Indígenas se mudam para terreno do Estado, em Capela de Santana

Demora no processo e atritos com os vizinhos motivaram a realocação dos Kaingang

Após dois anos ocupando um terreno do governo Estadual, no bairro Centenário, em Montenegro, os indígenas Kaingang cansaram de esperar pela resolução por parte dos órgãos públicos e resolveram se mudar para Capela de Santana. A aldeia – composta por 33 famílias – está se instalando na área do antigo Centro de Treinamento da Mecanização da Lavoura (CTML) de Capela, que também é de propriedade do governo do Estado. A expectativa é que até sexta-feira, 8, toda a mudança já esteja feita.

Todo o processo de mudança teve início na manhã de segunda-feira, 4, porém, o vice-cacique, Lucas Nascimento, relata que no domingo a decisão já havia sido tomada e informada ao Executivo Municipal. “Tomamos a decisão de ir pra lá, porque se a gente ficar esperando vai demorar mais de cinco ou seis anos, então a nossa decisão foi essa”, diz.

De acordo com ele, a demora para resolver o impasse e atritos entre vizinhos motivou a ida para Capela de Santana. “O cacique tomou essa decisão para que a gente se retirasse logo, para evitar um conflito maior. […] Pelo menos lá é lugar retirado, ninguém vai incomodar ninguém, e aquele terreno é do Estado também”, declara.

A área em Capela de Santana já havia sido apontada como possível lugar para a fixação dos Kaingang. “Era 309 hectares e na ultima reunião que tivemos disseram (Estado) que era 96 hectares, mas nós vamos trabalhar pra ver se a gente consegue esses 309 hetares lá”, fala Lucas.

Recentemente mais casas haviam sido construídas no terreno Foto: Arquivo Ibiá

Segundo ele, com mais espaço disponível a expectativa da comunidade é de montar uma escola e um posto de saúde no local. “Nós queremos também colocar uma horta comunitária com a Emater. A Emater já esteve aqui (Centenário) e disse que não tem espaço para colocar, então lá vai ser melhor, iremos trabalhar em paz”, comenta.

O cacique da aldeia, Eliseu Claudino, conta que deixou como opcional a mudança das famílias, e inicialmente algumas famílias estavam resistentes, mas que todos resolveram sair do local. “Houve muita ameaça, então resolvemos sair, porque não estamos aqui para ter conflito”, diz.

Eliseu relembra que houveram muitos comentários na rede social sobre a chegada dos Kaingang em Montenegro, mas que as suas raízes estão aqui nessa terra. “Os nossos antepassados sempre nos falavam que os índios passavam aqui, então nós temos a nossa raíz aqui em Montenegro. Tem os meus netos, tem os meus filhos, e eles nunca irão esquecer da nossa raiz”, completa.

O que diz a Prefeitura e a Funai?

Em contato com a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Montenegro, o Jornal Ibiá foi informado que o prefeito, Gustavo Zanatta, foi chamado na aldeia, no bairro Centenário, na noite de domingo, 3, junto ao secretário de habitação, desenvolvimento social e cidadania, Luis Fernando Ferreira. De acordo com o Executivo, os próprios indígenas informaram a decisão da mudança, devido a atritos com vizinhos. “Viemos de imediato aqui (na aldeia). Acertamos alguns detalhes com eles em relação a ajudar a desmanchar as casas, e nesse meio tempo também apareceu parceiros que queriam ajudar na questão do transporte, então fizemos uma força-tarefa”, explica o secretário Luis Fernando.

Desde o início do mandato, a Administração articula junto ao governo do Estado, o encaminhamento dos Kaingang para um local mais adequado. “A gente ficou muito feliz que o cacique nos procurou, para que depois de tanto tempo pudesse realmente colocar uma pedra sobre esse assunto e também uma bandeira branca que foi hasteada entre nós e os índios. […] Lá terá uma condição melhor para eles viver, aqui era uma área insalubre, então a gente acredita que lá onde eles vão estar será melhor e com a possibilidade mais concreta de ter o poder da área do que aqui”, concluí Luis Fernando.

De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai) de Porto Alegre, os Kaingang tinham conhecimento que a área no bairro Centenário era provisório, porém este novo local em Capela de Santana está sendo oferecido para que a aldeia se fixe definitivamente. Além disso, já estão sendo realizadas articulações com órgãos como a Prefeitura de Capela de Santana, Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), e outros.

No local há uma estrutura para distribuição de água e luz desativada, porém a Funai já está articulando para que seja providenciada para os indígenas. Por se tratar de uma área Estadual a Funai não pode investir recursos da União no local, entretanto não é descartado a opção de uma doação do terreno ou transferência para o governo Federal, por parte do Estado.

Aldeia estava desde 2018 em Montenegro

Inicialmente, o grupo de Kaingangs vindos de assentamentos de cidades como Nonoai, Redentora e Carazinho – na região norte do Rio Grande do Sul – vinham sazonalmente para Montenegro com o objetivo de vender os seus artesanatos. Desde o final de 2018, a aldeia permaneceu no Município, buscando melhores oportunidades de vida.

Em última reunião realizada com Executivo, Legislativo e Funai, indígenas haviam declarado desejo de ficar em Montenegro

No início, eles estavam ocupando uma área de propriedade particular, nas margens da RSC-287, porém após um processo de reintegração de posse a aldeia passou para o terreno no bairro Centenário, de posse do governo do Estado, onde estavam até o momento. Desde então, atritos com a vizinhança e reuniões com o poder público são constantes. Vizinhos relatam choque cultural, como fumaça em excesso, uso irregular de energia elétrica e falta de higiene pessoal. Por parte dos indígenas, há relatos de ameaças e difamação nas redes sociais.

Ainda em outubro de 2019, um abaixo-assinado realizado pelos moradores da redondeza havia sido apresentado na Câmara de Vereadores. Em última reunião realizada entre o Executivo Municipal, Legislativo, vizinhança e Funai, indígenas demonstraram interesse em ficar no local, porém as outras partes foram contrárias. Uma das soluções apontadas na ocasião foi uma reunião com o governo do Estado, mas até então nada havia sido encaminhado.

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