Guardiã de memórias: Assim era o Germano Henke

Em caixas, pastas e arquivos, a montenegrina Dorilde Vicence guarda parte da história do bairro Promorar, como era conhecido no passado

Em uma caixa especial, guardada na prateleira do quarto, a montenegrina Dorilde Vicense, 57, preserva capítulos importantes da história do bairro Germano Henke, em Montenegro. Um passado do qual ela se orgulha por ter feito parte. “São tantas lembranças”, disse, enquanto separava algumas das tantas fotografias de um tempo em que o bairro sequer tinha nome.

Natural de Santa Catarina, Dorilde se mudou para Montenegro em 1980, quando tinha 19 anos. Com o surgimento do Polo Petroquímico, inaugurado no início da mesma década, a oferta de emprego atraiu pessoas de todas as partes do Brasil, e foi graças a esse cenário que ela chegou ao município em busca de uma vida melhor, ao lado do marido. “Primeiro fomos morar no bairro Santo Antônio, onde ficamos os primeiros quatro anos e, só depois, nos mudamos para o Germano Henke”, recorda a autônoma, que se considera montenegrina.

“Muita gente veio e foi embora, e nós continuamos. Nesse tempo, o bairro era um conjunto habitacional da Promorar, feito com casas minúsculas e sem muito conforto. Mas, durante os primeiros anos, mesmo nessas condições, todo dia chegava um caminhão com mudanças de novas famílias que vinham morar aqui”, relembra Dorilde.

Na época, o conjunto habitacional foi construído com recursos originários do extinto Programa de Erradicação de Sub-Habitação (PROMORAR), vinculado ao então Banco Nacional da Habitação (BNH). A iniciativa tinha como proposta contribuir para o desenvolvimento de comunidades carentes a partir do acesso à moradia. E foi dentro dessa realidade social que Dorilde se viu diante de um grande desafio. “A situação era muito difícil e faltava praticamente tudo na comunidade, desde ônibus, calçamento, escola, creche, até posto de saúde”, disse a montenegrina.

Entre as tantas dificuldades relatadas pela moradora, a falta de água foi a pior delas. Conforme Dorilde, a empresa responsável pela construção de um trecho da rodovia próxima do bairro, estourou a rede de canos da Corsan e deixou toda a comunidade sem água durante dias. “Para lavar roupas, a gente tinha que ir nos açudes, e para fazer comida e beber, a prefeitura mandava um caminhão pipa bem no início da manhã e toda mulherada descia para pegar água”, conta a moradora, que mais tarde se tornou líder comunitária.

“Era uma realidade muito desafiadora, mas fomos aprendendo a resistir e lutar por melhorias na nossa comunidade. No início, o bairro tinha vários nomes e alguns eram pejorativos, com Vila do Sapo, Vila João de Barro por conta do tamanho das casas, Pombal e Promorar. Infelizmente sofremos muito preconceito e a gente ouvia isso nos comentários das pessoas. Era horrível”, lamenta Dorilde.

Formatura do curso de pintura em tecido realizado pelo Clube de Mães na Escola Promorar, em junho de dezembro de 1990, é uma das imagens de Dorilde. foto: arquivo pessoal
Para Dorilde, o bem comum é a prioridade
Atualmente, Dorilde Vicense reside no bairro São Paulo, onde continua envolvida com causas sociais. “Esse meu engajamento vem desde criança, dos meus pais, da minha comunidade, e lutar por uma vida melhor se torou parte de mim”, comenta Dorilde Vicense, que atualmente está fazendo um curso de liderança.

Para ela, o bem comum é uma luta permanente. “No bairro Germano Henke acabei me tornei uma referência de Deus por conta do trabalho como catequista, e foi através dele, com apoio de tantas outras mulheres que conseguimos ajudar muitas famílias, crianças e jovens e a mudar realidades”, completa a moradora.

“O pavilhão marcou uma época”, ela recorda
Sem um espaço específico para a realização dos eventos da comunidade no bairro Germano Henke, Dorilde Vicense conta que foi pela iniciativa da presidente da associação da comunidade –Vera Quadros – que um pavilhão foi construído pela própria população para atender a essa demanda. “O pavilhão marcou uma época”, disse a moradora.

