A música tem poder de nos deixar alegres ou tristes, de avivar lembranças, de nos remeter ao passado ou nos animar a pensar em um presente ou futuro melhor. Podemos até arriscar a dizer que há consenso sobre a influência da música na vida de uma pessoa, nas suas emoções. E a medida publicada pelo Ministério de Saúde, incluindo a musicoterapia na relação de serviços que podem ser oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), reforça essa ideia.

A decisão recente atende a uma reivindicação antiga dos profissionais da área e contribui para popularizar o acesso a essa terapia, que agora poderá ser incluída em programas públicos de atendimento. A montenegrina Anelise Kindel, que está concluindo o curso de musicoterapia na Faculdade EST, em São Leopoldo, observa, no entanto, a necessidade de recursos humanos e técnicos para que essa publicação do Ministério da Saúde, no Diário Oficial da União, tenha efeito prático. “O mais difícil para os colegas é se colocarem como profissionais, uma vez que precisa abrir concurso (na rede pública), o que depende de verbas”, acrescenta. Ela não tem dúvidas, porém, que significa um avanço importante para que, em um futuro próximo, essa terapia seja oferecida nas unidades básicas de saúde.
Em atendimento individual ou em grupo, o musicoterapeuta utiliza a música ou seus elementos, como ritmo, melodia e harmonia. Anelise explica que a musicoterapia se vale de sons como fenômeno vibracional com força para provocar mudanças, tanto no quadro físico, como emocional e mental.
A aplicação da musicoterapia leva em conta as necessidades dos pacientes, que embasam os objetivos e o plano terapêutico. Anelise salienta a importância em diferenciar musicoterapia de musicalização. “É bem importante colocar, porque existem os limites, são tênues, mas são claros”, afirma. “Na musicoterapia o objetivo não está na música, não é ensinar música, isso é o objetivo da educação musical”, acrescenta. Na musicoterapia o foco está na saúde. “A música é a nossa ferramenta para buscar saúde, um ganho em qualidade de vida. Isso nos diferencia do fisioterapeuta ”, compara.
Ela frisa que a musicoterapia não é simplesmente escutar uma música. “É terapia, a gente tem um processo, traça um plano terapêutico, uma vez que atingiu esses objetivos, a pessoa pode ter alta”, afirma Anelise.
A formanda lembra, no entanto, a aplicação dessa terapia em casos de doenças muito graves, como em pacientes em estado terminal, nos quais a musicoterapia proporciona bons momentos ao paciente. Anelise acrescenta que há estudos comprovando a atuação da música em algumas áreas do cérebro reduzindo a dor.
Projeto dirigido às mães e bebês é desenvolvido em grupos
Na clínica da Faculdade EST, onde estuda, em São Leopoldo, Anelise Kindel desenvolve um projeto de musicoterapia com mães e bebês, dentro do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ela conta com a estrutura disponível pela universidade e, na implantação, recebeu apoio da prefeitura para divulgar o trabalho nas unidades básicas através dos profissionais de saúde que atendem mães e bebês, naquele município.
Seu desejo é conseguir oferecer trabalho semelhante nas unidades básicas de saúde de Montenegro, mas observa a necessidade de recursos. “Moro em Montenegro, gostaria de trabalhar aqui”, afirma Anelise, que também é instrumentista na orquestra da Universidade de Caxias de Sul.
Ao criar seu projeto, a montenegrina considerou que a musicoterapia para mães e bebês existe para atendimento neonatal em maternidades, hospitais e clínicas, usada principalmente na estimulação precoce de crianças com alguma síndrome ou tipo de limitação. “Nesse meio, a musicoterapia já é bem difundida”, resume.
Um diferencial do seu projeto é o foco nas mães que vêem sua vida mudar após o nascimento dos bebês, seja pelos cuidados e atenção com a criança, pela possibilidade de depressão pós-parto, entre outras situações diversas que dificultam a harmonia nesses primeiros meses. “Então pensei que gostaria de fazer a musicoterapia em grupo, oferecendo um momento, um espaço de encontro para a mãe e seus bebês, tendo como objetivo, em primeiro lugar, o vínculo entre as mães e filhos”, resume.

