de expressão”, opina. “É possível a crítica, desde que ela seja fundada e que tenha cabimento. A democracia se baseia no respeito; e toda ofensa infundada, feita maliciosamente, só por fazer um ativismo político ou por uma divergência ideológica, é o oposto da democracia.”
O promotor vai além. “A democracia, ao mesmo tempo em que dá liberdade pras pessoas, precisa impor que as pessoas se respeitem. Se não, essa liberdade vai causar constrangimento na vida dos outros. Mesmo um funcionário público tem vida familiar, tem filhos que vão na escola, pessoas que fazem parte do círculo social dele. Imagine que se crie uma crítica infundada na rede social, o filho dessa pessoa vai pra escola e começa a ouvir todo tipo de barbaridade. A democracia não pode dar guarida a isso.”
“A democracia te dá mecanismos para apurar se aquilo é verdade”
Ter a prova do que se está dizendo ou publicando é chave no que tange aos crimes contra a honra. Porém, nada impede que o cidadão suspeite de irregularidades – de um ato criminoso, por exemplo – mesmo não tendo como prová-las. Postar sobre elas, sem as evidências, poderia se enquadrar como crime. Há, contudo, outros caminhos. “A democracia te dá mecanismos para apurar se aquilo é verdade”, explica Medina. “O caminho certo é: tenho uma evidência ou, simplesmente, uma suspeita de alguma irregularidade, eu vou levar às instâncias competentes. Se for um crime, vamos levar à Polícia e ao Ministério Público; se for um ilícito administrativo, vamos levar a instância de controle administrativo e isso será apurado. Eu vou cobrar que seja feita uma investigação. Esse é o meu papel como cidadão.”
Conforme o promotor, especialmente quando as suspeitas envolvem pessoas ligadas à política, costuma ocorrer a publicidade da denúncia, depois que ela foi feita. “O que um candidato ou, às vezes, uma pessoa pública faz é protocolar a notícia crime pra que ela seja investigada e, aí, ir à imprensa e colocar: fui no Ministério Público e fiz a comunicação de um crime para que ele seja apurado. Isso está totalmente dentro da lei e daquilo que o espírito de convivência democrática exige de cada um de nós”, elucida. “A denúncia vai ser apurada pelos canais competentes e a pessoa, que é uma pessoa pública, terá que dar satisfações.”
Fui vítima. Como proceder?
As vítimas de crimes contra a honra – sendo particulares – podem registrar boletim de ocorrência na delegacia, quando são iniciados os trâmites que, usualmente, buscam um acordo com o agressor. Outro caminho é entrar com a ação judicial, por meio da chamada queixa crime, protocolada por um advogado.
É importante, quando possível, guardar provas da ofensa, como links e prints das postagens, no caso do uso das redes sociais. Segundo o professor Medina, muitas vítimas têm buscado o serviço dos cartórios e feito atas notariais desses registros, de forma que eles sigam valendo como prova mesmo que sejam deletados.
Já no caso de funcionários públicos, ainda que o STF garanta que a denúncia possa ser feita de forma privada, como fez o vice-prefeito, a denúncia costuma ser realizada através de representação criminal no Ministério Público. “Quando a gente tem o funcionário público, a gente tem interesse público; e essa questão da difamação e da calúnia pode até gerar uma investigação contra esse agente que supostamente foi ofendido por que ele pode ter feito o que disseram que ele fez. Então, isso gera uma ação pública e é o Ministério Público que vai atuar”, explica o promotor.