“Existia muito amor envolvido nisso tudo, pois a comunidade era muito unida e se envolvia verdadeiramente com aquilo que era coletivo”, recorda ela.
Devido à deterioração, em 2012 o pavilhão foi destruído, levando com ele lembranças de um período guardado para sempre na memória de quem viu o bairro Germano Henke nascer. “Quando relembro tudo que fizemos, bate uma saudade tão grande daquela correria”, dispara Dorilde.

Sobre a construção de um sonho
A partir da atuação dos membros da associação comunitária, aos poucos, o bairro Germano Henke foi se tornando um lugar do qual os moradores começam a sentir orgulho em fazer parte. “Todo mundo se ajudava, mas minha grande luta foi na catequização das crianças”, revela Dorilde Vicense. Ela foi responsável pela primeira eucaristia e crisma de dezenas de crianças, junto com as moradoras Manuela Flores, Noeli Ramos e Clair Terezinha de Oliveira.

“Tudo acontecia na escola, até que um dia ganhamos a doação de uma casa onde passamos a reunir a criançada. Lá aconteciam os encontros de jovens, missas, reuniões, gincanas e todo mundo participava. Com o tempo, isso nos despertou o sonho de ter uma igreja católica dentro do bairro, o que até então era algo distante da nossa realidade”, recorda catequista.

Aula de catecismo no antigo pavilhão da comunidade, onde também aconteciam os eventos da comunidade
.foto: arquivo pessoal
Ao perceber que dentro da comunidade existia tanto engajamento, o contador José Nelson Griebler, que na época fazia parte do Conselho Paroquial de Pastoral, decidiu a ajudar a transformar o sonho dos moradores em realidade, como conta Dorilde. “Ele conseguiu doações com várias empresas em Montenegro e ajudou a vender a casa que foi doada”, explica. “Com esse dinheiro, a Igreja Nossa Senhora da Glória foi erguida em uma área verde autorizada pelo ex-prefeito Ivan Zimmer”, completou.

Elas transformam as dificuldades em resistência
Enquanto os homens trabalhavam no Polo Petroquímico, eram as mulheres que davam início a um movimento de resistência no bairro Germano Henke, mais conhecido na época como bairro Promorar. “Os dias que ficamos sem água, somados aos outros problemas da comunidade, nos levaram a reivindicar por soluções ao poder público”, relembra Dorilde Vicense.

A construção de uma escola foi uma das primeiras pautas da comunidade. “Nesse tempo, poucas mulheres trabalhavam fora, então tínhamos mais tempo para correr atrás das coisas e, assim, nossa primeira luta foi pelo direito de ter uma escola dentro do bairro”, conta, acrescentando que a demanda foi atendida com a construção da Escola Promorar.

Em um lugar distante do Centro e com uma comunidade marginalizada, a moradora comenta que a instituição teve muitas dificuldades de manter suas atividades nos primeiros anos. “Não parava nenhuma diretoria e ninguém cuidava da sede, até que chegou a diretora Denise Ferreira e as coisas começaram a mudar”, relata.

“Como as revindicações nem sempre eram atendidas e, algumas vezes, completamente ignoradas, as mães se juntaram e começaram a formar grupos para fazer a merenda e limpeza da escola. Era lindo de ver a motivação das pessoas em querer transformar aquela realidade miserável”, diz Dorilde. “Ou a gente lutava ou íamos padecer.”

Com a instalação da Escola Promorar, a sede da instituição passou a ser um ponto de referência para a comunidade que, até então, não contava com nenhum espaço público a serviço da população local. “Tudo era na escola, como as reuniões, brechó da igreja, e até a catequese, formações, cursos”, explica a moradora.

Enquanto falava, ela puxou um extenso dossiê e detalhou mais sobre aqueles anos. “As mesmas mulheres que estavam no Clube de Mães, também passavam a integrar a associação comunitária do bairro, fundada em 11 de setembro de 1987. A partir desse momento, toda a comunidade passou a ser organizar”, relembra Dorilde, com um dos documentos da entidade nas mãos.

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