O que é Musicoterapia
Musicoterapia é a utilização da música e/ou de seus elementos constituintes, ritmo, melodia e harmonia, por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, em um processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. A musicoterapia busca desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que alcance melhor qualidade de vida, através de prevenção, reabilitação ou tratamento. (definição da Federação Mundial de Musicoterapia)
A Faculdade EST, em São Leopoldo, é a única do Rio Grande do Sul que oferece curso de musicoterapia.
“A sessão é bastante dinâmica…”
O uso da música como recurso terapêutico é antigo, mas foi a partir da segunda guerra mundial que a musicoterapia começou efetivamente com seu uso científico. A musicoterapeuta Sofia Cristina Dreher acrescenta que, no Brasil, os primeiros cursos para profissionais dessa área começaram a ser realizados em 1971.
No decorrer de uma sessão, são realizadas várias atividades musicais visando a alcançar os objetivos traçados no início do processo terapêutico do paciente. As atividades, técnicas e métodos são escolhidos de acordo com os objetivos que precisam ser trabalhados. “A sessão é bastante dinâmica, ou seja, o paciente faz música junto com o terapeuta, seja cantando, tocando, dançando, escutando”, afirma Sofia.
Bacharel em musicoterapia pela Faculdade de Artes do Paraná, especialista em comunicação e semiótica pela PUC/PR e mestre em filosofia pela Unisinos, Sofia é musicoterapeuta em um centro terapêutico em Novo Hamburgo. Para ela, a inclusão dessa terapia nos serviços do SUS é um avanço, mas pondera a falta de recursos que caracteriza a saúde e público. Veja outras considerações da especialista.
Cite alguns exemplos para aplicação da Musicoterapia.
Sofia Cristina Dreher – A musicoterapia atua em três esferas, ou seja, na promoção, reabilitação e prevenção da saúde. Quando falamos em reabilitação, partimos do pressuposto de que a doença já está instalada. Quando falamos em prevenção, atuamos de forma a manter um equilíbrio na saúde integral do indivíduo, evitando assim a instalação de doenças. Na promoção, estamos falando em promover saúde no dia a dia do indivíduo. Para tanto, precisamos conhecer os hábitos desse indivíduo e pensar saúde a partir da realidade dele. Diria que no topo da sua aplicação se encontram aquelas pessoas que possuem TEA – Transtorno do Espectro Autismo. Na sequência a população idosa, com demências ou não. Temos atendimentos de ponta sendo realizados em hospitais, seja na área da oncologia, como no acompanhamento das internações.
A inclusão nos serviços oferecidos pelo SUS é uma reivindicação dos profissionais de musicoterapia?
Sim. A prática já vinha ocorrendo em diversos Centro de Atenção Psicosocial no Brasil e em projetos das Secretarias de Assistência Social. Porém, esses profissionais eram contratados como oficineiros e tinham uma certa restrição de atuação.
Na prática, essa medida será de fato implantada ou faltam recursos humanos e materiais, no SUS, para a musicoterapia?
Quem acompanha de perto os atendimentos no SUS, sabe que a demanda sempre é maior que a oferta. Essa é uma problemática antiga e que requer planejamento e envolvimento da sociedade também, com o papel de fiscalizar a aplicação dos recursos para essa área.
Na sua avaliação, essa medida irá popularizar e estimular o uso da musicoterapia?
Nós sempre tivemos a preocupação de não tornar a musicoterapia um atendimento elitizado, ou seja, apenas para aquelas pessoas que possuem um recurso financeiro. Estamos muito felizes com essa vitória de assegurar que a população como um todo possa ter acesso a esse processo terapêutico.
O que um profissional precisa para ser musicoterapeuta?
A formação do musicoterapeuta está dividida em três grandes eixos de conhecimento: conhecimento do ser humano, como psicologia, psicopatologias, anatomia, e outros; conhecimento musical, em instrumentos, linguagem musical, conjuntos, e outros; e conhecimento específico, como fundamentos da musicoterapia, métodos e técnicas, atividades criativas, estágios. A habilitação se dá através de graduação e especialização, ambas realizadas no Brasil.