Crise do Estado deixa pacientes sem medicamentos gratuitos

Diariamente, com suas receitas em mãos, dezenas de montenegrinos se dirigem às farmácias municipais, mas voltam para casa de mãos abanando

A crise que se instalou no país – e mais fortemente no Estado do Rio Grande do Sul – reflete também nos municípios. A falta de repasses do Estado para setores como o da Saúde influi diretamente sobre a distribuição de medicamentos básicos à população. A angústia de quem precisa dos remédios tem sido longa.

O corte nos repasses pelo governo estadual para a compra destes ítens tem obrigado a Prefeitura de Montenegro a investir mais recursos próprios nesse setor. Ainda assim, alguns pedidos não puderam ser feitos. Outros problemas, como a demora no processo burocrático de aquisição e encomenda, contribuíram para o quadro atual.

A farmacêutica da Secretaria Municipal de Saúde, Vanessa Kerber Miozzo, 29 anos, tem os números. “De acordo com os relatórios do segundo semestre de 2016, o investimento que o município realizou mensalmente para suprir a demanda girou em torno de R$ 108 mil. Inclusos nesse valor estão, além dos medicamentos dispensados aos pacientes nas duas farmácias municipais, a demanda que é entregue também aos três asilos e duas clínicas de reabilitação. A previsão é de que, ainda em fevereiro, a oferta aumente”, afirma.

Nilvo da Costa não conseguiu pegar remédios na Secretaria da Saúde para a mulher, que operou tumor

Mas para pessoas como a esposa do aposentado Nilvo José da Costa, 58 anos, os uso dos remédios é uma questão de vida ou morte. Osvaldina da Costa, de 58 anos, aposentada por invalidez, operou há três anos um tumor no cérebro. O consumo dos medicamentos, desde então, segundo Nilvo, não pode ser interrompido. Mas, no meio deste mês, as cartelas acabaram. Mesmo com a urgência do caso, ele teve que sair de mãos vazias, sexta-feira, da farmácia da Secretaria de Saúde. “Nem os trabalhos de casa ela consegue realizar. Eu estou peleando sozinho há tempo. E três remédios que ela precisa tomar, não tinham”, reclama.

Para Nilvo, que é hipertenso, a Fluoxetina, Propanolol e Diuretic também não estavam disponíveis. “Graças a Deus, os meus eu consigo comprar na farmácia privada, porque tenho conta e os valores são mais acessíveis. Os da esposa, se não tiver aqui, quando eu retornar na próxima semana, terei que fazer uma vaquinha com parentes e amigos para não faltar”, destaca.

O aposentado está revoltado e pensa até em liderar um protesto, agregando outras pessoas que enfrentam problema semelhante. “A primeira coisa que o pobre espera é que isso se resolva logo. Peço encarecidamente ao nosso prefeito que olhe para os mais pobres que ganham um salário mínimo, assim como eu”, pede Nilvo, preocupado com a situação que enfrenta.

Valdir Schedler, 52 anos, funcionário de obras: “Um que preciso para tratar uma alergia, não tinha aqui. Nem os da minha mãe. Isso é o fim da picada. No posto do Centro também não tem. Terei que comprar parcelado. A informação que eu tive é que está faltando. Mas acho que é porque essa verba vem do governo e eles não estão liberando”.

Nova remessa deve reduzir dificuldades ainda esta semana
Os atrasos e a escassez de remédios básicos nas prateleiras são decorrentes da falta de recursos, além da demora no processo de aquisição. “O Estado, no ano passado, faltou muito com as suas obrigações. Se fizeram três repasses, foi muito. E, este ano, não será diferente. Só a verba federal não cobre 1/5 da nossa demanda e o município assume uma parcela para suprir esse déficit”, desabafa Vanessa. A farmacêutica ainda explica que o fornecimento básico de remédios é feito para três asilos da cidade, duas clínicas de reabilitação e para o Posto de Atendimento Médico, o PAM.

Segundo ela, de acordo com as normas de financiamento da assistência básica farmacêutica, que constam na Portaria GM/MS 4217 de 2010, a União contribui com R$ 2,10 por habitante, no ano. O Estado e o Município, R$ 1,86 cada. Se algum deles falha, fica uma carência no setor.

Sobre os pedidos de medicamentos, eles são feitos conforme a necessidade apurada pela Secretaria. O processo burocrático de encomenda e aquisição inclui, além do levantamento, pedido e encaminhamento para o setor administrativo. “Feita essa solicitação interna, a disponibilidade de verbas é avaliada. Caso tenha fundo disponível para compra, o empenho é liberado pela Secretaria da Fazenda e vai para o setor de compras. Uma cópia do documento retorna para a saúde e outra vai para o Consórcio Intermunicipal do Vale do Rio Caí. Ele é responsável pela aquisição e o fornecimento de ítens da farmácia básica”, destaca Vanessa.

