Futebol feminino. Longe dos preconceitos, dupla de Montenegro ganha espaço na equipe profissional do Inter
A desigualdade salarial ainda é grande, mas a paixão pelo futebol e o sonho de jogar profissionalmente motivam a mulherada a não desistir. No início deste ano, a CBF determinou que os clubes brasileiros que não tiverem time de futebol feminino, não poderão participar da Libertadores da América a partir de 2019. A medida fez com que os principais clubes do país realizassem peneiras e testes com a mulherada para formar uma equipe profissional.
Sem perder tempo, a dupla Gre-Nal promoveu testes e formou elencos femininos para disputar competições pelo Estado e também pelo país. Atualmente, o grupo profissional das Gurias Coloradas, como é chamado o time feminino do Inter, é formado por 24 atletas, sendo duas de Montenegro. A zagueira Isadora Haas Gehlen, 16 anos, e a lateral-esquerda Franciele Rangel Alves, 27 anos, são as representantes do Vale do Caí na equipe feminina do celeiro de ases.
Realizando um sonho, as duas atletas de Montenegro jogam futebol desde pequenas e sempre contaram com o apoio da família. Além de ser titular da equipe profissional, Isadora, a Isa, também defende o colorado pela categoria sub-17, onde é capitã do time. Destaque do sistema defensivo, a montenegrina ainda se aventura no ataque e é a artilheira da equipe no Campeonato Gaúcho Sub-17. Em quatro jogos, Isa anotou seis dos 13 gols do colorado, sendo três de falta e outros três de cabeça.
No caso de Isa, a paixão pelo futebol é indiscutivelmente de família. Seu único irmão, Eduardo Haas Gehlen, o Duda, também é jogador profissional e atualmente está no Juventude se recuperando de lesão muscular. Também apaixonada por futebol, a mãe Doris Helena Haas Gehlen não esconde a felicidade e o orgulho em ver os dois filhos realizando seus sonhos. “Adoro acompanhá-los e eles também gostam disso. Acho até necessário ficar perto, pois nesta profissão eles viajam muito”, ressalta.
Presente nos jogos para assistir a filha, Doris e o marido, Vilmar de Castilhos Gehlen, também acompanham Isa nos treinamentos, que ocorrem nas segundas, terças, quintas e sábados. “Meu marido é quem está mais feliz, pois ele tinha o sonho de ser jogador, mas não teve condições e nem oportunidades para isso”, diz.
O irmão Duda é a grande inspiração de Isa. Com ele, a jovem jogadora conta que troca aprendizados. “Sempre vi o Duda jogando, sem dúvidas é uma inspiração. Ele me ajuda com tudo. É uma troca de experiências e isso ajuda muito”, frisa.
Isa participou da peneira com mais 700 meninas em fevereiro e passou das duas primeiras fases. Depois disso, logo foi chamada para integrar o elenco profissional das Gurias Coloradas, e de lá não saiu mais. Durante a semana, ela treina apenas com o grupo principal, onde aproveita para adquirir experiência e passar para suas colegas do sub-17. “Além da questão técnica, a grande diferença entre sub-17 e profissional é a experiência das meninas”, aponta a atleta.
No entanto, antes de chegar ao colorado, Isa realizou sua base no futebol no Fera, até os 13 anos de idade, sendo a única menina na escolinha. “Com os meninos, jogava de centroavante. Como cresci bastante (está com 1,76m atualmente), fui para a zaga e consegui me adaptar muito bem”, revela.
Muitas mulheres ainda não ingressaram no esporte devido às desigualdades comparadas ao masculino e ao preconceito que ainda existe sobre elas. Isa afirma nunca ter sofrido preconceito no futebol, mas espera que a mulherada seja mais valorizada. “Nunca tive problemas com preconceito no Fera, os meninos sempre cuidavam. Os times estranham ter uma menina do outro lado, mas é normal. A valorização que é uma diferença muito grande. Muitas meninas jogam por amor e pelo sonho. Podia ser bem mais valorizado. É tudo diferente, inclusive os patrocínios”, lamenta.
Com um título regional já conquistado pelo Inter, Isa vê um grande passo dado com sua chegada no clube e sonha com a seleção. “Não tinha nada de futebol feminino no Estado há poucos meses. A nossa treinadora tem experiência na seleção, passa muito conhecimento. O Inter é um primeiro passo muito grande. Muitas mulheres vão entrar no esporte agora que foi dado esse pontapé inicial. E a Seleção Brasileira é sempre um sonho que a gente tem”, completa.
Com futebol no sangue, Fran aproveita chance no clube
Natural de Chapada, interior do Estado, a lateral-esquerda Franciele Rangel Alves, 27 anos, veio morar em Montenegro há três anos e jamais deixou o futebol de lado. Fran, como é conhecida, participou da segunda fase da peneira que o Inter promoveu, agradou a treinadora Tatiele Silveira, a Tati, e garantiu um lugar no elenco profissional da equipe.
Apaixonada pelo esporte, ela foi incentivada pelo pai a conquistar seus objetivos. “Jogo futebol desde pequena, sempre gostei. Está no sangue já. Meu pai sempre foi meu grande incentivador. Na minha cidade natal, treinava desde cedo, participava de jogos interescolares, o que para mim, na época, era a grande competição. Com 17 anos fui para Estância Velha jogar futsal pelo Sesc Chimarrão”, relembra.
No ano em que chegou ao time do Sesc Chimarrão, foi campeã da Taça Brasil de Futsal, o terceiro título da equipe. Entre 2007 e 2013 na equipe, foi quatro vezes campeã estadual e duas vezes vice. Ainda jogou pela Feevale entre 2007 e 2010, sendo tricampeã universitária, e pela Ulbra, entre 2012 e 2016, onde jogou futebol de campo pela primeira vez, conquistando o bicampeonato universitário de futebol. Em Montenegro, defende as cores do Fênix.
Assim como Isadora, a lateral-esquerda nunca passou por preconceitos no futebol, mas lamenta que ainda haja tantas diferenças entre o futebol feminino e o masculino. “Sempre houve (diferenças). Além das diferenças de salário e incentivo, o futebol feminino sofre muitas dificuldades para bancar o projeto. Em todos os únicos que joguei, as meninas sempre deram o máximo que podiam, mas sempre estavam correndo atrás de ajuda para melhorar as condições”, salienta.
Meia de origem, ela tem atuado apenas na lateral com a camisa do Inter. Como trabalha à tarde e estuda à noite, Fran tem treinado apenas nos sábados e não tem sido titular. Entretanto, não tem do que reclamar do tratamento recebido em Porto Alegre. “O tratamento é de profissionalismo e seriedade. Todos nós sabemos o motivo de estarmos lá e o que queremos. Para mim, jogar no Inter é um sonho realizado. Jamais imaginei que jogaria no meu time do coração”, enaltece.