Por conta desses dias sui generis que estamos vivendo, não percebemos o vulcão que estourou há poucos dias no colo da humanidade. Cientistas chineses conseguiram, através de manipulação genética, que duas fêmeas gerassem filhos sem a participação do macho da espécie. Eram ratos. Mas ratos são mamíferos. E, como todos sabem, no fundo, bem no fundo, somos todos ratos, digo, mamíferos.
Eles, os cientistas, dizem que ainda há vários problemas no procedimento, mas que, no futuro, poderemos ter respostas melhores nas clonagens e nos tratamentos de fertilidade. Começou com a pílula anticoncepcional, chegou à inseminação artificial, passou pela clonagem de uma ovelha, e agora isto. Cada vez chegam mais perto.
Há um caminhão de implicações nesta descoberta. O descarte do macho da função procriativa, a afronta a dogmas religiosos contra o sexo recreativo e fonte de prazer. Que personalidade terá um ser humano nascido de duas mães? Temas candentes para debates nos próximos cinquenta anos por conta desta descoberta.
Ficção científica por enquanto, como toda ficção científica, mete o terror. Passados uns anos, todos sabem onde deságua: vira realidade e revolução. Duas mulheres tendo um filho comum? Pah!!!!
A nossa colaboração – dos homens, quero dizer – para povoar o mundo está com os dias contados. Segundo os estudos, machos ainda vão nascer com esse novo método e todos sem pai. E a educação sem figura paterna? Ah esses lares só com mulheres… Qual será nosso papel no mundo? Sei lá. Pode ser que o de contribuir na procriação não seja mais necessário. Vamos fazer o quê, então? O que a humanidade e a sociedade vão querer conosco? Estamos nos tornando descartáveis! Só nos restará fazer guerras, porque filhos… olha… deu!
Brincadeiras à parte, o mundo nos convulsiona a cada segundo. Se ficarmos prestando atenção em tudo de novo que surge, não teremos tempo nem para uma boa relação sexual. Por hora, toda especulação é um exagero; toda conclusão, mais para folclore do que para uma certeza.
Contudo, a força imaginativa desta descoberta nos leva a discutir o que só será realidade daqui a décadas. A onda destruidora da ciência começa a lavar mais um valor que era cláusula pétrea de nossa existência: a necessidade de um macho e de uma fêmea para gerar um filho. Foi-se! Acabou! Que Deus nos acuda e nos perdoe. A maçã de Eva é implacável. O fruto do conhecimento não foi feito para paz de nossa alma. Desde que fomos expulsos do paraíso, mais não fizemos do que afrontar o estabelecido. E pior: como ninguém volta para o útero, ninguém volta ao paraíso. O que nos reserva ainda a lava fervente da ciência?
O que nos tem restado desde a expulsão é esta volúpia de reescrever a vida. E reescrever não só um destino, o que sempre foi permitido, mas também reescrever a sua semente; a forma como ela nasce e se replica. A ciência é a grande subversão da humanidade. Sua maior rebeldia.
Não sei se isso tudo é o ocaso do sexo, do reprodutor, ou do sexo reprodutor. Mas estamos sim diante de um ocaso. Do ocaso de um mundo e de uma forma de vivê-lo. Onde isso nos levará não sei. O que sei é que a luta contra o fim do sexo deve continuar. Reprodutor ou não. Seja o que for o sexo no futuro, seja o que deixar de ser… no fim.
O ocaso do sexo reprodutor