Esse trâmite todo demora em torno de um mês, desde o levantamento à entrega das drogas pelo consórcio. De acordo com Vanessa, o Cis/Caí tem dificuldade de aquisição de alguns fármacos. E os medicamentos de competência do Estado, como o para enfisema pulmonar do senhor Luiz, estão sem previsão de recebimento.

Mário Machado, 63 anos, aposentado: “Tomo remédio para tratar um problema na próstata. Mas, no meu caso, eu felizmente consegui o medicamento. Sempre fui muito bem tratado na farmácia. Mas para a minha esposa, semana passada, não tinha. Aí tivemos que comprar o remédio”.

Outro detalhe importante que culminou na escassez de alguns medicamentos foi uma encomenda de novembro, pela Secretaria de Saúde. “Fizemos um pedido maior, nesse período, devido ao recesso dos fornecedores em dezembro e janeiro. O pedido não supriu os dois meses seguidos, principalmente pela falta de verba do Estado. Precisamos encomendar o básico do básico mesmo. Essa ação acabou por refletir agora”, explica.

Contudo, a funcionária garante que há uma remessa chegando nos próximos dias. Aos que não podem esperar pelo tratamento medicamentoso, Vanessa orienta que procurem os programas das farmácias privadas ou popular do Brasil. As particulares têm convênio com o Ministério da Saúde, no programa “Aqui tem farmácia popular”. Remédios para tratamento de hipertensão, diabetes e asma, segundo ela, poderão ser retirados gratuitamente nesses locais, mediante cadastro com CPF e RG e receita atualizada. A farmácia popular do Brasil fica junto ao Hospital Montenegro.

Luiz Valério tem enfisema pulmonar e não pode ficar sem os medicamentos prescritos pelo médico

Reféns da falta de verbas na Saúde
Todas as pessoas são reféns da boa saúde. Na ausência dela, a dependência de medicamentos é inevitável. Luiz Valério, 80 anos, aposentado e morador do bairro Senai, há três anos convive com um enfisema pulmonar e, há dois meses, está sem remédio gratuito para o tratamento. O agravante é que ele pertence à fatia mais carente da população.

Luiz é uma pessoa real. A história dele, obviamente, também. Nas vezes em que foi à Secretaria de Saúde para buscar o medicamento, ficou sem. “O enfisema é do cigarro. Mês passado, eu precisei da ajuda dos filhos para comprar porque, mesmo com o desconto da farmácia privada, fica em torno de R$ 280,00. Ganhando um salário mínimo, eu não consigo pagar. Se eu comprar o remédio, não como”, diz.

Como o tratamento é contínuo, não há a possibilidade de ficar sem. Porém, na análise de Luiz sobre a responsabilidade pela situação, ele diz se trata de um panorama nacional. “Não adianta culpar eles aqui, é geral. Nosso Brasil está meio ruim, né? Esse atraso todo vem de lá”, conclui.

“Está quebrado aqui”, diz Isadete, sobre falta de medicamentos na farmácia da Secretaria de Saúde

Isadete Vargas Dalmoro, 46 anos, dona de casa, tem hipertensão e nível de triglicerídeos elevado no sangue. Ela, que é moradora da Esperança, no bairro Senai, utiliza Sinvastatina – para pressão alta – e Propanolol há 10 anos. Não encontrou nenhum deles na farmácia da Assistência. “Da minha lista de remédios, o único disponível era o Omeprazol, para o estômago. Está quebrado aqui, não tem. Lá no posto do Centro também, aí eles mandam para cá. Isso é um absurdo”, enfatiza. A incerteza de não conseguir as substâncias e precisar pagar por elas é o que mais a angustia. “Eu ainda devo o remédio do mês passado para uma irmã que emprestou o dinheiro”, diz.

Walter Wilson Rohr precisa de quatro remédios para os problemas de saúde e conseguiu só dois

Também hipertenso, o aposentado Walter Wilson Rohr, 74 anos, sofre ainda de um problema de coração. A arritmia cardíaca fez com que ele já realizasse quatro operações de cateterismo. São poucos medicamentos que ele precisa em quantidade. Porém, para a sobrevivência, todos são de grande relevância. Em três tentativas, conseguiu apenas dois da sua lista. “O poder público é obrigado a fornecer. É um direito nosso. Eles acham que é favor, mas não é”, salienta o idoso, revoltado com a situação.

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