Se eu morresse amanhã

Perco o sono pensando na morte. Divagando sobre a minha existência: tão frágil, tão breve, tão pequenaa vida. Ele me consola: – Dorme; amanhã a gente tem que trabalhar.
Eu não nasci preparada para a vida. Que dirá para a morte! Acredito que a melhor maneira de prolongar nossa existência é escrevendo… Se eu morresse amanhã, acabava a minha poesia. Restaria apenas um breve obituário sem rima e sem graça.
Para morrer, basta estar vivo, diz o ditado. Pois eu complemento: basta uma dor aguda, um corte, um último gole. Basta um caroço, uma bactéria, não olhar para o lado. Basta um sinal. Se eu morresse amanhã, provavelmente, estaria à espera de… Sempre acreditei que eu morreria em frente a um guichê. Já morri muitas vezes, de amor, de rir, de frio, de fome e de tristeza; para os impacientes, qualquer morte é melhor do que essa espera por acabar numa fila.
Teria unhas e cabelos por fazer, coisas que sempre postergo para outro dia. Não teria poupança; que me perdoem meus filhos. Uma árvore, fotos e meu livro na estante seria o legado. Não deixaria muita coisa; quem sabe um pequeno vazio? Se eu morresse amanhã, por favor, sem temporais. Chora apenas uma chuva bem fininha. Suspira saudade na nossa janela aberta para o jardim, regando a minha ausência.
Independentemente de eu ter sido boa, ou muito ruim, posso morrer amanhã. Independente das minhas dívidas; dos meus carmas e dos meus carnês. Se eu morresse amanhã, me arrependeria por ter poupado minhas roupas boas para que, outrora, fossem rateadas entre sei lá quem; de não ter acumulado mais alguns quilos; de ter economizado nos “vai te catar” – não foram eles que me sufocaram e envenenaram?
A vida continuaria acontecendo todos os dias, independente de mim. Se eu morresse amanhã, pediria que organizassem uma festa íntima, bem sabem, a meu modo. Que meus amigos bebessem o morto, a morta, como dizem os antigos. Que eles contassem algumas histórias boas, para a melancolia ir cedendo espaço às lembranças.
Já me disseram tanta coisa nessa vida: que eu deveria cuidar mais da saúde, que eu precisava mudar, me acalmar; falaram de astrologia, simpatia, tirania; falaram tanta arbitrariedade… Metade eu fiz questão de esquecer. Para o resto, análise. Se eu morresse amanhã, deixaria para depois todos os problemas. Para nunca mais! Por que eu me preocupo agora?
O que era mesmo urgente? Se eu morresse amanhã, ninguém deveria ficar triste; foi apenas minha existência que expirou, abrindo caminho para a saudade.
É o medo da morte que nos impede de viver. Acho essa onda de passar os dias correndo, para ganhar tempo, fastidiosa. Dizia o Drummond, que já partiu há algum tempo, “…ficou chato ser moderno, agora serei eterno.” E se eu morresse amanhã? – repito, mais uma vez, em voz alta. Ele me responde:- Calma, já amanheceu o dia. Amanhã já é hoje, e o que nos resta é viver.
Tem razão, mas uma noite sem dormir é de morrer.

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