Criação de cooperativa traz esperança para catadores do Estação

Projeto Reciclar está promovendo capacitações para moradores

Todos os dias, bem cedinho, dona Beni Rodrigues do Nascimento, 59, sai de sua casa, no bairro Estação, em busca de material reciclável pela cidade. Com a ajuda dos quatro filhos ela recolhe latinha, papelão, e garrafas pet. O que para grande parte dos cidadãos é visto como lixo, para dona Beni é o sustento da família. “Dá uns R$ 300 por mês, mas tem que trabalhar muito, porque quando chega o Inverno não tem muita coisa. O que a gente pega mais é latinha, que tem mais no Verão”, conta a catadora.

Essa também é a rotina de Florentina Dias Tavares, 57, uma das primeiras moradoras do bairro Estação. “Faz tempo que eu trabalho com reciclagem. Até tinha parado um tempo, porque o meu marido estava trabalhando de carteira assinada, mas ele perdeu o emprego e tivemos que voltar para a reciclagem”, conta a catadora. Atualmente tendo como única renda fixa o Auxílio Brasil, benefício social pago pelo governo Federal, dona Florentina e a família têm na reciclagem um dinheiro para ajudar no orçamento apertado. “Eu tenho só esse dinheiro do Auxílio, que não está chegando, porque não dá nem pra ir no mercado, tem coisas que a gente nem está comprando, porque está muito caro”, relata a catadora.

Em meio a tantas dificuldades enfrentadas pelas dezenas de catadores do bairro Estação, um sonho antigo tem trazido esperança. No dia 13 de abril, cerca de 25 moradores iniciaram uma formação através da Global Communities Brasil, em parceria com as empresas John Deere, Tanac, Biocitrus e Poker, com apoio da Prefeitura de Montenegro. O projeto busca a capacitação dos catadores para a organização de uma cooperativa de materiais recicláveis.

A voluntária Maria Janete Bernardes Francisco, 63, ajudou na criação do projeto. Ela conta que a ideia começou a ser pensada no período mais crítico da pandemia, quando aconteceram doações de cestas básicas para os moradores do bairro pela John Deere. “Em uma dessas entregas um dos funcionários da empresa conversou com alguns moradores sobre a necessidade de se criar algo pra que trabalhassem e melhorassem as condições de vida deles. Foi quando surgiu essa ideia de fazer uma cooperativa, de fazer um treinamento com eles, trazer conhecimento”, afirma Janete. Através da organização Global Communities Brasil, a John Deere então buscou empresas da cidade para colaborarem com o projeto e selecionou uma entidade para ministrar a capacitação para os catadores.

A expectativa dos moradores é grande. Dona Beni diz que a criação da cooperativa vai ser um sonho realizado para os catadores do bairro e já faz planos para o futuro. “Já estou planejando, vou arrumar a minha casa, botar um forro e juntar um dinheiro, porque sempre tem que ter um dinheirinho guardado. Peço que Deus abençoe, que a gente sempre tenha bastante saúde para trabalhar”, diz a catadora.

Criação de cooperativa de materiais recicláveis traz esperança para moradores como dona Beni, que participa do projeto

Catadores estão passando por capacitação
Cristiano Benites Oliveira, 46, professor de Ciências Sociais, é um dos responsáveis pela capacitação dos cerca de 25 catadores que estão participando do Projeto Reciclar. Oliveira explica que a entidade da qual faz parte, a Associação Nacional dos Catadores Recicláveis, foi selecionada pela Global Comunites para realizar o projeto, que está acontecendo em três etapas. “Esse projeto vem no sentido de organizar a categoria e também construir, a partir disso, uma cooperativa ou uma associação que possa atuar nas duas frentes: tanto na questão ambiental quanto na questão social”, aponta o professor.

Na primeira etapa do projeto foi realizada uma pesquisa para entender como se apresenta a gestão de resíduos sólidos em Montenegro. Conforme Oliveira, foi identificado que o município ainda tem uma gestão muito deficitária dos resíduos, com uma taxa de reaproveitamento muito baixa, cerca de 10%. “Tem uma série de problemas nessa gestão, então a intenção é aproveitar a experiência e o conhecimento dos catadores na ressignificação dos resíduos. O objetivo é que as pessoas não enxerguem o resíduo sólido como lixo, mas como o que está colocado na política nacional de resíduos sólidos, que é um bem que pode ser reutilizado economica e socialmente”, destaca o professor.

Atualmente está acontecendo a segunda etapa do projeto, que é a formação dos catadores. No total serão 20 horas de aulas, realizadas a cada 15 dias na EMEF Ana Beatriz Lemos, no bairro Estação. Os moradores do bairro também estão fazendo visitas a outras cooperativas para compreender o processo de criação e funcionamento das entidades. Em seguida, a ideia é auxiliar os moradores na organização da própria cooperativa, o que deve qualificar a gestão dos resíduos de toda a cidade.

O Cientista Social Alex Cardoso, 42, também é responsável pela capacitação dos catadores no Projeto Reciclar. Cardoso vem de uma família de catadores e participou do processo de transformação de muitos recicladores em protagonistas do sistema de gestão de resíduos, ajudando na criação de diversas cooperativas de reciclagem no Estado. “A cidade precisa dessas pessoas ditas como pobres. O processo de formação é esse acúmulo de juntar os catadores, de forma organizada, com um governo que possa garantir esse processo de inclusão e a participação dos catadores. Isso junto com uma sociedade que acolhe e compreende o papel dos catadores”, destaca Cardoso.

Conforme o Cientista Social, a expectativa é para além do projeto, que possa ser um processo que tenha continuidade. “A minha perspectiva é de conseguir instalar um processo de coleta seletiva solidária, uma unidade de triagem que tenha equipamento e tecnologia adequada pra gestão de resíduos. Que tenha a participação popular, que consiga incluir o máximo de pessoas e termine com essa violência que é o trabalho precário na rua”, conclui Cardoso.

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