Brincando com as galinhas

Quem nasce e cresce no interior, desde cedo estabelece uma relação de carinho e respeito com os animais. Bois e vacas, cavalos e aves fazem parte do dia a dia e, sem eles, seria muito difícil dar conta das tarefas. Além disso, fornecem alimento, como leite e ovos, e a própria carne, quando são abatidos. Da mesma forma, cães e gatos são companheiros em tempo integral, protegendo a casa e seus donos e fazendo companhia. Não faltam histórias de vira-latas que salvaram seus “humanos” ao enfrentar cobras venenosas na roça, levando picadas mortais e dando a vida por eles.

Ocorre que, na infância, a diferença entre dar carinho e judiar os animais nem sempre é muito clara. Quando eu tinha quatro ou cinco anos, um dos meus passatempos era correr atrás das galinhas. Achava divertido persegui-las. Quando conseguia apanhá-las, pegava um barbante e as amarrava pelas coxas. Na minha imaginação, viravam bois e vacas que seriam vendidos para, com o dinheiro, comprar uma fazenda.

Obviamente, estas minhas investidas não agradavam as penosas. Ainda as vejo correndo daquele “gigante” de um metro e gritando a plenos pulmões: “Olha ele, Cremilda!”, “Corre, Idalina!”, “Foge, Gertrudes!”. Eu definitivamente as deixava… nervosas (naquele tempo não se falava em estresse). Desconfio até que as minhas perseguições impactaram na economia doméstica. Afinal, se eu fosse uma delas, faria greve em protesto pelos maus tratos e deixaria de botar ovos até que o problema fosse resolvido. Ainda bem que elas não eram sindicalizadas!

Não demorou nadinha para que meus pais descobrissem e vetassem a “brincadeira”. Mas quando eles viravam as costas, lá estava o alemãozinho tentando transformar uma ave em bovino de faz-de-conta. Não lembro se cheguei a tomar umas palmadas – embora devesse – mas recordo que, certo dia, minha mãe contou tudinho para uma vizinha. Ela tinha uns 70 anos e, do alto de sua sabedoria e num sorriso de canto de boca, profetizou: “Vou dar um jeito nisso!”.

Dias depois, ela nos presenteou com um pequeno galo garnizé. Ele era branco e andava entre as galinhas todo garboso, com as asinhas na cintura, como se, a qualquer momento, fosse sacar duas pistolas Colt, daquelas que eu via nos filmes de bang-bang aos sábados à tarde. Fui alertado, com certa solenidade, que mantivesse distância do galinheiro, pois o novo “xerife” era muito bravo e sua bicada, com certeza, arrancaria um pedaço da minha pele.

Não acreditei muito nas ameaças, mas, na primeira vez em que tentei chegar perto, ele imediatamente saltou à minha frente e, em tom ameaçador, chamou-me para a briga. Achei melhor não testar a força do seu bico e o poder das “esporas”. Covardemente, recuei. Em cocoriquês, as galinhas enalteciam sua coragem e juro que, enquanto suspiravam, eu as ouvi dizendo “Meu herói”.

Só me dei conta muitos anos depois, mas o fato é que aquele galinho, com cerca de 30 centímetros de altura, ensinou-me algumas lições importantes. A primeira é a de que tamanho não é tudo, mas quando se é pequeno e frágil, é preciso compensar a desvantagem com muita coragem e um pouco de pose. Também aprendi que, em qualquer circunstância, devemos defender os mais fracos, os mais pobres, aqueles que estão em perigo. Enfim, o mundo anda precisando de garnizés.

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