Algum domingo precisa ser lerdo

Há quem trabalhe, tudo bem. Eu mesmo perdi a conta de quantos domingos desejei ter outro emprego, apenas para poder ter ficado em casa. Ignorado o despertador e dormido um tanto mais. Ainda que o sol espreitasse por entre as frestas da janela e oferecesse o dia, com aqueles seus convites de sempre. Desejei, sim, muito não ter que trabalhar nos meus domingos. Preferia ter permanecido sob as cobertas, as pernas enroscadas entre as pernas de alguém – ou não, só enroscadas com o lençol mesmo, e tomando cuidado pra não levar um cotovelaço sem paciência, que amor é assim, igual gás de refri litrão: dura pouco e logo fica, digamos, meio xarope. Enfim. Com todo o respeito aos que trabalham domingo em nome do sustento de suas famílias ou do futuro desse país. Mas domingo é dia de descanso. Tá na bíblia (eu acho).
O domingo, se bem curtido, pode ser terapêutico. A ponto de renovar suas energias internas e limpar a sujeira mental que os estresses em série da semana provocam. Tirar a capa poeirenta da pressão sobre a alma, dar um gelo na angústia e um tapa na mágoa, esquecer o que incomoda e acelera. Mas é preciso parar. Todos precisamos de uma pausa na vida. Todos precisamos experimentar um sorriso descansado, relaxado e despreocupado em nosso rosto. Há que se permitir ficar na cama até mais tarde, no domingo. E invadir sem culpa até mesmo aqueles impensáveis horários de todos os dias, na correria cotidiana, e se permitir qualquer extravagância. Mas eis o ponto: que sejam extravagâncias lerdas.
Se me perguntarem o que é uma extravagância lerda, respondo: sei lá. Só sei que, se for ver um filme, esqueça os tiros, os sustos, os heróis e suas batalhas que destroem metrópoles inteiras. Prefira romances. Comédias românticas. Ouça música clássica, ouça Alexandre Desplat ou Phil Collins. Ouça Djavan. Só esqueça o besteirol sem sentido, a baboseira cantada e a agressividade apelidada de música. Ponha o coração de molho. Prefira o que é leve. Abra um livro sob o sol, pise na relva de pés descalços, se esconda o máximo de tempo que puder num abraço. Ouça o silêncio, ouça a respiração de alguém, contemple seus olhos. Só não saia correndo para cumprir agendas, não no domingo, não se submeta ao que não foi você que inventou. Esqueça o mundo alheio. Passeie pelo seu próprio mundo.
Bote as leituras em dia, no domingo. Bote os abraços em dia, no domingo. Bote o sexo em dia, bote as saudades em dia, estique as pernas e permita que elas não sustentem teu corpo por um bom tempo, elas precisam disso. Tuas pernas te carregam para um lado e outro o dia todo, todos os dias, nem sempre numa velocidade compatível com a vontade delas. Eu sei, nem sempre isso será possível. Mas tente transformar, pelo menos de vez em quando, o seu domingo num dia assim, lerdo. Calmo. Um dia sossegado e só seu. Se houver felicidade nesta vida, ela certamente estará por perto num domingo sem pressa de ser feliz.

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