Painel organizado pela Central Única das Favelas buscou refletir sobre o tema. Evento ocorreu na Estação da Cultura
130 anos e um dia após a Abolição da Escravatura no país, um painel foi realizado no Espaço Braskem da Estação da Cultura, em Montenegro, para refletir sobre o período. Em um debate aberto ao público, que reuniu cerca de 60 pessoas, a pergunta era: após o fim da escravidão, o que o negro, de fato, conquistou no Brasil? Ele tem um lugar na sociedade, hoje, em igualdade?
O evento foi uma organização da Central Única das Favelas (Cufa) e contou com a participação, na mesa, do ativista social e músico MC Pedrão; do jornalista da TV Cultura e Rádio América, Leandro Utzig; da psicóloga e presidente da Associação Floresta Montenegrina, Letícia Santos; da jornalista do Ibiá Andressa Kaliberda; da estudante de Direito Danielle Araújo; do jornalista da agência de publicidade Conecta, Cássio Pereira; e do estudante da Uergs Lucas Braga.

Um dos pontos abordados para a reflexão foi a desmistificação da chamada Lei Áurea, que deu fim à escravidão. “A gente não se dá conta de que, na escola, parece que a princesa Isabel mudou tudo”, falou Leandro. O jornalista foi complementado pelos colegas, que comentaram sobre um “embranquecimento” do fato histórico que, nos livros didáticos, não fala dos movimentos sociais negros que existiam e lutavam na época. Eles também não citam que a abolição se deu com um viés comercial, por pressão da Inglaterra.
“Passaram 130 anos e nem visibilidade à nossa luta nós conquistamos”, adicionou o estudante Lucas Braga. “Onde estão os negros nas universidades? Onde estão os negros no mercado de trabalho? Eu vejo que esses 130 anos parecem que não passaram. O papel não mudou essa realidade”, colocou. Em uma auto-reflexão, os presentes começaram a pensar sobre onde estão os negros no Brasil hoje, como professores, médicos, políticos e demais cargos. “O problema é muito maior do que a gente pensa”, pontuou o jornalista Cássio Pereira.
Trabalhando com publicidade, o profissional contou que, nas buscas pelos bancos de imagens por palavras-chave como “família” ou “bebês”, as pessoas negras custavam a aparecer. A representação na mídia, como um todo, também foi problematizada. Repórter do Jornal Ibiá, Andressa Kaliberda refletiu que a fonte negra, no jornal, acaba por só ser buscada para matérias específicas sobre temas referentes à cor da pele. “É difícil achar uma fonte especializada negra. Falta um pouco de a gente buscar, mas também falta, às vezes, de o negro conseguir chegar nessas posições de destaque”, apontou.

Para a psicóloga Letícia Santos, que é negra, o problema é claro. “Eu sou psicóloga, faço uma série de trabalhos comerciais e, muito provavelmente, poucos reconhecem a minha trajetória”, lamentou. Ela contou que, em seu consultório, por vezes é confundida com a secretária, reconhecendo, também, que muitas vezes o negro não ganha a chance de chegar a lugares foco de reconhecimento. Nas novelas, nas propagandas e nas revistas – também foi apontado – a figura do negro normalmente é associada a papéis de serventes, “trambiqueiros” ou marginais.
Dados levados ao painel – baseados no IBGE e na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) – mostram que 53% da população brasileira é negra; que ela tem 5 vezes mais chance de ser analfabeta; que 75% da população carcerária é negra; e que, nas casas de famílias negras, 51% não têm internet e 53,2% não têm máquina de lavar. A deigualdade é “clara”.
Único secretário negro é homenageado

da Cufa, foi um dos idealizadores
Falando em representatividade, o coordenador da Cufa, Rogério Santos, puxou uma salva de palmas para o único Secretário Municipal negro de Montenegro na atual Administração: Adriano Campos Chagas, que assumiu o Meio Ambiente no mês passado. “Independentemente do viés político, já é alguma coisa em questão de referência”, colocou. “Isso é muito importante”.
Acompanhando o evento, o secretário tomou a palavra. Ele contou que sempre viu a caminhada de inserção do negro como cidadão na sociedade como uma selva, referindo-se à maior competitividade enfrentada e ao esforço necessário. “Eu tenho 48 anos de idade. Só tive chefes brancos em minha carreira, mas eu nunca perguntei para eles o que eu tinha que fazer. Eu sempre sabia o que eu tinha que fazer”, colocou Adriano, considerado um vencedor.