“IMPAGÁVEL”: Caso não haja avanço na esfera Administrativa, discussão poderá ser judicializada
Está marcada para as 14h30min desta quinta-feira, 13, reunião online entre representantes do Executivo montenegrino e Márcio de Melo Faria Pereira, auditor-fiscal da Receita Estadual, que atua na Divisão da Dívida Pública da Secretaria da Fazendo do Estado. A pauta do encontro virtual é a dívida do Projeto Cura. O grupo local quer retomar a discussão sobre a dívida, mas, caso não haja avanços no campo Administrativo, o Município já se prepara para judicializar a questão.
Conforme o secretário Geral do Governo Zanatta, Vlademir Gonzaga, a reunião é uma tentativa de resolver a demanda sem precisar buscar a Justiça. “Queremos mostrar aos técnicos do Estado a nossa intenção de resolver definitivamente essa questão e ver se há essa possibilidade”, explica o titular da pasta.
Além do encontro desta quinta-feira, o Executivo pretende contratar uma empresa especializada em Consultoria Jurídica para analisar a dívida. A ideia foi formatada em reuniões realizadas entre Vlademir e um grupo formado pelo chefe de Gabinete, Renan Boss, o procurador-geral do Município, Alexandre Muniz de Moura, o gerente de contratos e convênios, Silvio Kael, e o secretário da Fazenda, Antônio Filla. “A decisão já foi tomada, vamos tentar resolver esta questão. O processo de contratação já está praticamente pronto, dependendo apenas da análise da Procuradoria-Geral do Município (PGM)”, completa Vlademir.
Foram quase dois anos de trabalho até a conclusão do documento que aguarda parecer da PGM. Questionado sobre a possibilidade de a própria Procuradoria representar a Administração Municipal numa possível ação judicial, Vlademir afirma que isso não seria possível devido à demanda que já pesa sobre o departamento. “A PGM já está assoberbada. Um processo desses consome tempo integral, teríamos que destacar alguém só pra esse caso. Não temos condições técnicas de fazer”, justifica o secretário.
Dívida cresceu muito em 2 anos
Dados atualizados mostram de forma clara o “aumento da dívida”. No dia 1º de janeiro de 2021 a dívida do Cura era de R$ 78.986.429,14 (amortização no período de jan/21 a jun/23: R$ 4.576.061,02). Em 30 de junho deste ano o valor chegou a R$ 91.304.925,26. O Município paga mensalmente em torno de R$200 mil de prestação da dívida. São cerca de R$2 milhões por ano.
“Como o valor da parcela mensal é ‘baixo’ e enfrentar o problema demanda tempo, capacidade técnica e política para resolver, ninguém fez até hoje. A dívida cresce exponencialmente, quando estiver no final ainda estaremos devendo mais de R$200 milhões. É um absurdo, seria uma irresponsabilidade se não enfrentássemos”, comenta Vlademir.
Grupos de trabalho
Logo no início do Governo Zanatta, em janeiro de 2021, representantes da Câmara de Vereadores e da Prefeitura de Montenegro estiveram reunidos para discutir a dívida do Cura. Foi proposta a formação de um grupo de trabalho, que contaria também com apoio do ex-secretário da Fazenda Omar Alves de Lima. O objetivo seria buscar caminhos para solucionar o problema. “Seria muito cômodo continuar pagando as parcelas mensais, que hoje são de R$ 130 mil (em 2021) e não pesam tanto, e empurrar o problema com a barriga”, declarou o prefeito Gustavo Zanatta durante aquele encontro. “Outros prefeitos fizeram essa opção, mas nossas responsabilidades com Montenegro não acabam com o fim do nosso governo”, disse o chefe do Executivo.
Na ocasião foi acordado que representantes das secretarias Geral; da Fazenda; da Gestão e Planejamento; da Procuradoria Geral; e do Gabinete se uniriam aos vereadores Camila Carolina de Oliveira e Gustavo Oliveira e a Omar Alves de Lima para tentar encontrar uma possível solução ao problema. Chegou a ser feita uma portaria instituindo a equipe, mas os trabalho não chegaram a ser efetivados. Conforme Omar, o Executivo nunca convocou o grupo para reuniões. “Na verdade, este grupo nunca se reuniu”, confirma o secretário Geral Vlademir Gonzaga. Ele não soube dar mais detalhes sobre o que levou a inoperância do grupo.
