Para extirpar um apêndice

Semana tensa, ânimos exaltados. Para um professor de História, como eu, clima de decisão importante para o Brasil, quase uma prova de eficiência como docente e de alguém que sempre combateu o fascismo e todas essas coisas que machucam (esta ideologia apresenta um padrão histórico que se repete hoje em nosso país). Na quinta-feira, acordo na madrugada com uma dor intestinal violenta. Passo o dia com ela e, de tardezinha, calafrios me levam para o hospital. Deitado na sala de emergência, contorcido com minha dor, fico a escutar os casos em volta
Na minha frente, estava um senhor sentado na poltrona com jeito de avô carinhoso. Uma mulher, com seus 40 anos, estava junto dele, provavelmente sua filha. A enfermeira avisa que ele deveria ser encaminhado para um exame de ecografia, mas a acompanhante responde que ele não o faria, a enfermeira sai e discretamente revira os olhos em desaprovação. Minutos depois, volta pelo corredor e proclama em alto e bom som que a eco não teria sido autorizada pelos familiares. Do meu lado direito, deitado na cama, outro senhor, esse, no entanto, parecia bem mais velho que o primeiro e estava acompanhado por sua esposa. O médico adentra e, ao examiná-lo, informa que, em virtude dos efeitos da diabete, era necessária a amputação imediata de dois dedos do pé. A esposa então pede para que o médico telefone para o filho e, ao fazê-lo, viu recusado o seu prognóstico.
Em minha cadeira de rodas, ao ser levado pelos corredores do hospital, pensativo, imaginei os motivos possíveis para que aquelas famílias negassem as orientações médicas. No primeiro caso, certamente eu não tinha muitos elementos para alguma constatação plausível, mas, no segundo, era evidente a necessidade de amputação.
Não sou adepto ao discurso de autoridade, ou seja, não é porque se tem um título que se é portador da verdade. Essa ideia, construída na Idade Média, era baseada na infalibilidade papal. A verdade se constituía pelo que era dito pelo papa e afiançada unicamente pela sua autoridade de pontífice, o que levou, por exemplo, Giordano Bruno para a fogueira por ter afirmado que o universo era infinito. Por sorte, o pensamento racional trouxe a necessidade da argumentação através das evidências e a ciência e seus métodos se constituíram como meio de se alcançar respostas mais próximas da realidade. No caso, acredito que a argumentação do médico era cheia de evidências. Mesmo assim, a família não aceitou.
Meu diagnóstico estava pronto, eu tinha que extirpar meu apêndice. Minha primeira cirurgia seria por vídeo e não teria cortes, apenas três furos, e a recuperação vinha com a promessa de ser rápida. Fui encaminhado para o quarto e, no início da manhã seguinte, preparado para a intervenção.
Lá estava eu deitado de barriga para cima, com os braços imobilizados, numa sala com aqueles suportes de luz enormes, rodeado por monitores de vídeo. Num instante, entra a anestesista. Agora, vejo somente rostos com suas máscaras brancas sobre mim e inicia uma conversa sobre eleições: “não posto nada na minha linha do tempo, pois tenho várias amigas elenão”, um líquido ardente penetra a minha veia, a respiração muda, “mas eu sou elesim”, a enfermeira aproxima o oxigênio sobre o meu nariz, por que não me ouvem sobre o fascis…

Rodrigo Dias
Professor

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