Quando não sabemos ser livres

Repito, se um dia perdermos outra vez a democracia, não será porque nos tomaram, mas porque a jogamos fora. É horrível perceber o quanto não sabemos ser livres. Certa feita, meu amigo João Heitor, gremista fanático, me convidou para conhecer a Arena do Grêmio, que ele frequenta assiduamente. Sou Xavante (minha segunda opção é colorada) e era jogo de Gauchão entre os donos da casa e o meu rubro-negro. Claro que topei, João me oferecia chegarmos uma hora antes para um tour pelo estádio. Belíssimo, diga-se de passagem. Já pronto para sairmos de Montenegro, resolvi perguntar, “posso ir com uma das minhas camisas xavantes, né?”. Ele apenas riu e balançou a cabeça. Entendi o recado. “Nem se for a preta, ou a branca?”, remendei, renunciando à vermelha. Ele achou melhor não facilitar. Fiquei chateado, afinal é time do interior, nem dá pra chamar de rival. Enfim, por absoluto bom senso, fui de cinza, não me rasguei em gritos no gol do Brasil e nem enfureci no gol do Grêmio, como faço na baixada. Assisti ao jogo como quem vai à missa. Pelo menos, valeu o passeio.
Estádios de futebol são um dos exemplos clássicos de que, certas horas, a nossa racionalidade tem um lado macabro. E indivíduos se transformam em fanáticos que, induzidos ou protegidos pelo anonimato do comportamento coletivo, são capazes de horrores. Mesmo com tantas campanhas pedindo fraternidade entre torcidas. O que ocorreu no Beira-rio, sábado passado, mostra claramente que somos feras agressivas. Predadores de nós mesmos. A torcedora comemorou no lugar errado? Talvez. Nada que justifique ela ser agredida física e verbalmente e, o pior, na frente de uma criança. Do filho pequeno! Nada pode explicar como, mesmo vendo o choro desesperado no menino, os adultos não mostraram a mínima vontade de encerrar as agressões. Dizer que ela não deveria estar ali, que foi provocação, é mostrar o quanto somos boçais a ponto de não saber conviver, de precisar de grades e muros que nos isolem enquanto iguais, apenas porque fraternidade e respeito à diferença é só discurso de ocasião. Nas mínimas atitudes, somos intolerantes. Aceitamos o ódio e vibramos com ele.
Se estar do lado errado da grade autoriza ser agredido, eis o assustador desprezo pela liberdade. Se a alegria do torcedor adversário nos agride, eis a morte da educação. Assumimos sermos apenas seres voláteis, nosso sentir é tão fisiológico quanto a fome dos irracionais. Nossos protestos têm cabresto. Somos naturalmente egoístas, violentos e sádicos, protegemos posturas de ódio se elas forem para benefício ou defesa dos nossos umbigos. Paz? Conversa para boi dormir, frase fofa para ganhar curtidas, nada além. Agredimos. Na rede social, por política ou na arquibancada do estádio. Nem choro de criança sensibiliza. Ego acima de tudo. Que pena! Um mundo menos violento passa por saber aceitar que o outro é tão livre quanto eu, e assim seria a democracia. Seria.

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