Luiz Alfredo Garcia-Roza é um dos grandes romancistas brasileiros. Talvez dos últimos. Escritor, professor universitário e psicanalista, ele criou um dos personagens mais emblemáticos da nossa literatura, o Delegado Espinosa. Um policial carioca culto, íntegro, maduro e com estilo contemplativo, além de uma entrega quase visceral aos seus casos, num antítese ao rótulo que se costuma dar ao policial brasileiro, ainda mais carioca. Espinosa foi vivido pelo falecido galã de meia idade Domingos Montagner numa série produzida pelo canal GNT inspirada na obra de Luiz Alfredo. Na estreia de ambos, autor e personagem, em 1997, o livro “O silêncio da chuva” venceu, de cara, o Jabuti, maior prêmio da literatura brasileira. Uma trajetória de sucesso que premiou os leitores com onze romances no total.
O original de seu mais novo lançamento foi entregue à editora em 2017, exatos vinte anos após a publicação do primeiro romance. Desde então, estava em trabalho de revisão, ajustes e etc., uma lapidação demorada, porém comum, que grandes editoras costumam fazer com suas melhores publicações. Saiu agora. Já encomendei o meu na Livraria Intelectual, como de praxe. Aproveitei para pedir outros lançamentos nacionais de autores que aprecio, como Edney Silvestre (O último dia da inocência) e Raphael Montes (Uma mulher no escuro). Não andam muito comuns os bons lançamentos de literatura brasileira. Já houve tempos em que todo ano eu me preparava para os novos livros de Cony, Scliar, Ubaldo e outros tantos. Hoje, os bons nos deixaram sem muitos substitutos.
Garcia-Roza está nos deixando. Sou amigo virtual de sua esposa, Lívia, também escritora e dona de uma prosa poética incomparável. Há quatro meses ela tem emocionado os milhões (tá, não exageremos, vamos ficar nos milhares, não milhões, afinal é um escritor e não um cantor de funk ou jogador de futebol e, ainda, brasileiro cada vez mais gosta menos de ler) em suas redes sociais. Ela fala das conversas em aberto, da saudade, da falta que sente do marido no café da manhã, com quem compartilhava há 42 anos. E ela fala do novo livro. Um relato me emocionou, foi quando ela contou sobre um médico que a abordou no hospital onde Luiz Alfredo está internado. Ele leu todos os romances de Espinosa e mostrou suas fotos no celular com os livros. Quase fiz um print e mandei para um amigo que costuma dizer que “quem trabalha não tem tempo pra ler”. Eu trabalho. E tenho tempo pra ler. E pra jogar futebol, e pra brincar com minhas crianças e pra outras coisas que gosto. Tempo é sempre uma fraca desculpa.
Lívia se despede com poesia do homem que ama. Seus relatos diários são pura literatura. Ela dos deixa com saudade de Luiz Alfredo. Ele está partindo, é certo, mas a chegada de seu novo livro coloca as coisas como devem ser. Ele nunca nos deixará. Espinosa segue vivo, segue livro, segue livre. Triste pelo seu estado de saúde, torcendo pela reviravolta, eu me pego emocionado volta e meia com Lívia. Um jardim poético vibrante em pleno deserto dessa estupidez diária.