“Assumi este assunto pela importância que tem. Com a ajuda do procurador do Município, do chefe de Gabinete, do secretário da Fazenda e do gerente de contratos e convênios começamos a levantar a documentação para levar o tema adiante”, relata Vlademir.
Histórico do Projeto Cura
Em 1978, diante da decisão do Governo Federal de implantar o Polo Petroquímico nas áreas dos municípios de Triunfo e Montenegro, surgiu a necessidade de preparar a cidade para um incremento populacional significativo. A estimativa era que a população passasse de 40 para 160 mil habitantes. Montenegro tinha assim o desafio de suprir a demanda por infraestrutura urbana, que incluía a abertura de ruas, construção de loteamentos, escolas, unidades de saúde e outros.
Diante das limitações financeiras da Prefeitura para enfrentar esse desafio, a União e o Estado ofereceram uma solução por meio do programa Comunidade Urbana Pró-Recuperação Acelerada (Cura), que viabilizou o financiamento para as obras necessárias. O projeto visava dotar a cidade dos recursos necessários para suportar o crescimento esperado. O dinheiro era da União, mas o Estado avalizou o empréstimo.
Através do Cura, Montenegro teve acesso a R$30.153.509,64. Esse valor deveria ser pago em 360 parcelas mensais limitadas ao percentual de 1,4% da Receita líquida Real do Município. Após 360 meses, o valor residual, se houvesse, poderia ser pago em 120 parcelas.
Diversas obras foram realizadas com recursos do Projeto Cura. Entre elas, a construção do Centro Cultural, que abriga a Biblioteca Pública e o prédio da Fundação Municipal de Artes (Fundarte). Além disso, foram erguidos os prédios das secretarias municipais de Saúde e de Viação e Serviços Urbanos; as escolas Cinco de Maio, José Pedro Steigleder e Walter Belian; o Centro Infantil (atualmente conhecido como Gente Miúda); as praças São Pedro e São João; e o quartel do Corpo de Bombeiros.
Importantes intervenções viárias também foram realizadas, incluindo a construção das avenidas Júlio Renner e Ernesto Popp.
Para Astor Scherer, ex-secretário da Fazenda de Montenegro, o Município só contraiu a dívida do Cura porque não sabia que a maior parte das empresas do Polo seriam instaladas na área de Triunfo. “O Município não sabia que a maior parte da arrecadação de ICMS ficaria com Triunfo. Montenegro se preparou para um incremento populacional que não chegou.” O mesmo é apontado em relatório por Omar Alves de Lima, também ex-secretário de Fazenda.
Preocupação antiga
A dívida do Projeto Cura tem sido pauta do Executivo local há anos. Contudo, os resultados ainda não atendem ao ideal buscado pelo Município.
Durante o Governo Madalena (1997/2000), a secretaria municipal da Fazenda trabalhou por dois anos para conseguir uma negociação com o Governo do Estado. Em maio de 2000, quando o valor da dívida do município era de R$30.153.509,64, houve negociação. No entanto, ao contrário do esperado, com o passar dos anos, a dívida só aumentou.
Em 15 de julho de 2004, o então Chefe do Executivo, Percival Souza de Oliveira, assinou um aditivo ao contrato original. O compromisso previa o pagamento de R$44.546.043,44 da dívida em 360 meses, mais 120 meses para quitar o saldo residual.
Mesmo diante da negociação, Percival afirmava que a dívida do Cura era impagável. Na ocasião, Ário Zimmermann, secretário estadual substituto da Fazenda já apontava para a complexidade do assunto. “Tecnicamente é uma questão complicada, mas talvez possamos achar uma solução política”, avaliou o secretário.
A hipótese levantada pelo prefeito foi sendo reforçada a cada novo período. Em janeiro de 2005, dados da secretaria Municipal da Fazenda apontaram que dívida chegava ao montante de R$47.601.764,19. Assim como Percival, Omar Alves de Lima, na época secretário da Fazenda, alertava que, mesmo o Município pagando as prestações de 2005 em dia, a dívida ultrapassaria os R$50 milhões em janeiro de 2006. Omar previa que Montenegro poderia pagar a parcela atualmente cobrada, mas se não fosse revisto o índice de correção baseado na União Padrão Fiscal (UPF) do Estado, a dívida continuaria a crescer.
Os ex-secretários Astor e Omar se debruçaram sobre a pauta do Cura e fazem apontamentos que serão de importância nas novas tentativas de negociação da dívida. Astor conta que no último período frente à Prefeitura, Paulo Azeredo apresentou esse material durante reunião com o Estado, mas não houve evolução da discussão.